Não são ovnis

"Balões espiões" são "narrativa" dos EUA para justificar gastos militares, diz pesquisador

Acusações de espionagem de ambos os países afastam ensaio de reaproximação diplomática entre EUA e China

São Paulo (SP) |

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O secretário de imprensa do Pentágono, General Pat Ryder, em coletiva de imprensa sobre o suposto balão espião chinês - Kevin Dietsch / Getty Images via AFP

O Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, tinha a data marcada para sua primeira visita a Pequim, na China, mas havia um balão no meio do caminho. A acusação de que um balão espião chinês voava no espaço aéreo estadunidense foi usada como pretexto para cancelar a agenda no início de fevereiro. Desde então, a situação escalou com acusações mútuas e um novo resfriamento na relação entre as duas maiores potências do mundo. 

Os chineses afirmam que o objeto derrubado por um caça F-22 dos EUA era um balão meteorológico que saiu de seu curso esperado, mas a situação não parou por aí. Blinken classificou o episódio como um "ato irresponsável" que violou a soberania dos EUA e congressistas usaram uma suposta demora do presidente Joe Biden em autorizar uma ação militar contra o balão como sinal de fraqueza. 

Pequim, por sua vez, afirmou nesta segunda-feira (14) que balões estadunidenses sobrevoaram o território chinês mais de 10 vezes em 2022. "Os EUA sabem quantos balões de vigilância já enviaram aos céus do mundo. Está bem claro para a comunidade global qual país é o império de espionagem número um do mundo", disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin. 

“O que ocorre é que os EUA, para sustentarem essa disputa com a China precisam ir construindo narrativas, porque são elas que, de alguma forma, justificam perante a opinião pública, o establishment,  Congresso, as medidas que o governo americano adota e justificam os investimentos militares”, diz ao Brasil de Fato o professor de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Luis Paulino. 

O pesquisador destaca que o orçamento militar estadunidense está acima da casa dos R$ 4 trilhões — o Senado aprovou gastos de US$ 858 bilhões para o setor, com aumentos nos repasses para Taiwan e Ucrânia. 

"Isso é dinheiro que de outra forma poderia estar sendo utilizado [para melhorar] as condições de vida do próprio povo americano. E eles justificam esse investimento - que beneficia um determinado segmento da economia americana, esse complexo industrial-militar - criando inimigos, e a China a bola da vez", afirma Paulino. 

A própria Casa Branca admitiu que os três objetos voadores que derrubou com disparos de caças após o primeiro balão chinês apontado como "espião" ser abatido podem ser de uso civil. Os balões podem ser "benignos" e de uso comercial ou científico, alertou o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, embora também tenha destacado que a natureza dos objetos será investigada.

Nas semanas anteriores ao incidente, a Secretaria do Tesouro dos EUA, Janet Yallen, havia encontrado o vice-premiê chinês Liu He no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Foi a primeira interação do primeiro escalão dos dois governos após Biden e o presidente chinês, Xi Jinping, se encontrarem durante reunião do G20 na Indonésia, ainda em 2022. 

Para tentar conter o desenvolvimento chinês, que é apontado pelos EUA como seu maior "desafio geopolítico", a Casa Branca aposta em sanções. O setor de tecnologia avançada dos chineses é alvo de especial atenção, especialmente o de chips, com o governo estadunidense proibindo suas empresas de vender produtos para companhias do setor na China. 

Além da competição pelo predomínio tecnológico, há um sentimento anti-China nos Estados Unidos. De acordo com pesquisa de opinião da Gallup, 79% da população dos EUA tem uma visão desfavorável da China. Além disso, 49% dos estadunidenses acreditam que a China é o "maior inimigo" de seu país, contra 32% que colocam a Rússia nesse local e 6%, a Coreia do Norte.

Para o professor da Unesp Luis Paulino, há uma "certa angústia" nos Estados Unidos pela situação de codependência econômica com os chineses ao mesmo tempo em que as autoridades da Casa Branca não confiam na China. 

Apesar do "conflito crescente" entre as duas maiores economias do mundo, Paulino afirma não acreditar que a analogia com a Guerra Fria, a disputa entre EUA e URSS que moldou boa parte do Século 20, não é precisa por não termos dois modos de produção em competição pela hegemonia global. 

"O termo 'Guerra Fria' talvez não seja o mais apropriado porque ele faz referência a outro contexto de disputa entre URSS e EUA onde você tinha dois sistemas praticamente estanques. Hoje você tem essa situação de codependência mútua", diz o professor da Unesp.

Edição: Rodrigo Durão Coelho