ARTE E CULTURA

Artistas falam sobre o novo espaço coletivo de Porto Alegre (RS): a Zona Cultural

Espaço autogerido por artistas irá proporcionar um ambiente de educação, arte, celebração e cultura

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Projeto do Zona Cultural, que inaugura neste dia 8 de março com a peça "Cabaré da Mulher Braba", da Cia. Rústica - Arte: Rodrigo Shalako

Porto Alegre terá um novo espaço voltado para as atividades culturais e a arte: a Zona Cultural. O local será totalmente administrada por um grupo de artistas gaúchos, mantido, até o momento, sem nenhum tipo de financiamento público ou privado.

Localizado na Avenida Alberto Bins, 900, no Centro Histórico, o espaço tem cerca de 500 metros quadrados, com estrutura para espetáculos, oficinas, shows e eventos, além de camarins, bar, banheiros e depósito. A inauguração será no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, estreando um novo espetáculo, "Cabaré da Mulher Braba", da Cia. Rústica.

Em uma entrevista exclusiva ao Brasil de Fato RS, a diretora Patrícia Fagundes e o ator Heinz Limaverde falam sobre os detalhes do projeto e os principais desafios da construção desse novo espaço.

Brasil de Fato RS - Vocês, literalmente, estão criando um novo espaço cultural com ideias e as próprias mãos? 

Heinz Limaverde - Sim. Mais uma vez, estou envolvido com um coletivo de profissionais das Artes Cênicas, que sonham e realizam um espaço de trabalho onde possamos viver, compartilhar e celebrar arte.

Em outros momentos, cheguei com o projeto em andamento. Dessa vez, estamos juntos desde o planejamento, produção até a abertura das portas. E, quando falo em produção coletivo da Zona, se faz de tudo: marcenaria, pintura, figurinos, limpeza, criação dos espetáculos, administração do bar, e atendimento ao público. Muitas mãos construindo a nossa Zona Cultural.

Patrícia Fagundes - É uma iniciativa independente, que se faz possível a partir da associação entre diversas pessoas, em modo de rede, colaboração, parcerias, sonho compartilhado. Não temos nenhum apoio institucional até o momento. Alugamos o imóvel, ou seja, teremos custos mensais de aluguel, IPTU, luz, água, internet, segurança, etc e etc.

Para fazer deste lugar um espaço cultural, reunimos recursos entre nós, de grana e trabalho, e estamos investindo em um projeto que vai além de nós. Zona Cultural é um espaço para Porto Alegre, para artistas e público, para fazer aulas, para conviver e celebrar arte, educação e cultura. 


Patrícia é encenadora, artista da cena, professora, produtora, pesquisadora, dramaturgista, mãe; Heinz é ator, professor, palhaço, drag queen e o que for possível na cena / Foto: Divulgação

BdF RS - Zona Cultural surge a partir de um sonho gerado por artistas ou pela necessidade criada pela carência de espaços culturais em Porto Alegre? Ou as duas coisas? 

Heinz - As duas coisas. Passamos por um período complicado recentemente com a escassez de trabalho com a pandemia da covid.

Mas, antes, já tínhamos dificuldade para encontrar espaços para realizar os nossos projetos. Isso, com certeza, despertou em nós a necessidade ter um espaço próprio, que vamos compartilhar com os grupos e artistas locais e de todo o estado.

Patrícia - Sabemos que, nos últimos anos, os espaços para a criação, o convívio e o prazer artístico se tornam cada vez mais limitados. Porto Alegre tem sido uma cidade onde se fecham teatros e a privatização do que é público avança de modo assustador.

Então sim, por um lado o projeto Zona Cultural nasce como reação a este contexto, como resposta artística, política, ética e criativa ao estado das coisas. E é uma resposta cheia de sonho. Olha que loucura abrir este espaço com recursos escassos, na parceria e na fé, sem garantias, com amor e coragem. Mas, como dizia Rosa, o que a vida quer da gente é coragem! Então embarcamos nesta aventura. 

BdF RS - Vocês também definiram essa iniciativa como um ato político. Nos dias atuais, mais do que nunca, produzir cultura é tornar-se um ator político?

Heinz - Com certeza. O período que a classe artística brasileira viveu recentemente com a extinção do Ministério da Cultura e o desmonte dos órgãos públicos ligados à arte foi importante para despertar no nosso coletivo. O sonho de ter um espaço de convivência e resistência. Viver de arte e produzir arte no nosso país sempre foi, e acredito que sempre será, um ato político.

Patrícia - A cultura é produzida de muitas formas, por muita gente, em todo lugar. Gente é cultura viva. Trabalhar com cultura e arte, ser profissional nestes campos, no âmbito de nossas pequenas produções, é uma ação política cheia de sentidos. 

Habitamos circuitos de produção “menores”, fora do esquema dos grandes teatros e festivais internacionais, que articulam modos de organização econômica e social também desviantes, em suas práticas cooperativas e colaborativas, que muitas vezes se estruturam em coletivos criativos que indicam o desejo político de outras realidades.

Penso que não há como imaginar outros futuros artísticos no sul do mundo sem considerar essa cena viva e múltipla, que também acontece em escolas, centro comunitários, ruas, bares, boates, lugares periféricos, fora dos holofotes e infiltrada no tecido social. 

BdF RS - O nome do espaço se refere a uma zona de encontro de artistas de vários grupos e correntes diversas? É dessa forma que o centro cultural será gerenciado?

Patrícia - Sim, queremos celebrar nossos espaços de encontro, inventar nossa Zona, reunir pessoas. Estamos inclusive inventando modos de gerenciamento que contemplem nossos modos de organização, nossa lógica de fazer cênico.

É interessante observar que a linguagem utilizada pelo campo da economia criativa se vale de vários termos e estruturas das artes cênicas (como colaboração, por exemplo). Mas pouco nos apropriamos das possibilidades de geração de renda da economia criativa.

Como artistas podem produzir arte, sem deixarmos de ser artistas, encontrando meios próprios, e nos apropriando de nossos próprios meios de produção? Como podemos viabilizar uma rede de colaboração que mantenha o espaço ativo e sustentável? Acho que a Zona Cultural pode ser um laboratório de experiências neste sentido também. 

Heinz - A Zona Cultural é um espaço de encontros artísticos, de realização artística plural. Com profissionais da arte com caminhadas diferentes, mas que, nesse momento, se encontram em um ponto para gerir muitas possibilidades de viver arte.


A Cia. Rústica irá lançar um espetáculo inédito: "Cabaré da Mulher Braba", com direção de Patrícia Fagundes / Foto: Adriana Marchiori

BdF RS - A Zona Cultural vai ser inaugurada com um espetáculo que homenageia a tradição do cabaré, muitas vezes marginalizada ou mal-interpretada. A proposta é oferecer atrações diferentes e que não encontram espaço em outros centros culturais?

Patrícia - O cabaré é uma referencia da Cia Rústica e da própria cena contemporânea. Um modelo múltiplo que celebra a diversidade, o coletivo, o afeto, a mistura, a liberdade; que evoca modos de um pensamento não dissociado do corpo, que sugere políticas amorosas de produzir em colaboração, práticas desviantes que buscam viabilizar o improvável.

Ainda que sua origem remonte à Europa do século XIX, o cabaré assumiu seus próprios movimentos em terras sul-americanas, como tantas outras referências europeias canibalizadas e transformadas pela fantástica máquina popular de apropriação e invenção que compõe nossa cultura. Cabaré é mistura, festividade e diversidade.

Nossa ideia é expandir essa perspectiva ao próprio espaço, fazendo rede com artistas e coletivos de diferentes linguagens, das artes cênicas e de outras artes, somando forças e possibilidades através de associações e parcerias. 

Sendo um espaço independente, podemos imaginar diferentes formatos para múltiplos projetos: vivências imersivas, programações temáticas especiais, jornadas, temporadas, apresentações pontuais, encontros, ocupações simultâneas ou específicas, e outras invenções. Estamos abertos para conversar e inventar. 

Heinz - Acredito que é através do projeto Cabarés do Sul do Mundo que vamos apresentar ao público que já nos conhece e a um novo público o que é a Zona Cultural.

BdF RS - Qual será o maior desafio para manter essa Zona Cultural viva e pulsante?

Heinz - O nosso maior desafio para manter o Zona Cultural pulsante na nossa cidade são os mesmos desafios que sempre tivemos para viver de arte.

É importante manter o espaço com as finanças equilibradas, uma programação variada e que desperte o interesse do público local, e o apoio dos amigos, colaboradores e os financiamentos das iniciativas públicas e privadas.

Patrícia - Há tantos desafios como os que enfrentamos diariamente para fazer arte na cidade. Se ampliam na dimensão do próprio projeto, que foi crescendo no processo de concretização. Precisamos de verbas, de apoios institucionais, do entendimento geral sobre os custos desta empreitada, de colaborações e associações. 

Além de nossos investimentos financeiros pessoais, a equipe de gestão está trabalhando sem remuneração. O objetivo é ter uma estrutura que permita o pagamento deste trabalho, que, aliás, é intenso e imenso. O desafio, acho, é fortalecer a rede, de artistas, de instituições, de colaborações, de modo a garantir a sustentabilidade de um espaço que é para a cidade. 

Ideias artísticas, projetos e criações de qualidade nós temos. Porto Alegre é uma cidade cheia de artistas vibrantes e brilhantes, não nos falta inspiração ou capacidade. O que nos falta é estrutura concreta, apoio econômico, investimento em nosso qualificado potencial.


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Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Marcelo Ferreira