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Padilha: 'O tempo em que um presidente da República dizia que fuzilaria a oposição acabou'

Exclusivo: ministro de Relações Institucionais fala sobre a relação com o Congresso e dos 60 primeiros dias do governo

São Paulo | SP |

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"Tenho escutado dos parlamentares que eles passaram quatro anos sem pisar no Palácio do Planalto, sem articulação com o governo" - Ricardo Stuckert / Instituto Lula

Apagando incêndios desde o dia 8 de janeiro deste ano, quando o país sofreu uma tentativa de golpe de Estado, o ministro de Relações Institucionais Alexandre Padilha recebeu o Brasil de Fato em seu gabinete, ainda improvisado na sede da Caixa Econômica Federal, em São Paulo. O encontro aconteceu entre duas reuniões com futuros membros do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A volta do colegiado é uma das apostas de Padilha para trazer soluções para o país, afundado em uma crise política e econômica, após quatro anos de governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A outra aposta é no diálogo. Conhecido como conciliador e bom de papo, o ministro pretende costurar as relações com a oposição para emplacar o projeto de Lula para o país.

"A nossa postura é de respeito com os partidos de oposição. O tempo em que um presidente dizia que ia fuzilar a oposição acabou. Eu acredito sinceramente que em alguns temas teremos votos de parlamentares de partidos de oposição", afirmou Padilha, que deixou evidente que não pretende estender a boa relação aos bolsonaristas e elencou as prioridades do primeiro semestre do governo.

"Eu sinto um clima de isolamento do chamado bolsonarismo raiz no Congresso, especialmente aqueles que apoiaram os atos de 8 de janeiro. Sobre o número da votação no painel, eu acredito que vai depender dos temas. Dentro daquilo que é central para o governo, que é a Reforma Tributária e o novo Marco Fiscal, temos uma grande possibilidade de aprovação com uma boa margem para o governo", celebrou o ministro.

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: Ministro, qual o balanço que o senhor faz desses 60 primeiros dias do governo? O que merece seu destaque?

Alexandre Padilha: Este governo já fica para a história por causa do golpe de Estado que estancamos nesse país no dia 8 de janeiro. Participei ativamente disso porque estava em Brasília no início das primeiras manifestações e ataques terroristas. Fui ao gabinete do ministro Flávio Dino, da Justiça, de onde conduzimos toda a ação em contato com o presidente Lula, o Advogado-Geral da União, com o Congresso Nacional, a Suprema Corte do país e governadores para uma ação conjunta.

Estancamos um golpe que estava orquestrado e o fato de termos feito isso foi muito importante para a política e as relações institucionais. Isso foi superado com uma reunião com 27 governadores de todos os partidos e entidades dos municípios que ocorreu no dia seguinte e uma série de ações em diversas esferas do poder e, mais importante, fizemos isso sem deixar nenhuma vítima fatal. Esse governo já ficará na história do nosso país. Este governo já está escrito na história do país.

Um dia em que terroristas invadiram a Suprema Corte do país, o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e eu posso dizer, porque estava lá na operação no momento em que invadiram os três prédios: havia centenas de ônibus a caminho de Brasília e pelas informações que obtivemos nas redes sociais, as pessoas estavam se referindo à invasão como a "festa da Selma". Eles planejaram sair à noite de Campinas, Ribeirão Preto e outras cidades de Minas Gerais para ir a Brasília. Se não tivéssemos feito uma intervenção federal cirúrgica naquele momento, talvez não pudéssemos estar aqui hoje. O presidente Lula, com sua liderança política e credibilidade internacional, tomou as ações necessárias de segurança pública para proteger o país.

Neste período, também, o Brasil se reposicionou no mundo e eu diria que voltou a disputar a Copa do Mundo da política internacional. Logo no primeiro dia de trabalho, em 2 de janeiro, o presidente Lula recebeu mais líderes internacionais do que Bolsonaro recebeu em seus quatro anos de governo. Desde então, o Brasil tem tido um papel muito importante na cúpula de líderes da América Latina e na visita aos Estados Unidos. Houve, também, uma visita do chanceler da Alemanha, principal economia europeia, e agora está indo para a China, no final de março. Em abril, no marco da revolução dos Cravos, haverá um importante evento que envolve a comunidade de língua portuguesa, o que demonstra que o Brasil se reposicionou e está disputando a liderança na política internacional.

Além disso, é importante destacar que a maioria da população voltou a ter voz no orçamento. Já durante a transição, fizemos uma mudança na Constituição para garantir recursos para programas como Minha Casa Minha Vida e Farmácia Popular, além de retomar os recursos para a saúde. Em apenas 60 dias de governo, já conseguimos relançar o Minha Casa Minha Vida e o presidente Lula já inaugurou novos projetos habitacionais. Além disso, estamos investindo mais de 20 bilhões em estradas este ano, que é mais do que Bolsonaro investiu em quatro anos no setor. Também retomamos a campanha de vacinação no país.

Outras conquistas incluem o aumento das bolsas de pesquisa da Capes para estudantes, algo que não acontecia desde 2015, o aumento do salário-mínimo e a decisão de aumentar o patamar de isenção no imposto de renda para quem ganha até R$ 2.640, o que não acontecia desde 2015.

E agora estamos em março. Na minha opinião, este é um mês em que as mulheres estão no centro da política com uma série de ações para proteção, inclusão, do combate à fome e redução das desigualdades de gênero. O governo parece que adotou o tema da Campanha da Fraternidade deste ano, que é o combate à fome. Em março, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea) foi recriado e um novo programa Bolsa Família foi lançado. Além disso, o programa de aquisição de alimentos será retomado e os recursos destinados à alimentação escolar serão aumentados. É possível dizer que, nestes 60 dias, superamos um golpe que estava orquestrado nesse país, voltamos a fazer parte da política internacional e trouxemos o povo para o centro da política novamente.

Percebo que a sociedade e parte da opinião pública está mais sensível ao momento atual do país e faz eco com o que o governo tem dito sobre pacificação das relações e busca por pontos comuns para o próximo ciclo. Você acredita que o novo Congresso também terá esse mesmo empenho e espírito?

Eu tenho certeza que sim, porque o Congresso sentiu a necessidade de se empenhar. O que aconteceu quando o Congresso Nacional e a Suprema Corte quando você passa pano para atitudes terroristas e antidemocráticas? Tenho absoluta certeza disso e acredito que aqueles que não defendem essa postura estão isolados no Congresso. Eles podem fazer discursos mais estridentes, ocupar a tribuna e tentar criar polêmica nas redes sociais, mas na hora do voto (no plenário) e da postura política, acredito que o Congresso entendeu a necessidade de retomar o ambiente político do país, esse clima está estabelecido.

Eu brinco que o Ministério das Relações Institucionais parece um pronto-socorro, tem uma fila enorme na frente. Lá, trabalhamos até 23h, 0h, 1h da manhã. Tenho escutado dos parlamentares que eles passaram quatro anos sem pisar no Palácio do Planalto, sem articulação com o governo. Eles falam que durante quatro anos nenhum governador teve uma reunião como a que tivemos no Palácio do Planalto com o governo federal. Eu mesmo tenho feito encontros com prefeitos em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais para discutir projetos como o Minha Casa, Minha Vida e a retomada de obras de moradia popular. Todos estão falando que o diálogo voltou, o que não acontecia antes. Acredito que no Congresso há condições para isolar qualquer atitude antidemocrática ou apoio ao bolsonarismo e criar um ambiente mais positivo para o país.

Até por força das alianças que foram feitas para que fosse possível a eleição do presidente Lula, o governo é muito amplo e tem diversas forças políticas ali. Nós vimos nesta semana um incidente de desencontro de intenções dentro do governo. O ministro de Minas e Energia tem sido acusado de estelionato eleitoral nesta história com a Petrobras na nomeação dos conselhos da empresa. O que você acha que vai acontecer? Pode de alguma forma atingir o governo? E a Petrobras, o que você acha que vai acontecer?

Primeiro, eu acho que precisa ficar muito claro isso. Os nomes dos conselheiros encaminhados pelo ministro de Minas e Energia da Petrobras foram definidos em comum acordo entre o ministro de Minas e Energia, o ministro da Casa Civil, que coordena o governo, e o presidente da Petrobras. Qualquer pessoa que está falando algo diferente está mentindo. Foi uma definição conjunta dos três, uma escolha de quem pode contribuir de forma equilibrada para os papéis que a Petrobras tem no Conselho. Acredito que a composição seja equilibrada, com conselheiros e conselheiras que podem ter visões diferentes e isso, às vezes, pode ser positivo, mas o que é concreto é que a decisão foi conjunta entre os ministros e o presidente da Petrobras.

Além disso, há uma posição firme do governo, sob liderança do presidente Lula, de cumprir aquilo que foi dito na campanha eleitoral. O presidente Lula quer pintar de verde e amarelo a política de preços da Petrobras, e isso foi dito na campanha. É inadmissível que a Petrobras, um país produtor de petróleo, estabelecer seu preço para o cidadão a partir apenas de parâmetros internacionais. Um país que produz petróleo tem margem para construir um preço que tem a ver com a economia do país e não precisa ficar atrelado ao que é praticado no mundo. O presidente Lula vai fazer isso. Eu tenho confiança de que o novo presidente da Petrobras vai apresentar uma proposta de definição de preço. Tenho certeza de que o ministro de Minas e Energia, que encaminhou os membros do conselho da Petrobras, e todos os conselheiros que representam o governo vão defender a posição do governo, porque eles estão lá representando uma construção feita pelo ministro da Casa Civil, o ministro de Minas e energia e o presidente da Petrobras.

Algum mal estar por ter um nome ligado ao Paulo Guedes?

Assessor de quem? Começam a fazer definições sobre a história das pessoas que não existem. Nenhuma. São conselheiros do governo e como conselheiros do governo irão cumprir a política defendida pelo governo. Essa política é definida pelo governo, que é coordenado pela Casa Civil, pelo Ministério da Fazenda, pelos outros ministérios envolvidos e pelo presidente da República. A Petrobras é a segunda empresa no mundo que mais distribui bônus e dividendos para seus acionistas. É algo escandaloso. Sobretudo quando a gente vê o preço (da gasolina) que é praticado para os cidadãos. Mas mais do que isso, a Petrobras dividiu em bônus para seus acionistas um valor quatro vezes maior do que foi investido no país, isso é inadmissível. A Petrobras, uma empresa pública brasileira e de capital aberto, tem que dar lucro e é importante que ela se fortaleça.

Ministro, o governo teve um começo atribulado, com fatores externos que influenciaram a política nacional, mas com o Congresso em recesso ainda. Agora, com a retomada dos trabalhos na Câmara e no Senado, como anda a relação com o governo? O senhor já tem um termômetro da relação com os parlamentares? É possível dimensionar quem vota com o governo e quem é oposição?

Primeiro, já estamos chegando ao final do primeiro mês do Congresso. Pode parecer para as pessoas que não aconteceu muita coisa, mas muita coisa já aconteceu ali. De fato, começamos bem, porque, infelizmente, já tivemos governos derrotados na eleição para a presidência da Câmara e do Senado. Mas conseguimos iniciar o ano do Congresso consolidando uma importante vitória nas duas casas, sobretudo no Senado, que teve um embate real com o bolsonarismo. E, inclusive, desmistificou um pouco essa imagem das redes sociais, porque, pelas redes sociais, o bolsonarismo já havia vencido. Então, foi uma vitória importante ali, uma vitória da política, da articulação política do governo. Além disso, já tivemos a aprovação de algumas medidas provisórias importantes, na linha do que o governo defendia. E agora, com a recomposição das comissões, começamos de fato o jogo. Já teve muita coisa nessa pré-temporada deste primeiro mês.

Eu acho que teremos a melhor relação possível, porque o presidente Lula é alguém que respeita o Congresso Nacional. Pode haver divergências pontuais sobre alguns temas, mas há uma relação de respeito. Isso faz toda a diferença.

Segundo, a nossa postura é de respeito com os partidos de oposição. O tempo em que um presidente dizia que ia fuzilar a oposição acabou. Eu acredito sinceramente que em alguns temas teremos votos de parlamentares de partidos de oposição. Por exemplo, quais são os dois principais temas econômicos que são as prioridades do governo neste primeiro semestre no Congresso Nacional? Um deles é a reforma tributária. Queremos reduzir impostos para os mais pobres, simplificar o imposto do empresário que quer gerar emprego e aumentar sua produção e aumentar os impostos dos multimilionários. Eu acho que essas são diretrizes que podemos discutir com parlamentares da oposição. A Reforma Tributária é a proposta que precisa do maior quórum de votação, ela precisa de Emenda Constitucional. Mas acredito que podemos construir um diálogo sobre esse tema com esses segmentos. O outro tema prioritário da economia é o chamado Marco Fiscal, que estabelece uma regra em lei que ultrapassa governos, para estabelecer parâmetros claros do tamanho do endividamento que o governo pode ter, evitando a irresponsabilidade fiscal. Essa proposta está sendo construída sob liderança do ministro da Fazenda (Fernando) Haddad.

Terceiro, eu sinto um clima de isolamento do chamado bolsonarismo raiz no Congresso, especialmente aqueles que apoiaram os atos de 8 de janeiro. Sobre o número da votação no painel, eu acredito que vai depender dos temas. Dentro daquilo que é central para o governo, que é a Reforma Tributária e o novo Marco Fiscal, temos uma grande possibilidade de aprovação com uma boa margem para o governo.

Padilha, você é um dos quadros importantes do PT de São Paulo, mas há um incômodo com a falta de renovação na última eleição. Dos 11 deputados federais eleitos, 10 são homens brancos. Na próxima eleição à Prefeitura da capital, o candidato será Guilherme Boulos, do PSOL. Como o partido pretende crescer no estado? Há uma preocupação com essa questão?

Primeiro, temos que lembrar que São Paulo não é apenas a capital. O PT vai crescer no estado de São Paulo e ampliar sua renovação, pode anotar. O PT elegeu, por exemplo, uma jovem negra de menos de 25 anos, Thainara Faria, como deputada estadual, que tem um papel muito importante em sua cidade, Araraquara. Na cidade de Ribeirão Preto, que é extremamente conservadora, o PT teve a vereadora mais jovem da história da cidade, que teve a maior votação para deputado estadual, a Duda Hidalgo. Acabou de tomar posse aqui na capital, uma nova vereadora, Luna Zarattini. Então, se pegarmos o estado de São Paulo, o PT é o partido que mais elegeu vereadores e vereadoras LGBT, jovens negros e negras, o que mostra um crescimento muito importante. Estou convencido de que vamos crescer ainda mais nas próximas eleições, renovando e ampliando a participação de novos quadros do partido, além de dar novas oportunidades para pessoas que tiveram experiências positivas no âmbito municipal e que agora podem ter oportunidades também no estado como um todo.

Em relação à capital de São Paulo, quero reafirmar que existe um compromisso do PT e do presidente Lula de que o nosso candidato será o Guilherme Boulos. A candidatura dele representa uma renovação para a esquerda. O PT não precisa estar sozinho na esquerda nem ser hegemônico na esquerda. O PT é o maior partido da América Latina e o principal partido de esquerda na história do nosso país, com a maior liderança popular do Brasil e quadros muito importantes, que continuarão na política por muitos anos. Porém, a renovação deve ser algo central para o PT o tempo todo, pois se queremos transformar o país, precisamos estar dispostos a nos renovar e dar espaço para novas lideranças e jovens.

Edição: Thalita Pires