INCLUSÃO E ARTE

Criado por usuários da rede de saúde mental, Bloco Império Colonial faz do carnaval uma terapia

Há 12 anos, o bloco carnavalesco é construído por conviventes da Colônia Juliano Moreira, na Taquara, zona Oeste do Rio

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
O bloco é construído e realizado através de uma parceria dos diversos serviços de saúde mental da Colônia e a comunidade vizinha ao Museu Bispo do Rosário - Bloco Império Colonial

“Não se curem além da conta, gente curada demais é chata.” A frase célebre é da psiquiatra Nise da Silveira, grande defensora da arte como forma de tratamento para transtornos mentais. E este é um dos principais objetivos do Bloco Império Colonial, que há 12 anos reúne usuários do Sistema de Saúde Mental da Colônia Juliano Moreira, na Taquara, zona Oeste do Rio de Janeiro e leva a folia para as ruas.

Construído e realizado através de uma parceria dos diversos serviços de saúde mental da Colônia com a comunidade vizinha, o objetivo do bloco carnavalesco é mostrar que a melhor terapia é a alegria e a arte.

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A diretora do Museu, Raquel Fernandes, explica que o carnaval é a “maior manifestação para você ser quem você quiser”. “É onde você pode soltar todas suas loucuras, onde posso fazer que eu sou um rei, sou imperador, sou o pierrot e a colombina [...] Então a gente achou que, nesse sentido, era legal que a gente construísse esse bloco que pudesse trazer essa essência da Colônia”, afirma Fernandes.

O Bloco Império Colonial é uma das ações também do Museu Bispo do Rosário. O local tem este nome em homenagem ao artista plástico brasileiro que passou quase 50 anos de sua vida internado em instituições psiquiátricas, sendo a última delas a Colônia Juliano Moreira. Além do Bloco, o Museu realiza uma série de atividades de integração da saúde, arte e educação como prática do cuidado em saúde mental.

Para Raquel, é importante que todos tenham espaço em uma sociedade que exclui quem é considerado diferente. “Quando você tem voz, pode dar opinião, constrói o samba, diz como vai ser a cor da camisa e qual o tema, isso gera uma relação de pertencimento que é fundamental, então é um bloco que é de todos e construído por todos. Isso faz com que a pessoa sinta que se ele consegue construir essa relação em um bloco de carnaval, no restante da vida também pode ter essa relação de pertencimento com as outras coisas”, explica.


Um dos objetivos é mostrar a importância da luta contra as práticas manicomiais / Bloco Império Colonial

Histórias de vida

Luiz Carlos Marques, tem 49 anos, é artista plástico e mestre da bateria do Bloco Império Colonial. Ele está em tratamento desde sua infância e começou a participar das atividades oferecidas pelo Museu Bispo do Rosário quando tinha 10 anos de idade.

“Tudo que falta é a pessoa acreditar no usuário, se acreditar, apostar nele, com certeza o trabalho cresce, o negócio é a oportunidade, é o coletivo que pode abrir portas para as pessoas poderem chegar nesse espaço. Cada vez que eu me apresento como usuário e mestre de bateria eu estou abrindo as portas para outras pessoas que são usuários também poderem fazer esse trabalho, poderem fazer parte”, conta.

Já Elzi Lopes, de 75 anos, compositora e intérprete do bloco, se identifica como voluntária. Ela conta que estava se sentindo muito triste e ao procurar os serviços de saúde, a aconselharam a se envolver em atividades em grupo, foi então que começou a participar de oficinas no Museu e hoje integra o Bloco Império Colonial.

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“Eu acho que a música para as pessoas que têm problemas mentais é muito bom, eu acho que pra mim que estava ficando com um pouco de problema, foi bom, me libertou de todos os problemas que eu tinha. Então o Bloco é essencial, porque eles cantam, se divertem, eles dançam, para eles é uma alegria. Se pudesse ter música todos os dias, eu acho que pra eles a vida seria uma festa”, diz Elzi.

O também integrante do bloco, Adilson Tiamo, é cineasta, ator e ativista da luta antimanicomial. Atualmente ele é intérprete e compositor, além de fazer parte da equipe da web-rádio Delírio Cultural. Durante sua vida foi internado de forma compulsória e chegou a passar meses em uma solitária.

“A importância do bloco na saúde mental é para nos tirar a tristeza do nosso coração, essa tristeza que rasga o nosso coração, fica sangrando direto, não cicatriza, então a música do bloco que nós fazemos traz alegria para as pessoas e trazendo alegria faz com que a depressão vá embora. A única maneira de tirar a depressão é trazer alegria”, explica.

Para acontecer anualmente, diversas ações para arrecadar verbas são realizadas pelos funcionários dos sistemas de saúde da Colônia. Tudo isso com o objetivo de mostrar a importância da luta contra as práticas manicomiais e a relevância de ações culturais para a ressocialização de pessoas que jamais deveriam ter sido excluídas.

“A função do bloco nos tratamentos mentais é que traz alegria para as pessoas e as pessoas podem se divertir e colocar pra fora tudo aquilo que não quer mais e trazer coisas novas para dentro, porque na vida você precisa ter três coisas: saúde, liberdade e cultura e a cultura que nós temos é nosso Bloco Império Colonial”, finaliza Adilson.

O Bloco Império Colonial é uma prática totalmente diferente de quando a Colônia Juliano Moreira foi criada, na primeira metade do século XX.  Nesta época, as pessoas consideradas diferentes para a sociedade eram internadas compulsoriamente e submetidas à violência e eletrochoques.

Em 2022, a Colônia fechou sua última unidade de internação e segue a batalha para reconstruir essa história através de oficinas de inclusão, serviços de saúde com tratamento humanizado e outras atividades.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Mariana Pitasse