história

Arroz, da Ásia aos campos do Rio de Grande do Sul

O gosto pelo arroz se expandiu com a consolidação da dieta brasileira, o arroz com feijão diários

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Produção de arroz orgânico feita por trabalhadores assentados do MST têm mudado cenário de utilização de aditivos químicos e cresce a cada ano - Foto: Joana Berwanger/Sul21

A palavra arroz vem do árabe da região de Andaluzia, na Espanha, arráwz e este por sua vez vem do grego antigo, ὄρυζα. É interessante perceber como as origens das palavras nos dão pistas de onde elas vêm e quais seus significados mais profundos. Dicionários antigos podem nos dar pistas mais interessantes ainda. Para um historiador da alimentação seguir essas pistas é entender por onde aquele alimento passou e como foi utilizado por diversas populações.

Cientistas e pesquisadores são unânimes em dizer que o arroz é originário da Ásia e teria chegado à Europa via Pérsia, Turquia e Oriente Médio. A Península Ibérica começou a cultivar arroz entre os séculos VII e VIII e, com a expansão para a América vieram grãos e maneiras de cultivos. 

O Dicionário Raphael Bluteau, editado em Portugal no começo do século XVIII, dá a seguinte definição para arroz: “espécie de grão que só de mondado é branco. Tem a cana mais grosso e mais nodosa que a do trigo. As suas folhas arremedam às da cana. Não produz espiga, mas certo penacho, a modo do milho. A bainha em que está o grão é amarela e de figura ovada. Não se dá senão em terras úmidas e regadias. Cozido em águas, é de comer ordinário dos índios, porém é pouco alimentoso. A bebida ordinária dos chinas é vinho de arroz, cuja cor tira à do alambre e é tão saboroso como o melhor vinho da Europa.”

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Logo ao desembarcarem, os portugueses encontraram indígenas com plantações de arroz, de espécies diferentes das que estavam acostumados. O arroz e os “milhos d'água dos tupis, que os plantavam no litoral, sempre em lugares encharcados. Em seus escritos, Pedro Álvares Cabral fala de arroz, assim como Américo Vespúcio e logo em 1587, lavouras com arroz ocupavam terras na Bahia.  As lavouras de arroz cresceram com o tempo e por um século, entre meados do século XVIII e a segunda metade do século XIX, o Brasil foi um grande exportador do produto.

Dentre as sociedades europeias comedoras e dependentes do trigo, o gosto pelo arroz cresceu discretamente, e fincou raízes no Brasil. O arroz aparece nos nossos primeiros livros de receitas, tanto no Cozinheiro Imperial como no Cozinheiro Nacional, e também receitas doces que se tornam clássicas, como o arroz doce. D. Pedro II era um grande apreciador de canja, conhecida sopa de arroz com galinha. 

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Com a intensificação da imigração e colonização alemã e italiana no sul do país em meados do século XIX, a cultura do arroz se difundiu pela região. Alemães e italianos investiram em pequenas lavouras, com colheita manual. 

No mesmo período, na Itália, a colheita de arroz envolvia essencialmente moças muito jovens, num trabalho muito duro. Para ajudar nas lavouras elas entoavam canções de trabalho, entre as mais conhecidas está Bella Ciao, que nasce no final do século XIX e se torna um hino partisano durante a ascensão do fascismo.

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O gosto pelo arroz se expandiu com a consolidação da dieta brasileira, o arroz com feijão diários. A mecanização crescente das lavouras transformou o plantio de arroz num grande negócio e o Rio Grande do Sul se estabeleceu como a região que mais planta arroz do país. A grande maioria do arroz plantado na região utiliza insumos com aditivos químicos na sua produção. Mas a produção de arroz orgânico feita por trabalhadores assentados do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) têm mudado esse cenário e cresce a cada ano. E são esses mesmos homens e mulheres que resgatam a história de luta das camponesas italianas que cantavam Bella Ciao comemoram esse ano uma das maiores safras de orgânicos do país.      

*Joana Monteleone é editora e historiadora. Autora dos livros "Toda comida tem uma história" (Oficina Raquel, 2017) e "Sabores Urbanos: alimentação, sociabilidade e consumo" (Alameda Casa Editorial, 2015).

** Este é um artigo de opinião e a visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

Edição: Vivian Virissimo