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Entenda por que o MCMV Entidades precisa ganhar espaço no novo programa habitacional do governo

MCMV Entidades é um braço essencial para fomentar o diálogo democrático sobre a moradia popular

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Lula entrega unidade habitacional do Minha Casa, Minha Vida em Santo Amaro, no Recôncavo Baiano - Reprodução/Twitter

Tivemos um período recente de enormes retrocessos, seja pela falta de implementação de políticas públicas, regramentos legais pouco eficazes e despreocupação em fomentar recursos, seja pelos discursos retrógrados de ódio, disseminação de notícias falsas, aumento das desigualdades e da dificuldade das lutas sociais em busca de melhores condições de vida, de trabalho e de uma sociedade mais justa. Agora, em um novo recomeço da vida democrática do país, nosso desafio passa pela retomada, reconstrução e implementação do que é necessário para a garantia de direitos e maior dignidade às pessoas, dentre as quais, consideramos a moradia como uma condição essencial à vida.

Com entusiasmo vimos o presidente Lula encerrando os primeiros 100 dias de governo sinalizando uma nova trajetória na política habitacional brasileira. Entre os feitos do período está a retomada do Minha Casa Minha, Vida (MCMV), uma resposta clara às quase 6 milhões de moradias que, hoje, correspondem ao déficit habitacional do país. O relançamento do programa contou com a participação de inúmeras entidades profissionais e movimentos sociais, que já haviam sinalizado a necessidade de priorizar os atendimentos, integrar os complexos habitacionais com a mobilidade urbana, fornecer acesso à locação social, incluir a melhoria habitacional, em especial os imóveis públicos, e utilizar áreas bem localizadas, adensadas e infraestruturadas. O que ainda se espera, entretanto, é que o reestabelecimento do MCMV Entidades, com mais recursos, entre também para essa lista de ações.

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Mais distante do conhecimento da população, ele é um braço do programa Minha Casa, Minha Vida que permite o envolvimento direito das famílias e o protagonismo das comunidades organizadas no processo de implementação, discussão e construção das unidades habitacionais. Originalmente, 3% dos recursos eram destinados ao Entidades, que exige a presença de uma instituição organizadora, como cooperativas e associações, para receber o capital. Dentro do modelo, são aplicados dois métodos de trabalho: a autogestão, quando se realizam mutirões construtivos e a própria entidade contrata mão de obra e organiza os processos, e de cogestão, quando se contrata uma construtora para comandar as obras conforme o que foi desenvolvido coletivamente. Diferente do MCMV “tradicional”, que negocia diretamente com as grandes empresas da construção civil e acaba gerando custo de comercialização, o MCMV Entidades trabalha pela qualidade construtiva. Como não há produção focada em lucro, cada unidade pode chegar a ter uma redução de até 30% no seu valor final.

A Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA) vê no MCMV Entidades um braço essencial para fomentar o diálogo democrático sobre a moradia popular. Um incentivo às comunidades pensarem seus próprios espaços, valorizando aquilo que para elas é o mais importante. O grande diferencial da modalidade é o modelo de Trabalho Técnico-Social (TTS) realizado durante todo o processo. Através de uma equipe multidisciplinar, que envolve arquitetos e urbanistas, engenheiros, advogados, assistentes sociais, entre outros profissionais, há uma inserção das pessoas no contexto do que é ter uma moradia própria. É preciso orientar as famílias sobre as regras de convívio social, a formalização do modo de morar e o real valor daquela habitação. O direito à moradia está além de ter um teto sob a cabeça. Ele envolve a adaptação de uma nova realidade para um grupo de pessoas que, em muitos casos, nunca tiveram um espaço estruturado só para si. 

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Nesse contexto, acabamos nos deparando também com a Assistência Técnica para Habitação de Interesse Social, a Athis. Uma lei que existe desde 2008 no Brasil e que prevê garantia de acesso a um arquiteto e urbanista na construção e reforma das moradias para famílias de baixa renda. Um projeto pensado em conjunto com os profissionais, mas que ainda tem sua ação limitada pela falta de interesse político e econômico. Por hora, entendemos que há terreno político para negociar-se a retomada do MCMV Entidades e também a implementação da Assessoria Técnica, ampliando o acesso das famílias à ampliação da qualidade de vida através de projetos adequados as suas realidades, bem como com segurança, conforto e qualidade de execução. 

O Minha Casa, Minha Vida vem na urgência de diminuir o déficit habitacional. Os recursos públicos subsidiados devem priorizar o atendimento das famílias mais empobrecidas e o Entidades é um dos aceleradores desse processo. Qualquer programa que possa proporcionar resultados melhores precisa ser fomentado e, inclusive, integrar ações multidisciplinares de diferentes esferas do Executivo, interligando habitação, saúde, saneamento, segurança e bem-estar social. Seguimos na luta e seguimos no aguardo. Queremos a volta do MCMV Entidades.

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* Andréa dos Santos é presidente da Federação Nacional dos Arquitetos e Urbanistas (FNA). Formada em Arquitetura e Urbanismo pela UFPel em 1993, foi presidente do Saergs entre 2014 e 2016, integrou a direção nacional da Central Única de Trabalhadores (CUT) e a primeira diretora da Confetu/CUT. Atua como assessora técnica do monitoramento nacional do programa de habitação nos Assentamentos da Reforma Agrária do Incra.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.   

Edição: Vivian Virissimo