Um Mês depois

“Não são baderneiros, são terroristas”, reforça analista político sobre atos de 8/01

Paulo Loiola comenta sobre o “saldo” dos ataques e os desafios políticos e comunicacionais do novo governo

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Ataques de bolsonaristas radicais em Brasília no dia 8 de janeiro - Marcelo Camargo/Agência Brasil

Há um mês, o Brasil e o mundo assistiam chocados a um dos episódios mais lamentáveis da história democrática do país: os ataques terroristas em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023.

Vestidos de verde e amarelo e escoltados pela Polícia Militar do Distrito Federal (PM-DF), os extremistas invadiram a sede do Supremo Tribunal Federal (STF), do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, destruíram equipamentos de trabalho, obras de arte, mobílias históricas, roubaram armas e chegaram a defecar em prédios públicos. Aos gritos de “intervenção militar”, os envolvidos pediam a anulação das Eleições 2022, nas quais Jair Bolsonaro (PL) foi derrotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De acordo com informações da Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape/DF) divulgadas nesta quarta-feira (8), 1.398 extremistas envolvidos no ataque estão presos em unidades de segurança de Brasília. Além disso, 460 pessoas seguem monitoradas por tornozeleiras eletrônicas e as investigações seguem em andamento na Justiça.

Para compreender o tamanho da repercussão dos ataques ao longo do último mês, bem como os possíveis cenários e configurações políticas abertos pelo episódio, a Pulsar Brasil conversou com o estrategista político e sócio-fundador da Base.lab, Paulo Loiola.

Além de analisar os impactos do 8 de janeiro na política nacional, Paulo comenta sobre a disputa de narrativas em torno dos ataques, a importância de estratégias efetivas de combate à desinformação e os principais desafios colocados para os setores progressistas da política e da comunicação no atual momento do país.

Confira a entrevista a seguir:

Pulsar Brasil: Um mês após o 8 de janeiro, qual é o “saldo” político da repercussão dos ataques terroristas e das respostas dadas pelo Estado brasileiro?

Paulo Loiola: Bom, antes de tudo, a gente precisa destacar que existe um saldo de destruição em âmbito material e histórico, mas também no democrático.

Uma das questões que tem repercutido é o paralelo que se viu entre os atos [de invasão] do Capitólio, nos Estados Unidos [em 2021]. Principalmente na questão do método, né? Das estratégias utilizadas pela extrema-direita para a mobilização e manutenção radical da sua base.

Agora, me parece que, ao mesmo tempo, houve também [no Brasil] uma união maior das forças políticas – que não da extrema-direita – e até mesmo o afastamento de algumas figuras de uma direita mais tradicional do bolsonarismo, como foi o caso de representantes do PSDB e de outros partidos. Vemos que algumas figuras do Republicanos e até o próprio PL dão uma certa afastada do bolsonarismo e acabam permitindo ao governo Lula uma união de poderes que não estava bem estabelecida até então.

Isso acaba gerando também um fato inédito na história brasileira, que foi o afastamento de um comandante do Exército [general Júlio César Arruda] com menos de duas semanas de governo. De certa forma, ficou também arranhada a imagem de que as instituições militares estão ali para garantir a segurança da população brasileira. De uma maneira geral, a população não foi favorável àqueles atos.

Além de isolar o bolsonarismo numa extrema-direita, o episódio tem também consequências judiciais que devem levar à prisão, principalmente, de quem estava nos atos.

Acredito que alguns financiadores menores também e, possivelmente, veremos alguma punição militar – ainda que eu acredite que essa possibilidade deva ser acompanhada de perto. Pelas declarações que têm sido feitas, me parece que vai haver algum tipo de punição aos militares que participaram do processo.

Durante este período, que tipo de narrativas têm se consolidado sobre o episódio dentro e fora do Brasil?

É importante lembrar que, desde então, Bolsonaro não voltou ao Brasil. Recentemente ele deu uma declaração polêmica – e estratégica, né? – indicando que as pessoas que participaram dos atos terroristas foram “injustiçadas”.

Me parece que daqui para frente eles vão começar a comparar o tratamento dado aos terroristas com o dado a outros crimes. Essa é uma narrativa que certamente vai rolar. Nesta linha, os ataques ao STF e ao Alexandre de Moraes, sem nenhuma dúvida, devem continuar.

Existe também um processo que vai para além do dia 8. A eleição do Senado, por exemplo: mesmo com a eleição de [Alexandre] Pacheco, pôs-se ali um candidato bolsonarista [Rogério Marinho] que ocupou a discussão, que apoiou os golpistas, que estava em torno de todo esse processo e que também faz parte dessa grande narrativa, criando novos fatos e ocupando o espaço para mostrar os problemas do governo e os problemas da esquerda.

E aí, é importante também dizer que o governo – o PT – ainda está perdido nessa história. Os esforços para combater narrativas mentirosas ainda estão muito aquém.

Podemos levar aqui em consideração que a estrutura da Secom [Secretaria de Comunicação Social] ainda está sendo montada, os técnicos estão sendo convidados, haverá uma área específica para esse tipo de questão, mas o fato é que esse trabalho ainda não está estruturado.

Existe uma série de problemas que envolvem desde a checagem até a produção e distribuição de conteúdos. A gente está ainda muito dependente, por exemplo, do André Janones, do Felipe Neto e de algumas figuras que também já estão muito marcadas pela própria esquerda e que não furam mais uma bolha.

Diante da centralidade assumida pelas redes na organização do debate político em todo o mundo, o que pode se esperar de mudanças no modo de fazer política e comunicação nesse “novo tempo” ?

Eu não sou um cara muito otimista no sentido de esperar que grandes mudanças venham de dentro do governo. Existem aí questões da máquina burocrática e até do perfil do PT. É bom lembrar que, ainda que a gente tenha essa estrutura de combate às fake news dentro da Secom – que está, hoje, com o Paulo Pimenta, que eu imagino que vá fazer um belo trabalho – o próprio Ministério das Comunicações foi entregue nas mãos de um político [Juscelino Filho] que não é do campo progressista, é do União Brasil.

Eu acredito que as grandes iniciativas e os grandes esforços que chegarão, virão da sociedade civil. E, nesse caso, em parceria com o governo, mas principalmente com o judiciário. Existe hoje uma preocupação muito grande por parte do STF em relação a essas grandes questões.

No meu ponto de vista, há uma maior probabilidade de que os avanços no combate de informações falsas em grande escala venham mais do judiciário do que propriamente da parte burocrática do Executivo.

No Legislativo eu vejo zero possibilidade. Me parece um Legislativo conservador. A base oposicionista na Câmara [dos Deputados] chega a dois quintos da Casa. Essa oposição não vai permitir grandes alterações nesses processos. Então, se a gente tiver grandes alterações elas virão ou da sociedade civil ou do judiciário.

Ainda sobre este “novo tempo”. Quais são, hoje, os principais desafios colocados para os setores progressistas da política e da comunicação? Quais seriam os primeiros passos para “correr atrás do prejuízo”?

Tem uma série de questões que eu acho que a gente pode pautar nesse momento. Primeiro, se conectar aos atores que têm trabalhado neste campo. Existem as agências de fact checking, têm algumas iniciativas de monitoramento, mas o que me parece hoje é que essas estratégias estão um pouco desconectadas. É necessário um esforço para juntar quem checa, quem produz, quem distribui e quem é o público ou segmento.

O segundo ponto desse processo seria a gente capilarizar a estrutura de distribuição. Estabelecer parcerias com influenciadores, com pessoas que estejam na ponta de uma maneira que a imprensa tradicional e a imprensa mais progressista, por exemplo, não estão porque estão bloqueadas e desacreditadas, de fato, pelas estratégias bolsonaristas que foram aplicadas nos últimos tempos.

Como terceiro ponto, é necessário a gente se aprofundar em técnicas de ‘desradicalização’. Existem técnicas com base na psicologia social, com base em técnicas algorítmicas para trazer as pessoas de volta, para tirá-las dali daquela redoma criada pelo bolsonarismo e por essa prática de desinformação que tem se estabelecido no Brasil.

Isso passa por uma necessidade de revisão do sistema educacional, que precisa, de certa maneira, educar a população para que ela entenda como buscar notícias verdadeiras e como identificar notícias falsas. Na Finlândia, por exemplo, desde o Ensino Médio as pessoas são auxiliadas a identificar processos de notícias mentirosas.

Outro ponto importante passa pela capacitação da militância. A gente tem uma militância de esquerda, de maneira geral, com uma faixa etária bem alta. Não estou desqualificando a juventude, que sempre foi muito forte, mas quem está no poder, de fato, são pessoas com uma faixa etária um pouco mais alta e que talvez não entendam bem essa nova dinâmica do digital, dos algoritmos, dessas segmentações e de todo esse processo.

A forma de dialogar já não é mais o diálogo com massas. Na dinâmica do digital, toda hora surge uma tendência nova. Hoje, por exemplo, nós estamos com uma tendência muito grande de vídeos curtos. O Youtube está se tornando um grande buscador, competindo com o Google. A extrema-direita já entendeu isso. A esquerda ainda não.

O “shorts” do Youtube está super forte. Você tem Tik-Tok e Kwai crescendo e você vê o campo progressista fora dessas plataformas. Se você entrar nessas plataformas elas estão extremamente tomadas. A gente ainda está preocupado com Twitter, que é um negócio que já está tomado, consolidado, já foi invadido, já saiu, já levaram para outros lugares…

Enfim, de fato estamos muito atrasados enquanto campo. Os partidos investem muito pouco nisso. Não olham a questão de comunicação como investimento e isso pode custar muito caro para a esquerda nos próximos anos.

Voltando ao 8 de janeiro. Em relação à questão da memória, o que fazer – ou como fazer – para que os ataques sejam, de fato, lembrados e registrados na história nacional como atos terroristas?

Eu estou muito marcado porque acabei de chegar da Argentina, que me parece ser, aqui na América do Sul, o país que tem um dos maiores trabalhos de memória. Também foi o único país onde os militares foram julgados por um tribunal civil. A Argentina faz um trabalho de memória que vem desde a militância, com aqueles “lambes” – aqueles cartazes colados nas ruas –, até grandes centros de memória e documentação. Muito investimento público em memória, em centros, museus, filmes.

A arte, sem nenhuma dúvida, é um caminho que pode ser utilizado, mas não o único. A gente precisa, sim, de monumentos, mas também de ocupar os sistemas de poder e lembrar do que existiu como um ato terrorista e como uma tentativa de golpe de Estado, que é o que de fato foi. Não são baderneiros, são terroristas.

Isso demanda também investimento acadêmico. Eu sinto muita falta – tanto no caso Argentino como aqui – de iniciativas digitais de identificação, divulgação, distribuição desses conteúdos que cuidem da memória de uma maneira mais adequada. Não faltam especialistas no país nesse sentido. Falta investimento.

Neste ponto, vale lembrar o território onde a gente está colocado. A gente acabou de sair de um governo que era um governo extremamente influenciado e controlado por militares. O presidente era um ex-militar. Nas últimas semanas os jornais noticiaram que o ministro da Defesa, [José] Múcio, estava negociando com os militares a não comemoração do golpe do 31 de março.

Conflitos com militares certamente vão acontecer – fazem parte da história do país – e eles podem gerar algum nível de instabilidade democrática como, de fato, geraram no dia 8. Não há nenhuma dúvida da participação direta de militares ali naquele processo. Inclusive na questão dos acampamentos próximos aos quartéis, que não foram retirados.

Apesar de não serem – e temos repetido muito isso – nenhum dos três poderes, mas, sim, submetidos aos poderes institucionais e democráticos, os militares possuem um nível de organização que pode gerar turbulências democráticas. Lembremos, inclusive, que boa parte da crise com o governo Dilma foi em função da criação da Comissão Nacional da Verdade.

Tem muita coisa que pode ser feita em termos de memória no país. Certamente não faltam ações. Passa pelo investimento. Mas precisamos lembrar do contexto histórico e da conjunção de poderes que hoje constitui o Brasil e a fase democrática em que estamos.