e o líder?

Sakamoto: prisão de golpista do 'perdeu, mané' atinge projeto miliciano de Bolsonaro

Punir o golpismo levando o "líder supremo" à cadeia é garantir que as instituições brasileiras tenham futuro

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Estátua da Justiça vandalizada com os dizeres "perdeu, mané"" - AFP

Poucas cenas sintetizaram tão bem a invasão golpista das sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, do que uma bolsonarista pichar com "perdeu, mané" a estátua que representa a Justiça. Sua prisão pela Polícia Federal, nesta sexta (17), para além de atender às exigências criminais, é também um repúdio à República Miliciana que Jair Messias tentou implementar.

Pois o mané no peito da Justiça não era destinado ao ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que tinha usado a mesma expressão contra um bolsonarista que o importunava em uma viagem a Nova York. O "perdeu, mané" foi destinado a quem acredita no diálogo como instrumento de superação das diferenças e de construção da tolerância mútua, a quem entende o princípio da alternância do poder como base do regime democrático, a quem repudia o uso da violência e da força bruta como formas de demonstrar insatisfação.

Ou seja, o "perdeu, mané" foi destinado à maioria esmagadora do povo brasileiro, tanto aos que haviam decidido nas urnas, dois meses antes, que Lula governaria o país por quatro anos, quanto àqueles que aceitam a derrota de seu candidato, entendendo que vencer e perder são dois lados da democracia.

O recado que os golpistas passaram é que as urnas só podem ser levadas a sério se chancelam o ponto de vista que eles defendem. Caso contrário, são fraudulentas, mentirosas, sujas e precisam ser ignoradas. Tal como Jair Bolsonaro ensinou ao longo de anos de governo, preparando o seu rebanho para o momento da tentativa de golpe.

Ele diz que não foi sua mão que cometeu os crimes, mas foram suas orientações e a de seus aliados que empurraram os idiotas para cometê-los em seu nome. Bolsonaro autorizou as ações golpistas chamadas por ele de "movimentos espontâneos" sob a justificativa de que "a liberdade individual seja a máxima". Por trás da mensagem, está um dos pilares de sua filosofia: a adoção de uma sociedade miliciana, com cada um por si e Jair acima de todos.

De acordo com a Constituição, nossos direitos individuais são limitados pelos direitos de terceiros e da sociedade, em um delicado equilíbrio. Bolsonaro veio subverter esse processo. Desde que assumiu o poder, ele trabalhou para propagar a ideia de que o interesse dos indivíduos é sempre mais importante do que o bem-estar da coletividade. Isso não vale para todo indivíduo, claro, apenas para o "povo escolhido" de Jair Messias, ou seja, os grupos radicais que o apoiam, que fazem parte dos 15% da população que acreditam em tudo o que ele diz.

Entre eles, estão garimpeiros, madeireiros, agropecuaristas que agem de forma ilegal, líderes religiosos ultraconservadores, empresários que desejam fazer o que quiserem sem ser importunados pela CLT, políticos e servidores públicos interessados em levar vantagem, milicianos e parte da banda podre das Forças Armadas e das polícias, entre outros.

Bolsonaro tentou implementar uma República em que as regras e normas que balizam a vida em sociedade fossem deixadas de lado em nome da lei do mais forte, ou melhor, do mais armado. E, ao invés do Poder Judiciário ser o responsável por julgar eventuais embates, ele assumiria essa função. Disseminou, dessa forma, um projeto de sociedade miliciana, onde a Justiça é trocada pelo justiçamento. Um projeto em que as instituições atestam o que o "líder supremo" diz diretamente para o povo ou precisam ser emparedadas.

Essa sociedade miliciana invadiu as sedes dos Três Poderes, em Brasília, em uma tentativa tosca e violenta de golpe de Estado porque havia sido devidamente autorizada por Jair para tanto, porque essas instituições foram contra o que decretou o tal líder supremo. Não queriam Justiça para o que achavam correto, queriam justiçamento, reequilibrando o universo com a força de suas próprias mãos.

Não à toa picharam com "perdeu, mané" a estátua. Queriam o justiçamento da República Miliciana de Bolsonaro de volta.

Não basta a pichadora. Punir o golpismo levando o "líder supremo" à cadeia é garantir que as instituições brasileiras tenham um futuro. A sua impunidade, por outro lado, levará a afirmar que os crimes cometidos por seguidores da extrema direita são realmente manifestações justas de "movimentos espontâneos". O que porá um fim, mais cedo ou mais tarde, e espontaneamente, à democracia.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.