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A Folha, o banco dos BRICS e o salário da Dilma

Cobertura focou no salário de Dilma no NDB, ignorando supersalários de banqueiros e relevância do cargo para o Brasil

Porto Alegre (RS) |
Dilma em seu primeiro dia no comando do NDB, o banco dos BRICS - Divulgação/New Development Bank

A Folha de S. Paulo deu-se à pachorra de produzir uma matéria sobre a posse de Dilma Rousseff na presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), mais conhecido como "Banco dos BRICS", onde a prioridade é informar que ela vai receber salário de R$ 220 mil por mês.

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Não diz o que faz o banco, o que representa, quais os seus fundos, como a posse da ex-presidenta poderá ajudar os interesses brasileiros etc. Só importa o salário. Realmente, trata-se de dinheiro para deixar nervosos os meros mortais.

Mas o que significa a remuneração de Dilma se cotejada com o padrão que vigora no mercado nacional de CEOs?  O que recebem, afinal, os chefões de grandes empresas ou bancos de Pindorama?

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A Folha desprezou esse detalhe mas, casualmente, a agência de notícias Bloomberg Linea não. Exatamente na mesma semana em que o periódico da família Frias semeava frustração e ressentimento entre seu leitorado em vez de fazer jornalismo, a Bloomberg dirigiu seu facho de luz para a ilha da fantasia dos executivos super-ricos de um pobre país chamado Brasil.

Levantou um rol de abonados no topo do qual reluz Sérgio Rial, do Santander, ex-manda-chuva das Americanas. Nos píncaros que habita, o ganho é de R$ 59 milhões anuais, algo como R$ 5 milhões por mês. Ou 23 vezes o que Dilma vai receber.

O segundo lugar do pódio é ocupado por Eduardo Bartolomeo, da Vale, que embolsa R$ 55,1 milhões/ano ou R$ 4,6 milhões/mês, quase 21 vezes os honorários da presidenta do banco dos BRICS. A medalha de bronze vai enfeitar o pescoço de Milton Mahuly Filho, do Itau/Unibanco, com uma bolada de R$ 53 milhões/ano. Mensalmente é uma bufunfa traduzida em R$ 4,4 milhões.

E assim segue o barco dos nossos milionários instantâneos. Para não abusar da paciência dos leitores e leitoras, vamos saltar a turma de coitados que não ficou com ouro, prata ou bronze para chegarmos logo ao fim da fila, ao 15º colocado na olímpiada da alta grana. É Belmiro Gomes, da Assai, pobretão que fatura míseros R$ 20,9 milhões por ano, o que dá um contracheque mirrado de R$ 1,75 milhão ao fim de 30 dias. Micharia, mas oito vezes mais do que Dilma vai ganhar em Xangai.

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Mas, afinal, com o que lida o Banco dos BRICS? A Folha acha que não importa, porém a gente foi levantar algumas informações no próprio site da instituição.

Ali se sabe que o NBD banca megaprojetos no Terceiro Mundo e países em desenvolvimento nas áreas de desenvolvimento sustentável, energia, portos, transportes, infraestrutura, saúde, educação, meio ambiente e saneamento.

Em diferentes fases, são 27 na China, 18 na Rússia, 27 na Índia, 11 na África do Sul e 26 no Brasil. Desses 26 do Brasil, 18 estão aprovados, diz o NBD. Mas isso, claro, não importa, não é Folha?

E onde estão os projetos por aqui? Há projetos estaduais aprovados para Pernambuco, Pará e São Paulo. Outros beneficiam cidades, casos de Aracaju, Manaus, São Paulo, Curitiba, Teresina. Tomado ao acaso, apenas um deles bate em US$ 1,2 bilhão que, convertidos para humildes reais, somam R$ 6,2 bilhões. É grana grossa para o BNDES impulsionar projetos de infraestrutura sustentáveis em nosso país.

Mas isso não importa, não é mesmo?

No fundo, o Brasil não importa.

* Jornalista, editor do Brasil de Fato RS, trabalhou, entre outros, em veículos como Estadão, Veja, Jornal da Tarde e Agência Estado. Documentarista da questão da terra, autor de livros, entre os quais "Os Vencedores" (Geração Editorial, 2014) e “O Pais da Suruba” (Libretos, 2017).

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Nicolau Soares