Vai ter aumento

“Vitória”: universitários comemoram reajuste nas bolsas de pesquisa e preparam avanço da pauta

Segmento lutava por aumento nos valores desde 2013; ANPG aponta para busca por direitos trabalhistas e previdenciários

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Universidades públicas desenvolvem pesquisas nas mais diversas áreas, desde trabalhos de campo até atividades em laboratórios - Coordcom/UFRJ

 

Estudantes, pesquisadores e entidades que reúnem membros da comunidade acadêmica receberam com alívio o anúncio do reajuste nas bolsas de pesquisa no país. Feito pelo governo federal oficialmente na quinta-feira (16), o comunicado sobre o aumento encerra um ciclo de dez anos em que os valores não eram alterados. A novidade é interpretada pelo segmento como um resultado da luta pela valorização da ciência, que mobilizou a energia política da categoria de forma mais evidente nos últimos anos, em meio ao desmonte promovido pela gestão Bolsonaro.  

O anúncio do reajuste mexeu com as emoções da pesquisadora Cícera Viana, que faz doutorado em Física na Universidade de Brasília (UnB) e recebe uma bolsa de R$ 2.200 desde novembro. O valor será reajustado em 40%, ficando em R$ 3.100 a partir de março. Cícera ingressou no doutorado em 2022 e depois de ter enfrentado dificuldades no mestrado, curso anterior, que frequentou sem receber bolsa durante parte do tempo.

“No início do mestrado, fiquei um ano sem bolsa. Foi logo no início do governo anterior e ele cortou muitas verbas, muitas bolsas, e acabei ficando um ano sem receber, sobrevivendo com a ajuda de amigos, da família. Foi uma luta, mas até hoje estou aqui, permaneci. 

"Neste momento, com o governo sinalizando o reajuste, que está aberto para novas propostas, isso me dá um calor e uma esperança de que as coisas vão melhorar, de que a gente vai voltar a acreditar na ciência,” conta a estudante, que participou da cerimônia do anúncio para contar um pouco da própria história.


Pesquisadora Cícera Viana, da UnB, durante participação em cerimônia no Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert/PR

“Em Teresina, cresci em um bairro que é um dos mais pobres e já foi considerado uma das maiores favelas da América Latina. Como nordestina, conheci as dores e delícias de um ensino público por vezes sucateado, da infância à fase adulta, mas nunca faltou esperança”, disse na ocasião.

Ciclo

A mudança anunciada pelo governo federal vai impactar também quem ainda não ingressou na universidade. As 53 mil bolsas hoje distribuídas na iniciação científica do ensino médio vão passar de R$ 100 para R$ 300 mensais, enquanto, na graduação do ensino superior, elas devem saltar de R$ 400 para R$ 700. Parte das bolsas extintas nos últimos anos também será reposta. No mestrado, eram 58,6 mil em 2015 e o contingente caiu para 48,7 mil no ano passado, uma queda de cerca de 17%. Serão ofertadas agora 53,6 mil.  

A professora Helena Martins, do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), acredita que a mudança poderá impulsionar um maior interesse dos acadêmicos pelo universo da pesquisa.  

“Temos perdido estudantes e visto muitas trajetórias potentes serem interrompidas. Desde a graduação, muitas chamadas de bolsas de monitoria e iniciação científica recebem poucas inscrições, porque os estudantes precisam não só sobreviver, mas inclusive ajudar em casa. Como os R$ 400 que vinham recebendo não possibilitava nada disso, eles acabam precocemente adentrando o mercado de trabalho”, conta.

A professora destaca que o problema repercute também na pós-graduação, com um ciclo de desestímulo entre os pesquisadores: “As pessoas têm que acumular trabalho e mestrado ou doutorado, o que diminui a qualidade das pesquisas, pois não há condições de se dedicar exclusivamente a elas. Além disso, a sobrecarga também gera adoecimento ou mesmo inviabiliza a permanência, especialmente no caso das mulheres, que já acumulam outras jornadas de trabalho não pago. Ainda é insuficiente [o reajuste atual], mas comemoremos nossas vitórias”.


No final de 2022, governo Bolsonaro cortou R$ 244 milhões de orçamento das universidades públicas; UnB perdeu R$ 2 milhões / Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

O estudante de graduação Marcelo Acácio frequenta o curso de Economia na UnB e está entre aqueles que já se sentem mais estimulados a investir no universo da pesquisa. Ele conta que irá tentar uma bolsa no próximo semestre e que a novidade do reajuste “empolga” os estudantes.

“Não só a mim, mas também para toda a comunidade estudantil porque também, no período de pandemia e pós-pandemia, a universidade criou um sistema de controle pra ofertar as bolsas pros estudantes, ficando tudo muito mais rígido pra contemplar apenas quem tinha muito mais necessidade. Agora eu entendo que, com essas mudanças, as oportunidades se ampliam pros estudantes.”  

Números

Em linhas gerais, o reajuste a ser aplicado pelo governo federal será de 40% para bolsas de mestrado e doutorado e de 25% para as de pós-doutorado. A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) vinha demandando correção de 75% para que os pesquisadores pudessem recuperar o poder de compra que tinham em 2013, quando deixaram de receber aumentos. O segmento viveu, especialmente nos últimos anos, um cenário marcado por cortes no orçamento e atraso nos pagamentos dos valores.

“A nossa avaliação é de que [o aumento de] 40% é importante depois de dez anos. E nós reconhecemos também que estamos há apenas 45 dias de um novo governo ”, pondera o diretor de comunicação da entidade, Rarikan Heven.  

Ele acrescenta que a organização pretende manter no foco a questão da valorização dos pesquisadores e que por isso seguirá em diálogo com o governo federal para batalhar por outro reajuste no futuro.

“Claro que esses 40% são muito bons, estamos felizes, mas ainda não é o suficiente, até porque nós, da pós-graduação, assinamos um contrato de total exclusividade com o governo e não podemos exercer outras profissões. Essa é a nossa profissão”, afirma, ao lembrar que a categoria é formalmente impedida de ter outras fontes de renda.

Por essa razão, o presidente da ANPG aponta que a entidade irá batalhar por uma política de reajustes periódicos nos valores das bolsas. “É para que a gente não tenha que fazer a luta política ano a ano e não tenha que deixar as bolsas à mercê da vontade política de governo ‘A’ ou governo ‘B’ porque, se a gente pegar um governo que não é pró-ciência, pode ser que a gente passe mais anos sem reajuste”, argumenta Vinicius Soares.

Também está no horizonte da categoria a busca por direitos trabalhistas e previdenciários.

“A gente quer debater e apresentar uma formulação pra contemplar os pós-graduandos porque acreditamos que eles são, de fato, trabalhadores do desenvolvimento nacional, da ciência. Se você observar, a gente tem um contrato precarizado, já que tem um contrato com as agências de fomento pra receber a bolsa, mas não tem cestas básicas de direitos."

"Nós não temos direito a férias, décimo terceiro, não temos direito sequer a contar esse tempo [de trabalho em pesquisas] como tempo para a nossa Previdência. A gente quer avançar, então, nesses próximos passos."

Edição: Rodrigo Durão Coelho