Atentado na Rússia

Atentado na Rússia: justificativa do 'terror' pode ser instrumentalizada pelo Kremlin

Explosão a bomba em São Petersburgo tem autoria nebulosa e tende a reforçar narrativa repressiva na Rússia

Rio de Janeiro |

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Investigadores da polícia russa inspecionam café atingido por explosão em São Petersburgo em 2 de abril de 2023. - Olga Maltseva / AFP

No último domingo (2), foi realizado um atentado a bomba em um café no centro da cidade de São Petersburgo durante a reunião de um grupo nacionalista que defende as ações militares da Rússia na Ucrânia. A explosão causou a morte de Maksim, Fomin, o blogueiro conhecido como Vladlen Tatarsky, umas das mais radicais e populares vozes de apoio à guerra na Ucrânia e ex-correspondente militar na região de Donbass.

Mais de 40 pessoas ficaram feridas. O café onde ocorreu o atentado é propriedade do fundador do grupo militar privado "Wagner", Yevgueni Prigozhin.

As autoridades russas reagiram rapidamente e se apressaram em anunciar que os serviços especiais ucranianos estavam por trás do atentado. Ao mesmo tempo, a investigação aponta o envolvimento de membros do Fundo de Combate à Corrupção, organização criada pelo opositor russo Alexei Navalny, que atualmente está preso. A ativista russa, Darya Trepova, 26 anos, foi detida acusada de ter levado o explosivo para o local.

Por outro lado, a autoria da explosão foi reivindicada pelo "Exército Nacional Republicano", grupo clandestino de oposição na Rússia. A célula é comumente divulgada por Iliá Ponomarev, ex-deputado oposicionista que hoje se encontra exilado na Ucrânia. Ele representa a organização como uma espécie de grupo de guerrilha que atua dentro da Rússia para combater o regime de Putin.

“Essa ação foi efetuada por nós de forma autônoma. Não mantemos contato nem recebemos ajuda de nenhuma estrutura estrangeira ou de serviços secretos”, afirmou a organização em mensagem no Telegram. A nota destaca também que o atentado não tinha como objetivo atingir civis e que todos os feridos são apoiadores das ações militares russas e justificam “os crimes de guerra do regime de Putin na Ucrânia”.

O mesmo grupo também disse ter assassinado Daria Dugina, filha do ideólogo nacionalista russo Alexander Dugin, em agosto de 2022. A versão, no entanto, é contestada e até hoje não há uma conclusão sobre o planejamento do atentado.

Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político ucraniano e presidente do Centro de Pesquisa Política Aplicada "Penta", Vladimir Fesenko, destacou que se sabe muito pouco sobre essa organização para tirar conclusões e legitimar suas declarações.

“Eu acredito que só saberemos toda a verdade sobre essa história após o fim da guerra, quando os dos participantes diretos dela, que detêm informações, começarem a falar a verdade. Por enquanto essa história tem muitas questões em aberto”, afirmou.


Policiais acompanham a limpeza dos destroços da explosão de uma bomba em um café em São Petersburgo em 2 de abril de 2023, que matou o blogueiro militar russo, Vladlen Tatarsky. / Olga Maltseva / AFP

A acusação contra a Ucrânia foi encarada como previsível, dado o contexto da guerra e o perfil do alvo do atentado. No entanto, a imediata vinculação da organização do opositor Alexei Navalny demonstra que o atentado pode ser instrumentalizado politicamente pelo Kremlin.

“Falando sobre as consequências, o que me alarma é que isso imediatamente é inscrito na campanha propagandista contra a Ucrânia e contra Navalny. Aqui fica claro que, de saída, está determinada uma motivação política e isso se insere no combate não só contra a Ucrânia, mas também contra Navalny. E isso ameaça Navalny de uma prisão perpétua. Não há nenhuma prova sobre a participação do Fundo de Navalny, mas a versão já existe, feita antecipadamente”, diz Vladimir Fesenko.

O Comitê Investigativo da Rússia classificou o incidente como um “ato terrorista”. De acordo com o pesquisador ucraniano, essa história será utilizada para um maior “aperto de cerco” repressivo na Rússia.

“Fica claro que essa história será utilizada para uma maior repressão na Rússia. No mínimo, para a luta contra Navalny, para uma nova sentença contra ele, mas podem agravar as medidas de segurança. Pode ser que fechem as fronteiras, isso pode acontecer. Podem surgir novas leis repressivas, um reforço das medidas de segurança ou culpabilidade de certas ações que podem ser classificadas como atentados. Alguns deputados da Duma, por exemplo, já chegaram a pedir a implementação de pena de morte”, aponta.

O cientista político Abbas Galyamov, por sua vez, acredita que a instrumentalização do atentado em São Petersburgo serve aos interesses do Kremlin de minar a oposição e, em particular, preparar o terreno para as eleições presidenciais de 2024. De acordo com ele, a guerra da Ucrânia – e a sua não resolução – impõe ao governo de Putin um cenário de baixa na popularidade e de maior contestação.

Nesse contexto, ele afirma ao Brasil de Fato que os apoiadores de Navalny são “os mais preparados para uma rápida mobilização” de protestos de combate ao governo. “Em uma situação de uma popularidade em queda, é melhor que essas pessoas sejam desmoralizadas”, acrescenta.

“Esse atentado, no sentido geral, é um golpe contra a posição do governo russo e à reputação de Putin, porque mostra que [as autoridades] não são capazes de fornecer segurança aos próprios cidadãos. A afirmação de que ‘logo venceremos’ não tem muita base. A formulação de Putin de que tudo está de acordo com o planejado está muito distante da realidade. Onde está o plano se a guerra, que começou há um ano sob o slogan ‘tomar Kiev em 3 dias’, agora se aprofunda no nosso território?”, destaca o cientista político.

Já no plano internacional, a tendência é de que a classificação do atentado como “ato terrorista” seja usada para fomentar a narrativa de Moscou contra a Ucrânia e a suposta interferência estrangeira no país. Na última quarta-feira (5), o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou que os serviços de inteligência ocidentais estão ajudando a Ucrânia a preparar ataques terroristas em novas regiões russas. O chefe de Estado aproveitou para reforçar a narrativa da suposta presença "neonazista" no governo ucraniano.

“Os neonazistas e seus cúmplices atuam não apenas nos novos territórios da Federação, mas também cometem crimes em outras regiões. Há todos os motivos para acreditar que o potencial de terceiros países – serviços de inteligência ocidentais – está envolvido na preparação de tais sabotagens e ataques terroristas”, disse o presidente russo.

O cientista político Vladimir Fesenko observa que na Ucrânia o blogueiro pró-Kremlin, que foi morto no atentado, é encarado como um “combatente”, um “participante das ações militares”, o que gerou uma reação ambígua em relação ao atentado no país.

“Era um personagem muito odioso, que instava de várias formas a morte de ucranianos. Para nós, esse acontecimento soa de forma ambígua. Muitos na Ucrânia receberam positivamente o assassinato dessa pessoa, mas eu acredito que essa situação será usada pela Rússia contra a Ucrânia, para descredibilizar a Ucrânia, usando esse evento para culpar a Ucrânia de exercer atividades terroristas”, afirmou.

Além disso, o pesquisador aponta que uma das principais consequências da explosão será o reforço da propaganda do Kremlin e a narrativa anti-ucraniana dentro da Rússia.

“É preciso assustar os próprios russos, as elites e, também, o Ocidente. É preciso assustar o Ocidente para mostrar que a Ucrânia está utilizando métodos terroristas, como uma tentativa de descredibilizar a Ucrânia frente ao Ocidente. Eu vejo esses objetivos propagandistas e políticos no contexto desse acontecimento”, completa.

Edição: Patrícia de Matos