ECONOMIA

Banco Central e o superministro Campos Neto: a granada neoliberal no colo de Lula

O superministro Campos Neto, economicamente falando, é defensor do neoliberalismo, e politicamente é bolsonarista

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central do Brasil foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro - Foto: Agência Brasil

O Banco Central exerce a função de autoridade monetária atuando na elaboração e na gestão das políticas monetária e cambial, na regulação e supervisão do sistema financeiro e na administração do sistema de pagamentos e do meio circulante. Seu compromisso é o de "assegurar a estabilidade do poder de compra da moeda e a solidez do sistema financeiro nacional".

Os que advogam a favor da independência do Banco Central em relação ao governo eleito, esperam com isso que o Banco Central, a partir de critérios estritamente técnicos e dos instrumentos de que dispõe, contenha as tendências dos governos e dos parlamentos a aumentarem os gastos públicos e a consequente emissão de moedas.

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Há dois problemas graves na tese. O primeiro é que o presidente do Banco Central, que não foi eleito por ninguém, se transforma em super-ministro, possuindo em alguns casos poderes maiores que parlamento, que o ministro da fazenda e que o próprio presidente da república, uma vez que comanda a política monetária, as taxas de juros e as negociações da dívida externa. Agindo em desalinho com a política econômica do poder executivo, o presidente do Banco Central tem o poder de inviabilizar o governo.

O segundo equívoco é o de imaginar que o tal superministro, presidente do Banco Central decidiria por “critérios estritamente técnicos”. Tal concepção, positivista em sua origem, supõe a existência de técnicas desvinculadas das teorias e das ideologias políticas. Porém, as teorias, tal e qual as ideologias políticas, são visões de mundo; são formas de ver, de compreender e de interferir na realidade, sendo elas as fontes das quais as técnicas nascem.

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Então, assim como qualquer outro ser humano que toma a suas decisões cotidianas a partir de suas convicções, quando o presidente do Banco Central decide por uma ou outra política cambial ou financeira, a sua análise e escolha partiram dos paradigmas teóricos e ideológicos que o norteiam. 


Guedes (à esq.), Bolsonaro e Campos Neto (à direita) / Foto: Marcos Corrêa/PR

Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central do Brasil foi indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e ficará na presidência do BC até 31 de dezembro de 2024. Ele é o primeiro presidente do BC independente, sendo que, em tese, seu mandato não poderá ser revogado pelo novo presidente, no caso, Lula.

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O superministro Campos Neto, economicamente falando, é defensor do neoliberalismo, que é uma ideologia que propaga a ideia de que o Estado deve ter a mínima influência sobre os fatores econômicos o que deixaria o mercado com a máxima liberdade. Desse modo o Estado deveria abster-se de, por exemplo, regulamentar o salário mínimo, sendo o valor de tal salário deveria variar em função da oferta e da procura, ou seja, do mercado.

Ora, pensamento econômico do presidente do BC é exatamente oposto ao que defende o governo eleito. Ao contrário dos neoliberais, o governo Lula acredita que o Estado deve regular e ser indutor da atividade econômica, promotor do emprego e da renda e também da distribuição menos desigual das riquezas nacionais. Mesmo se agisse tecnicamente, a teoria econômica do presidente do BC o coloca em colisão com a política econômica do executivo.

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BC errou ou manipulou para favorecer Bolsonaro?

Além de agir na contramão do governo Lula, Campos Neto guarda ainda em seu currículo a sua aproximação ao extremismo ideológico bolsonarista, o que também desqualifica qualquer argumento que sugira a neutralidade técnica de sua parte. Aliás, é muito difícil de acreditar em um “técnico” presidente do Banco Central que teve de passar o ridículo de informar a sociedade de que o Banco havia “errado” gravemente suas estatísticas sobre o fluxo cambial da economia brasileira em 2021 e 2022.

O fluxo cambial mede os dólares que entram e saem do país em operações de comércio exterior, investimentos ou mesmo para compra e venda de reservas. O órgão informava um saldo de entrada (positivo) de US$ 9,5 bilhões no país em 2022. Após a revisão dos dados, o BC verificou um saldo negativo de fluxo de capital de US$ 3,2 bilhões, em menor escala, o mesmo “erro” ocorreu em 2021.

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Considerando que o super-ministro Campos Neto deveria agir tecnicamente e independente do governo que o indicou, no caso o de Bolsonaro, suspeita-se que não houve “erro” de cálculos. Os números são muito grandes para erros, o que houve foi uma ação deliberada de maquiar resultados econômicos para favorecer a eleição daquele que levou Campos Neto a ir votar vestido com a camisa da Seleção Brasileira. Se fosse erro, pelo volume, teríamos motivo para seu impedimento.

Presidente do BC é bolsonarista

O comprometimento ideológico de Campos Neto com a seita bolsonarista é profundo. O fato de o Banco Central, sob sua presidência ter ignorando a lei de acesso à informação e comprado 129 toneladas de ouro, o coloca no centro da crise do garimpo ilegal de ouro nas terras yanomami.

Sua situação ficou ainda mais insustentável no posto quando foi fotografado o celular de Campos Neto aberto justamente na conversa do grupo de WhatsApp intitulado “Ministros de Bolsonaro”. Isso no dia 11 de janeiro de 2023, apenas 3 dias após alguns dos outros ministros presentes no tal grupo, como Anderson Torres, por exemplo, ser acusado de fomentar e facilitar os atos terroristas em Brasília no dia 8 de janeiro.

Assim como a proposta de suspender por dois anos os reajustes salariais de servidores públicos foi uma “granada” colocada pelo governo “no bolso do inimigo”, como afirmou Paulo Guedes, a independência do Banco Central imposta aos brasileiros foi uma bomba instalada para implodir o governo de Lula. E, Campos Neto não passa de um avatar do governo derrotado incumbido de acionar o detonador.

* Dimas Antonio de Souza é professor de Ciência Política do Instituto de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

** Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Elis Almeida