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'Devemos defender os direitos conquistados, porque podemos perdê-los', diz deputada argentina

Monica Macha fala sobre as pautas feministas no Congresso e da luta pelos direitos humanos

Especialista em saúde, Monica Macha foi uma das autoras do projeto de lei pela legalização do aborto de 2018. - Divulgação
Para nós, do movimento feminista, implica um estado de alerta e mobilização

Neste ano, a Argentina comemora 40 anos de redemocratização pós-ditadura. A população construiu, nesse tempo, um caminho de memória e reparação sem equivalência em outros países que passaram por ditaduras no mundo.

Março, em particular, marca um mês de luta na Argentina: não só mobiliza os feminismos e transfeminismos para o 8 de março, Dia Internacional da Mulher ­–  e apenas um dia antes, para o Dia da Visibilidade Lésbica no país –, como também é o mês também do histórico Dia Nacional pela Memória, Verdade e Justiça. A multitudinária marcha de 24 de março remontou aos 47 anos do golpe de Estado que instaurou a última ditadura na Argentina.

Para este BdF Entrevista, fomos ao país vizinho conversar com a deputada nacional Monica Macha, da coalizão governista Frente de Todos, sobre o legado de luta pelos direitos humanos na Argentina. Macha preside a Comissão de Mulheres e Diversidade da Câmara dos Deputados e impulsiona importantes e escassas discussões sobre projetos e pautas feministas em nível nacional.

Como uma das autoras do projeto de lei pela legalização do aborto de 2018, ano em que o debate se instalou no país, ela destaca a incidência da luta coletiva, mas também a necessidade de defender direitos já conquistados, em tempos de ascensão da extrema direita.

"O desafio é sempre construir hegemonia, sempre que possível; e quando não, construir consensos", afirma Macha. "Esses consensos significam pôr sobre a mesa do debate político que esses direitos estão em risco [com a direita]. A lei de interrupção voluntária da gravidez poderia ser revogada com outra composição na Câmara. É importante, e precisamos nesse momento, ter consciência sobre o que conquistamos e o que temos que defender, porque podemos perder", diz.

Conversamos com a deputada sobre as reverberações do movimento feminista argentino – que em 2020 conquistou a sanção da lei de interrupção voluntária da gravidez –, a garantia de direitos a partir da luta nas ruas e dentro do Congresso, o papel da mídia, a tentativa de assassinato da líder peronista e vice-presidenta Cristina Kirchner e a importância, e a prática, das políticas de memória, verdade e justiça.

Brasil de Fato: A Argentina leva, na América Latina, a marca da luta pelos direitos humanos e de uma legislação progressista que se destaca na região. Temos aqui a lei do matrimônio igualitário, a lei de identidade de gênero e, mais recentemente, a lei de interrupção voluntária da gravidez. Neste último caso, os movimentos feministas inspiraram outros países da região. Que lições você tira dessa experiência?

Monica Macha: Todo o processo de debate sobre o projeto de interrupção voluntária da gravidez deixa muitos aprendizados. Acho que o primeiro é a constância do movimento feminista na Argentina. Nós, mulheres, pudemos coroar esse processo com a aprovação desse projeto que hoje é lei porque houve todo um processo prévio.

Para mim, nesse processo prévio foram incluídos os movimentos feministas que existem desde o início da construção do Estado-nação argentino. No período mais recente, quem teve um papel muito importante foram as Mães e Avós da Praça de Maio. Elas construíram um modo de organização e de fazer política que continua vigente até hoje. Mesmo depois de perder muitas referências, como a Hebe de Bonafini, referências muito importantes nessa história, a vigência do legado, da luta, do olhar sobre a necessidade dessas construções, que são integrais, já começam no contexto da ditadura cívico-militar, eclesiástica e empresarial da Argentina, e continuam com outras pautas.

Há uma linhagem aí, e é muito importante remontar a elas quando pensamos o processo na Argentina. No caso pontual do aborto, quem teve um papel fundamental e fundador foi a Campanha pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito do nosso país. Foram elas que, no contexto da construção feminista, decidiram criar essa campanha e definiram ações que permitiram avançar com o debate no Congresso. Elas nos deixaram também uma grande lição sobre como construir transversalidade dentro do Congresso que, para nós, não é um lugar nada fácil, nada fluido.

Elas trouxeram essa experiência, dizendo: "Estamos aqui por um projeto que nos une, apesar de nossas diferenças partidárias". Não nos deixamos levar pelas profundas diferenças que temos, e colocar em primeiro lugar a necessidade de aprovar a lei de interrupção voluntária da gravidez. Há muitos aprendizados ligados a esse processo. Nas reuniões da Campanha que fazíamos semanalmente, com a presença de deputadas de todos os blocos e outras companheiras, fomos estabelecendo estratégias. Não só para levar o debate adiante no Congresso, que também existiu - quem queríamos convidar, que vozes ou linhas nos interessava remarcar -, mas também uma estratégia nas ruas.

A "Maré Verde" surpreendeu a todes nós. Quando vimos a magnitude dessas manifestações também ficamos surpresas, porque era impossível prever algo assim. Mas quero lembrar que ela é produto de uma militância e uma articulação com cada um dos setores: com as meninas das escolas secundárias, com as universidades, com as companheiras que atuam nos movimentos sociais, com o feminismo, com as jornalistas, com as atrizes argentinas. Um tecido que, no fim, nos permitiu aprovar a lei.

Também menciono algo que talvez não tenha tido muita visibilidade, mas que foi uma contribuição fundamental: as companheiras indígenas. Hoje, elas estão conduzindo um processo de tradução dessa lei e das propostas e políticas envolvidas na lei de interrupção voluntária da gravidez para as línguas originárias. Ainda não é um debate massivo, mas existe, está ligado à nossa história e gostaria de chamar atenção para isso.

Começamos falando sobre a lei de interrupção voluntária da gravidez, que marca também uma abertura de caminhos para outras pautas dos feminismos na região. No caso da Argentina, particularmente, como vem sendo a eficácia do acesso a esse direito?

Nosso país, além de grande em termos de extensão e diverso em termos culturais, é também muito heterogêneo politicamente. Embora certas pessoas ou grupos, como nós, façam parte, por exemplo, da Frente de Todos, Todas e Todes, quando temos que articular essa construção com o fator territorial, encontramos grandes diferenças e heterogeneidade. Isso também significa que, ao tentar visualizar a implementação da lei em cada província, há muitas diferenças.

O que acontece em Buenos Aires é muito diferente do que acontece em Salta, Jujuy ou Tucumán. Algumas províncias têm sociedades mais conservadoras e também governantes mais conservadores –  mesmo que partidariamente pertençamos ao mesmo espaço.

Isso faz com que a implementação em alguns lugares, como Buenos Aires, governada por Axel Kicillof, que incluiu o tema em sua agenda, tenha um ritmo próprio. Independente do que os municípios definam, a província faz um monitoramento. Isso não acontece em outras províncias.

Para nós, do movimento feminista, implica um estado de alerta e mobilização, e estar muito atentas ao que acontece. Implica agir rapidamente onde vemos algum tipo de trava e tentativa de retrocesso.

Em última análise, estamos gerando um debate articulado com uma política pública que, em termos reais e concretos, implica que muitas mulheres e pessoas com capacidade de gestar acessem a interrupção voluntária da gravidez. Isso se reflete na diminuição da mortalidade de mulheres em idade fértil, graças à lei de interrupção voluntária da gravidez.

Esse é um dado objetivo e foi o nosso primeiro foco. Parte de uma perspectiva da saúde. Mas também há outra linha, e muitas outras para pensar, mas uma ampla e bem concreta é o contexto de mudança e de possibilidade política, cultural e social. A implementação da lei implica uma mudança cultural porque, em última análise, essa ferramenta faz com que cada mulher e pessoa com capacidade de gestar possa avaliar seus projetos de vida, tomar decisões.

Isso tem um impacto que vai além da decisão de continuar ou não uma gravidez. Vai muito além. É recuperar certa autonomia e soberania sobre os corpos e um poder sobre nossas próprias vidas. Esse poder vai sendo tirado com força e muito trabalho de outras instâncias políticas, religiosas... Isso também gera uma transformação cultural importante.


Argentinos usam o lema "nunca mais" para repudiar a ditadura / Fernanda Paixão

Em relação à questão da autonomia, como você bem mencionou, uma das pautas dos feminismos hoje é a questão econômica, desde a economia do cuidado até a independência econômica. Em um contexto de sujeição de políticas econômicas em países condicionados ao FMI, como a Argentina, quais foram as possibilidades e perspectivas para a equidade de gênero nos últimos anos?

O movimento sindical, por exemplo, está absolutamente atravessado por essa discussão. Tanto a legislação quanto as discussões políticas miram uma maior participação de mulheres, lésbicas, homens trans, travestis... Também temos a cota de trabalho para travestis e trans, que é uma ferramenta interessante a ser considerada.

Há muito mais discussões sobre a participação política e de escuta sobre nossas demandas e agenda, discussões sobre salários. São tentativas, por todas as vias, de diminuir a disparidade salarial e tudo o que envolve a discussão sobre as políticas de cuidado.

Isso vem acontecendo muito aqui na Argentina. Estamos avançando com esse debate nos sindicatos, nos ambientes de trabalho, no próprio Congresso. Iniciamos o fórum parlamentar no Congresso para hierarquizar o trabalho do cuidado.

Todas essas são instâncias que realmente nos levam a chamar atenção para a discussão sobre como o tempo é distribuído. O tempo passa a ser um valor sempre escasso, sempre finito. E, para muitas mulheres e pessoas com capacidade de gestar, foi e é uma tarefa invisibilizada, mas fundamental, inclusive para a construção do capitalismo. Nos últimos tempos, tem sido também alvo de discussão sobre o reconhecimento do trabalho, como a remuneração.

Também quero mencionar a qualidade desse cuidado, porque somos sociedades que estão muito baseadas na violência. A violência de gênero é estruturante nas nossas relações. E acho que a violência às crianças é parte dessa estruturação social. Discutir sobre isso também significa discutir sobre a criação infantil, sobre o que significa o cuidado, tanto o das crianças quanto o de pessoas com deficiência e de pessoas idosas.

Em uma sociedade tão produtivista, não parece haver espaço para isso. Para mim, a agenda feminista e transfeminista vai abrindo espaço, como pode, para que essa discussão se dê não só entre as que cuidamos, mas sim uma aposta a uma discussão nacional, massiva e que coloque no centro do debate político que tipo de sociedade estamos construindo e que nos leve a perguntar que tipo de sociedade queremos construir.

Se nosso ideal é construir uma sociedade livre de violência, significa também discutir os tempos do cuidado, o valor, o investimento que representa para um país desenvolver um sistema integral de cuidados e, é claro, as linhas que não são contabilizadas com dinheiro, mas que são sumamente importantes: que tipo de criação damos e qual o acompanhamento para pessoas que estão atravessando a última etapa de seu ciclo vital, como isso acontece, em que condições.

É uma discussão do governo, mas que também está nas organizações. É isso que estamos fazendo agora, pensando a questão do cuidado e como gerar condições mais equitativas de vida e de circulação pela economia e pela esfera social, e de organização familiar.

Você tem agora um projeto de lei sobre as cuidadoras domiciliares. Gostaria que comentasse um pouco sobre esse projeto, partindo do porquê é importante reconhecer esta atividade como trabalho.

Esse projeto chegou a mim pelas próprias organizações de cuidadoras domiciliares. É um universo bem vasto. Todas essas mulheres têm alguma formação ligada à área da saúde, fizeram um curso técnico em gerontologia ou de cuidados de pessoas idosas ou pessoas com deficiência. Algumas têm uma formação ligada à saúde mental. Elas seriam, digamos, a primeira escala ao pensar em uma intervenção de saúde ou médica... De saúde, na verdade, porque pode envolver outras disciplinas.

Elas têm hoje uma forma de trabalho muito precarizada. Costumamos dizer que elas estão em um estado pré-peronista, porque a heterogeneidade social também faz com que existam pessoas que, em seu trabalho, gozam de todas as garantias sociais, dos direitos sociais, direitos do trabalhador e da trabalhadora, e no caso delas não é assim.

Não há definição do horário de trabalho ou do salário. Muitas delas trabalham para empresas que fazem a intermediação e acabam ganhando muito pouco pelo trabalho que fazem, ou recebem até dois ou três meses depois de fazer o trabalho. Algumas se agrupam em cooperativas e têm mais força, por ser uma organização social e política que lhes dá outra proteção. O que queremos com esse projeto de lei é regular a atividade e estabelecer por lei seus direitos e obrigações.

É uma discussão importante também porque são pessoas que se tornam imprescindíveis para o funcionamento de muitas famílias. Para que uma família possa trabalhar, estudar, gozar de seu tempo livre. Para que isso aconteça, há outra pessoa, geralmente uma mulher, que fica na casa cumprindo essa tarefa. Então é importante hierarquizar e possibilitar que essas mulheres possam gozar dos seus direitos trabalhistas.

Esse é o coração do projeto que estamos apresentando. Já o apresentamos várias vezes. É um projeto muito difícil de tramitar, mas estamos enfrentando todas as brigas necessárias para, finalmente, tramitá-lo. Nessa discussão sobre o cuidado, também há um lugar e uma inclusão para esta demanda. Dentro dos espaços que estão sendo pensados e trabalhados para conquistar o sistema integral de cuidados, há um capítulo que corresponde às cuidadoras domiciliares.

Ainda sobre a questão do reconhecimento de direitos, estamos em um ano eleitoral na Argentina e vemos figuras mais reacionárias começando a ter mais relevância no cenário e nas pesquisas. Algo talvez inédito no país. Como vê o debate sobre a garantia e ampliação de direitos neste contexto?

A ampliação de direitos é sempre um campo em disputa. Estamos falando de conquistas ou de processos em que estamos imersas e isso não está garantido. É uma construção e uma tensão permanentes. O surgimento de pessoas ou setores tão reacionários é um alerta, mas não pelas pessoas em si, essas vozes alçadas com muita violência - ou mesmo com um tom mais baixo, mas propõem coisas como o fim do Ministério das Mulheres. Para além do tom, o que está em jogo é que essas figuras são porta-vozes de uma parte da sociedade.

O que preocupa é que esses setores sejam porta-vozes. Acho que essa é a verdadeira discussão social. Ou seja, há uma parte da sociedade argentina mais conservadora, mais violenta, que pode ter como referência pessoas como Javier Milei, por exemplo, ou Horacio Larreta. Larreta tem um tom monótono, mas diz barbaridades. O que importa não é o tom, e sim o conteúdo do que propõem.

Se há espaço para uma ameaça à ampliação de direitos, é porque uma parte da sociedade argentina escuta e concorda com essa perspectiva. Para mim, o desafio é construir hegemonia. E quando não estiver ao alcance, construir consensos. Esses consensos significam também poder colocar sobre a mesa do debate político que esses direitos estão em risco com pessoas como as que mencionei.

Nós comemoramos e começamos esta entrevista falando da lei de interrupção voluntária da gravidez. É uma lei que, se tivéssemos outra composição na Câmara, poderia ser revogada. Nestes tempos, é preciso ter muita consciência sobre o que conquistamos e sobre o que temos que defender, porque podemos perder.

Você impulsionou também um projeto que foi aprovado no ano passado, sobre a paridade de gênero nos meios de comunicação. Qual poderia ser o impacto do equilíbrio de vozes na mídia nas democracias da nossa região?

Um impacto grande. Conseguimos aprovar a lei, mas não regulamentá-la. Ainda assim, outras vozes e gêneros vão sendo incorporados, e isso implica uma ampliação de perspectivas. O fato de uma mulher ter mais acesso a um meio de comunicação não implica que ela tenha uma postura feminista ou de defesa dos direitos das mulheres. Não necessariamente. Mas se cada vez mais mulheres lésbicas, travestis, homens trans, bissexuais tiverem espaço para trabalhar na mídia, claramente essa posição subjetiva vai impregnar os olhares e discursos.

Como os meios de comunicação não são objetivos e levam adiante uma prática social, vozes e posições diferentes, trajetórias de vida diferentes, também terão um impacto em como as notícias são transmitidas. As notícias ou qualquer outro conteúdo. 

Qual é a posição assumida? Dessa forma são regulados esses discursos que, em geral, vem sendo muito patriarcais e então é possível gerar outros tipos de discussão, de perspectiva e, portanto, também outra agenda. É nisso que apostamos e por isso militamos e trabalhamos muito para que a lei de equidade nos meios de comunicação se torne uma realidade.

Isso também tem a ver com o que você dizia antes sobre a questão do pacto para que a democracia funcione. Eu relaciono isso com o caso recente, seis meses atrás, da tentativa de magnicídio contra Cristina Kirchner. As pessoas vêm questionando muito, inclusive o presidente Alberto Fernández, sobre o papel da mídia na criação de uma espécie de discurso de ódio constante. É um caso bem emblemático que mostra realmente como é o impacto prático na vida das pessoas. Não só de uma liderança política, como também da sociedade como um todo?

Sim, nesse sentido, os meios de comunicação têm o poder de autorizar determinadas posturas e comportamentos. Não é algo linear.

A tentativa de magnicídio à Cristina fere a democracia que conseguimos construir nesses 40 anos. É um ponto de ruptura. Isso foi, de certo modo, autorizado pela mídia? Sim. São eles que estão com a arma na mão? Não. Mas são eles que geram uma possibilidade social. Porque, ao mesmo tempo, também censuram coisas.

Tem coisas das quais não falam, que acontecem, mas não divulgam. Por exemplo, a cobertura do 8 de março. Fizemos uma manifestação, com certas demandas, e saiu muito pouco na mídia argentina. Com sua possibilidade de amplificar vozes, autorizam ou censuram.

Quando autorizam discursos de ódio, porque fazem parte deles, não dá para saber o impacto que isso terá em quem o escuta. Por isso, para mim, o papel das pessoas na mídia tem um alto nível de responsabilidade.

Acho que foi o que aconteceu com a tentativa de magnicídio de Cristina e com o pós-atentado. Porque além do fato têm os discursos posteriores que de algum modo acompanharam um processo complicado na Argentina e que para nós hoje coloca a democracia em risco. A princípio, não um risco como aconteceu nos anos 1970, mas ainda assim é um risco com as características e as condições desta época, desta etapa histórica.

Este ano se celebram 40 anos da redemocratização na Argentina. Estamos no mês do Dia da Memória, Verdade e Justiça. Como chega este dia para a população argentina? Que reflexões você pode compartilhar sobre essa data, para concluir a nossa conversa?

Para nós, o 24 de março é muito emblemático, e como você bem disse não é mais só o 24, o mês de março inteiro é tomado por diferentes atividades, ações e reflexões em todos os âmbitos.
 
Acho que isso tem uma vigência bem interessante em nosso país. Acho que envolve uma reflexão sobre o que viemos conversando. O papel da mídia, do poder Judiciário, ainda mais quando articulado com espaços políticos, qual o impacto disso na nossa democracia?
 
O que é a vida em democracia neste momento da história? E que questões a colocam em risco? São debates muito importantes para nós e tentamos gerá-los onde podemos porque é para proteger a democracia. Para nós, a democracia é um modo de viver. Escolhemos viver em democracia. Atravessamos muita dor para conquistar este sistema democrático: muitas perdas, desaparições de companheiros e companheiras.

Bom, eu acho que nunca é um ponto de chegada. É sempre um processo. Como dissemos antes, há tensões. E temos que poder visualizar e administrar o que está acontecendo para ter uma postura de muita consciência e responsabilidade.

Há pouco, morreu Carlos Pedro Blaquier. Ele é o representante da ditadura na Argentina. Porque é o responsável intelectual, empresarial, político da chamada "Noite do Apagão", em Jujuy. O desaparecimento, em uma noite, com a cumplicidade de Ledesma, a empresa da qual ele foi presidente até morrer. Aí vemos perfeitamente como foi a convivência entre um processo como a ditadura com empresários.

Chama muito a atenção que, com a morte de Blaquier, a União Industrial tenha feito um minuto de silêncio, e que o jornal La Nación o tenha colocado em seu obituário, abrindo espaço para que ele seja lembrado como um empresário argentino e ocultando totalmente sua participação e responsabilidade na ditadura militar naquela província e, especialmente, no departamento de San Martín, onde ocorreu a Noite do Apagão.

Essas ligações e situações são questões atuais. Não é que aconteceu há 40 anos. Tem um nível de vigência e, portanto, é algo para analisar e estar alerta, tomando muito cuidado com o nosso sistema democrático.

Edição: Thales Schmidt