condenado na suíça

Milly Lacombe sobre caso Cuca: 'Antes, a gente não estava aí para falar'

Jornalista cita maior presença feminina nas mesas redondas esportivas como motivo para maior repercussão do episódio

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |

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Cuca em ação pelo Atlético Mineiro: repercussão do caso na Suíça é maior nos últimos anos - Divulgação/Atlético Mineiro

Cuca é um dos mais vitoriosos treinadores do futebol brasileiro nas últimas décadas, e também um dos mais experientes. Nos últimos 20 anos, entre idas e vindas, passou por clubes como Atlético Mineiro, Botafogo, Cruzeiro, Flamengo, Fluminense, Grêmio, Palmeiras, Santos e São Paulo, antes de chegar ao Corinthians. Não é algo de fácil mensuração, mas é possível dizer que as informações sobre a condenação por estupro na Suíça jamais tenham repercutido tanto quanto nos últimos dias. Para a jornalista Milly Lacombe, isso tem relação direta com a maior presença feminina nas redações esportivas.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Lacombe afirmou que a pouca repercussão anterior do episódio não é relevante, e que o mais importante é que o assunto seja, hoje, tratado com a seriedade devida. O caso aconteceu em 1987, quando Cuca era jogador do Grêmio e foi condenado pela justiça do país europeu por participação em um estupro coletivo de uma menina de 13 anos.

"Não havia mulheres em grande número na imprensa esportiva, e quando essa última onda feminina começou a ganhar força, e as mulheres entraram nas redações, o caso foi retomado. Não é uma coincidência que tenha sido retomado justamente na época que as mulheres começam a ocupar mais espaço na imprensa", afirmou a jornalista.

Milly Lacombe afirma que há muitas pessoas nas redes sociais que tentam relativizar o caso, e muitas vezes isso acontece com perguntas sobre a ausência de críticas e cobranças mais contundentes em momentos anteriores, quando Cuca foi contratado como treinador de outras equipes ou quando conquistou grandes títulos e chegou a ser fortemente cotado para comandar a Seleção Brasileira.

"O pacto da masculinidade é uma coisa muito séria. O caso aconteceu em 1987, foi divulgado, os jogadores do Grêmio voltaram e foram recebidos como heróis na imprensa, e o caso caiu em esquecimento, porque o estupro não era, e em certa medida não é, levado a sério. O que eu diria: eu acho que pouco importa isso, o que importa é o horror de um crime hediondo, sobre o qual a gente se recusa a falar, buscando atenuantes", ponderou a comentarista do UOL e da revista Trip

Apuração do site Meu Timão, que cobre o dia a dia do clube, junto à justiça suíça confirmou informações divulgadas pelo jornal Der Bund, de Berna, onde aconteceu o caso em 1987. Dados sobre o julgamento são protegidos por segredo de justiça, mas a Suprema Corte do país europeu confirmou que a reportagem do jornal sobre a condenação, publicada em 1989, quando aconteceu o julgamento, traz informações corretas.

O texto destaca, por exemplo, que Cuca e os demais acusados não compareceram ao julgamento. Segundo o relato, os jogadores envolvidos - Cuca e três colegas - foram abordados pela vítima, que estava acompanhada de dois amigos, e pediu para que trocassem camisas. O estupro teria acontecido após esse primeiro contato, quando a menina foi levada para um quarto do hotel e os colegas dela foram deixados de fora. Eles procuraram ajuda.

"A vida dessa menina provavelmente acabou ali. Eu espero que ela tenha se recuperado, jamais saberemos. E esse jornal que diz que foi encontrado esperma do Cuca no corpo da vítima. É muito grave tudo isso, e que bom que veio à tona e que bom que a gente está falando isso. Antes a gente não estava aí para falar", disse Milly Lacombe, em relação à presença feminina no jornalismo esportivo.

A 'Democracia Corinthiana'

Poucos anos antes do episódio que culminaria com a condenação de Cuca na Suíça, o Corinthians teve um processo histórico. Entre 1982 e 1984, em meio à ditadura militar no país, o clube, que contava com jogadores como Sócrates e Casagrande, colocou em prática a "Democracia Corinthiana", movimento interno que permitiu que todos os envolvidos em processos diretos do clube - jogadores, funcionários e dirigentes - opinassem nos rumos da agremiação.

O movimento é até hoje um caso único no futebol brasileiro, é motivo de orgulho para grande parte da torcida da equipe e ainda repercute em posicionamentos oficiais, como o "Respeita as Minas". Por isso, Milly Lacombe avalia que a contratação de Cuca pelo clube se torna algo ainda mais relevante.

"Um time não é feito só de vitórias, o que constitui um time é também a maneira como ele se insere no mundo, e o Corinthians se inseria até hoje por essas lutas sociais. Você constrói seu capital simbólico através dessas lutas. Demora muito para você chegar no ponto de ter um capital simbólico tão alto, como o Corinthians tem. Mas é muito rápido destruir isso", lamenta a jornalista, que não esconde ser torcedora corintiana.

Treinador nega acusações

Ao ser apresentado pelo Corinthians, no último dia 21, Cuca reforçou que o caso nunca teve tanta repercussão. "Estive em outros clubes e isso nunca me foi questionado", disse, ao responder a uma pergunta sobre a condenação.

O treinador ainda negou ter tido participação no crime. Ele afirmou que errou ao não ter se apresentado para defesa, mas disse que não tinha dinheiro para participar do julgamento e sequer soube que o caso estava acontecendo.

"Fomos para averiguação e, três vezes, não é que ela não me reconheceu, é que eu não estava lá. Se a vítima diz que eu não estava lá... E eu juro por Nossa Senhora da Aparecida que é a coisa que eu mais amo no mundo. Tem o protesto, é claro que é justo, pelo que tem falado. Mas por que eu devo uma desculpa para a sociedade se eu não fiz nada?", continuou.

Edição: Rodrigo Durão Coelho