Tragédia humanitária

Garimpo, água contaminada e ultraprocessados estão na raiz da desnutrição de crianças Yanomami

Estudo da Fiocruz mostra peso de questões sociais como obstáculo para solução do problema

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

Ouça o áudio:

Bebê Yanomami recebe atendimento em hospital de campanha montado pela FAB em Boa Vista (RR) - ©Michael Dantas / AFP

Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) indica que a desnutrição entre crianças Yanomami não é um problema recente. A questão tem bases históricas e já era crítica nos primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro (PL).  

Entre 2018 e 2019, o estudo avaliou 350 crianças com menos de 5 anos. Foram medidos peso e tamanho, feitos exames para medir níveis de anticorpos e as famílias foram entrevistadas. A intenção da equipe da Fiocruz era ter informações também sobre a situação do domicílio, o acesso a água potável, banheiro, coleta e tratamento de lixo.  

:: Exclusivo: Forças Armadas seguem ignorando pedido de ajuda para entregar alimentos aos Yanomami ::

Em 80% das crianças foi identificado déficit de estatura para a idade. Metade delas estava abaixo do peso por desnutrição aguda e 70% tinham anemia. O levantamento se concentrou em duas regiões da terra Yanomami: Awaris, no extremo norte de Roraima, e Maturacá, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.  

A professora-pesquisadora da Escola Politécnica da Fiocruz, Ana Claudia Santiago, que participou da pesquisa, explica que até os seis meses de idade, as crianças apresentaram desenvolvimento apropriado. O problema começa quando a dieta passa a não ser formada apenas pelo aleitamento materno. 

::Saiba como ajudar os indígenas Yanomami::

“A criança mama no peito da mãe o tempo todo e isso também a distancia do contato com o chão e com a terra. Ela está protegida no colo da mãe. Nesse contexto ela cresce normalmente. Quando ela vai para o chão, começa a ter contato com outros alimentos, beber água e a ter quadros de diarreia sistemáticos.” 

Os quadros recorrentes criam cenários de desnutrição e perda de peso, agravados pela água contaminada e pela falta de saneamento, fatores determinantes para o cenário atual. 

Ana Claudia Santiago cita um estudo deste ano que avalia a qualidade da água na região, realizado por pares da Fiocruz. Segundo ela, os resultados preliminares já apontam grande concentração de coliformes fecais nos igarapés e rios. 

A falta de alimentos de qualidade completa a equação perversa.  

“Também tem a fome. Combinado a isso, temos mudanças nos hábitos alimentares. Era uma população que comia peixe, mandioca, outros alimentos cultivados na roça. Hoje, por conta da proximidade com a população, existem outros alimentos circulando ali. Biscoitos, refrigerantes. Então, você vê uma criança que não tem acesso à comida saudável matando a fome com um biscoito que não tem nenhum valor nutricional. Isso tem a ver com a proximidade com o garimpeiro, que mudou a dieta desse povo.” 

::Governo tenta barrar doação de ultraprocessados aos Yanomami::

A pesquisadora ressalta que a presença do garimpo ilegal na região não é nova e leva mazelas ao povo Yanomami desde a década de 1970. No últimos quatro anos, no entanto, a atividade se intensificou de uma forma inédita.  

“Essa proliferação da atividade provocou problemas que, até então, também eram inéditos. O território destruído por conta do garimpo aumentou muitíssimo. Não temos dúvida de que que os últimos quatro anos foram decisivos, foram muito importantes para que a situação ficasse do jeito que ficou.” 

Como desdobramento da pesquisa, as equipes da Fiocruz trabalham agora para criar sistemas de abastecimento de água potável na região, com a comunidade envolvida no processo.  

Edição: Rodrigo Durão Coelho