o jornalismo venceu

Justiça absolve Brasil de Fato por reportagem sobre bolsonarista que liderou ato neonazista

Decisão reconhece veracidade de reportagem que revelou que Eduardo Thomaz foi porta-voz de ato de grupos neonazistas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

Ouça o áudio:

Eduardo Thomaz concedeu entrevista em ato com grupos neonazistas, em 2011 - Reprodução/TV Gazeta e Reprodução/Instagram

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) decidiu em favor do Brasil de Fato em processo movido pelo político bolsonarista Carlos Eduardo Thomaz Pedroso. Ele processou o veículo por causa da reportagem "Líder de ato neonazista pró-Bolsonaro em 2011 organiza carreatas em apoio ao presidente em SP". Clique aqui para ler a íntegra da decisão judicial, proferida pela juíza Carla Carlini Catuzzo, da 2ª Vara de Marinque, no dia 8 de março deste ano.

O texto publicado pelo Brasil de Fato em 26 de julho de 2021 dizia que Eduardo Thomaz – que foi candidato a prefeito pelo PSL em 2020 e ostenta relação com general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro – atuou como porta-voz de uma manifestação convocada por grupos neonazistas em 2011.

Naquele ano, em entrevista à TV Gazeta concedida durante a manifestação e recuperada pelo Brasil de Fato, Thomaz afirmou: "A gente está dando apoio ao deputado Bolsonaro porque ele representa a família brasileira". A reportagem ainda citou que estiveram presentes no ato grupos neonazistas como o Kombat RAC, com roupas e tatuagens com referências ao nazismo.

No processo, Eduardo Thomaz admitiu a participação no ato realizado ocorrido na Avenida Paulista, em São Paulo, em 2011, retratado nos principais veículos de comunicação e na academia como sendo um manifestação de cunho neonazista. Ele ainda confirmou que integrava o grupo UltraDefesa, também apontado como extremista. Eduardo Thomaz alegou, no entanto, que o grupo UltraDefesa e a manifestação feita em 2011 não tinham cunho nazista e que a reportagem publicada pelo Brasil de Fato lhe "causou abalo moral, já que o nazismo é repudiado por toda a coletividade". Por isso, pediu R$ 50 mil de indenização por danos morais.

Relembre a reportagem: Líder de ato neonazista pró-Bolsonaro em 2011 organiza carreatas em apoio ao presidente em SP 

Em sua defesa, o Brasil de Fato afirmou que a reportagem visava informar e trazer elementos sobre o cenário político passado e atual, dentro dos limites da ética, e que disponibilizou link da reportagem da TV Gazeta sobre manifestação ocorrida no vão do MASP no ano de 2011, com a entrevista de Eduardo Thomaz como porta-voz do referido ato.

Representado pelo advogado Patrick Mariano, o Brasil de Fato ainda fez um levantamento de diversos artigos, dissertações e teses acadêmicas que se referiam ao grupo UltraDefesa e à própria manifestação ocorrida em 2011 como "neonazista". Entre os materiais citados pela defesa, estão trabalhos publicados pela Universidade Federal Fluminense (UFF), pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), bem como reportagens dos sites UOL e The Intercept Brasil.

Na decisão, a juíza Carla Carlini Catuzzo julgou improcedente a ação movida por Eduardo Thomaz, destacando que a reportagem em questão se enquadra nos limites da liberdade de imprensa e informação, e que o autor não conseguiu demonstrar de forma suficiente os danos morais alegados. "Em que pese o alegado na inicial, a matéria em voga reproduz e esta arrimada em entrevista concedida pelo próprio requerente à TV Gazeta no ano de 2011. Na ocasião o requerido foi mencionado como militante da extrema direita integrante do grupo Ultra Defesa, cujo fatos não negados foram pelo autor", afirmou Catuzzo.

"Ainda de acordo com a matéria da TV Gazeta reproduzida pela requerida, o autor foi um dos lideres da manifestação que reuniu grupos neonazistas no vão do MASP em 2011, sendo certo que estiveram presentes no ato vários grupos neonazistas como o Kombat RAC, cujos integrantes são conhecido por apologia ao nazismos nas redes sociais", disse a juíza.

Catuzzo ainda condenou Eduardo Thomaz ao pagamento das despesas processuais, bem como honorários dos advogados da parte acusada, fixados em 10% sobre o valor atribuído a causa. "Ocorre que não há elementos a identificar que os fatos ali narrados são inverídicos ou distanciando dos fatos ocorridos no ano 2011. Alias o conteúdo da entrevista concedida à TV Gazeta não foi impugnado. Não se pode negar que tal tipo de manifestação/movimento partidário/ideológico de extrema direita atrai associações/participantes compatíveis com as ideais dos organizadores, não tendo a matéria veiculada pela ré taxado o autor de neonazista", concluiu a juíza.

"Um caso importante do Direito Brasileiro"

O advogado Patrick Mariano, vitorioso ao representar o Brasil de Fato na ação, disse que "a decisão da juíza sobre a reportagem do Brasil de Fato é importante porque reafirma e assegura princípios caros à democracia brasileira, notadamente o direito de expressar e de informar".

"A juíza reforça o papel nobre do jornalismo e do jornalista. O jornal fez um bom trabalho e o jornalista fez um trabalho de apuração dentro dos parâmetros éticos", afirmou.

"Foi isso que tentamos mostrar ao Poder Judiciário: que a matéria foi feita nos estreitos limites do melhor jornalismo de investigação e informativo. A decisão deve ser comemorada, ainda que caiba recurso. Mas, é um caso importante no Direito brasileiro de reafirmação de princípios constitucionais e da nobre função do jornalismo", concluiu o advogado.

Edição: Rodrigo Durão Coelho