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Cuba recebe 150 jovens dos EUA para mostrar efeitos do bloqueio econômico

Viagem tem como objetivo furar a bolha ideológica imposta pela Casa Branca

Havana (Cuba) |
Delegação de jovens dos EUA em Havana - Gabriel Vera Lopes

Com o lema "Construindo o futuro, rompendo o bloqueio", mais de 150 jovens de diferentes partes dos Estados Unidos visitaram Havana para participar de vários intercâmbios com o povo cubano. A delegação foi organizada pela Assembleia Internacional dos Povos, uma plataforma que reúne diferentes organizações sociais, políticas e sindicais em nível internacional.

Essa delegação de intercâmbio e solidariedade com Cuba é a maior organizada a partir dos Estados Unidos nas últimas décadas, composta por jovens de um universo de 42 organizações comprometidas com diferentes causas sociais. Incluem-se entre elas Black Lives Matter Grassroots, Black Youth Project 100, Palestinian Youth Movement, Party for Socialism and Liberation, The People's Forum, entre outras.

"Com essa delegação de solidariedade, não estamos procurando que as pessoas apoiem o governo cubano ou se tornem socialistas. Queremos apenas que esses jovens voltem para os EUA com a consciência do que o governo do nosso país está fazendo com Cuba com o bloqueio", explica Wyatt Souers, um dos coordenadores da iniciativa, ao Brasil de Fato.

Entre ligações e mensagens, Souers organiza as próximas atividades que a delegação realizará. Rindo, ele repete que coordenar uma delegação de mais de 150 jovens não é tarefa fácil. Mas, uma vez em Havana, Souers está otimista e acrescenta que é importante para eles que a delegação "aprenda sobre as injustiças que os Estados Unidos fizeram com Cuba nos últimos 60 anos. As pessoas em Cuba tiveram que suportar um sofrimento infinito e desnecessário por causa desse bloqueio ilegal, que viola a lei internacional. Um bloqueio que não está ajudando nem o povo de Cuba, nem o povo dos EUA".

A cor da solidariedade

Desde o triunfo revolucionário de 1959, a Casa Branca tem procurado sufocar o caminho de autonomia que o processo político em Cuba assumiu. No entanto, também desde o início, muitos movimentos sociais dos EUA demonstraram sua solidariedade e simpatia com o processo cubano.

Menos de dois anos após a revolução, em 18 de setembro de 1960, uma delegação cubana encabeçada por Fidel Castro chegou a Nova York para participar de uma sessão extraordinária da Assembleia Geral da ONU.

Naquela época, as relações entre Washington e Havana já estavam se deteriorando e o governo dos EUA estava pressionando para que a delegação cubana fosse impedida de se hospedar no hotel onde planejava ficar.

Quebrando todos os protocolos, a delegação cubana decidiu aceitar o convite das comunidades negras para se hospedar em um pequeno hotel localizado em um bairro humilde de negros e latinos: o distrito do Harlem. Indignado com os maus-tratos à sua delegação, Fidel ligou para o Secretário-Geral da ONU para informá-lo de que eles iriam para "um hotel onde estão os humildes, porque a Revolução Cubana é a Revolução dos humildes, pelos humildes e para os humildes".

Com a chegada da delegação, as ruas do Harlem foram inundadas por milhares de pessoas, a maioria porto-riquenhos e negros, que, ultrapassando os postos de controle da polícia, foram mostrar sua solidariedade à revolução cubana. Entre a multidão se encontrava Malcolm X, uma figura importante na luta pelos direitos dos negros. Naquela mesma noite, Fidel Castro e Malcolm X tiveram um longo encontro, documentado pelo jornalista Ralph D. Matthews, em que os dois líderes expressaram sua admiração mútua: assim começou uma longa tradição de cooperação.

"A partir do Black Youth Project 100 (BYP100), nos sentimos parte da tradição das lutas negras radicais nos Estados Unidos. E uma coisa que aprendemos com nossos revolucionários do passado é que eles sempre foram solidários com o povo de Cuba. Isso faz parte da história de ser um jovem negro radical nos Estados Unidos", disse D'Antra 'Dee Dee' Jackson, diretora nacional do BYP100, ao Brasil de Fato.

O Black Youth Project 100 é uma organização de jovens que faz parte da delegação de estadunidenses que viajou à Cuba. O movimento popular luta pela igualdade racial e contra a violência policial contra a população negra.

Dee Dee, como é chamada por seus colegas, está entusiasmada com o fato de que, nos últimos anos, as lutas dos negros nos Estados Unidos voltaram a ganhar força entre os jovens. "Acho que para os jovens que nasceram na década de 1990 ou no início dos anos 2000, há pouca instrução sobre a história de outros países" mas ela imediatamente se corrige: "há até mesmo pouca educação sobre nossa própria história. E definitivamente há pouca informação sobre o que o governo dos EUA faz contra outros países. Acho que vir a Cuba, aprender com essa experiência, ter a oportunidade de conversar com as pessoas e ouvir, é parte do que precisamos fazer".

Como parte desse reconhecimento da história, Dee Dee acrescenta: "Cuba desempenhou um papel muito importante nas lutas pela independência na África e contra o Apartheid na África do Sul. Tudo isso faz de Cuba parte de nossa história”.

Pátria é Humanidade

"A solidariedade internacional ajuda a conectar nossas lutas. Isso nos faz entender que nosso inimigo comum é o imperialismo. E, ao mesmo tempo, gera mais apoio entre nós em nossas lutas", reflete Miriam Osman, membro do Movimento da Juventude Palestina, em conversa com o Brasil de Fato.

O Palestinian Youth Movement é uma organização internacional que reúne jovens palestinos que lutam pela libertação de seu país. Em cada uma das atividades e reuniões, Osman demonstra um interesse especial pelas relações internacionais de Cuba com outros povos do mundo.

"Apenas um pequeno exemplo dessas formas de apoio mútuo é que em Cuba há uma universidade para os palestinos poderem estudar e se tornarem médicos. Eles podem vir e estudar de graça. Essas formas de solidariedade internacional são a base sobre a qual podemos unificar nossas lutas e construir um futuro digno para todos os povos do mundo", diz Osman.

Desde sua fundação, a Escola Latino-Americana de Medicina (ELAM) já formou mais de 30.600 médicos de diferentes partes do mundo. Ela foi fundada em 1999, depois que o Caribe foi atingido pelos furacões George e Mitch, que causaram mais de 10.000 mortes. Naquela época, Cuba não só enviou médicos para os países afetados, mas também construiu essa universidade para treinar médicos desses países. Em poucos anos, o projeto se expandiu e começou a incorporar estudantes de todo o mundo.

"Muitos dos médicos que trabalham em Gaza ajudando nosso povo foram treinados nesta escola", explicaram estudantes palestinos à delegação dos EUA em sua visita à instituição.

"Uma das coisas que mais me tocou na relação entre Cuba e Palestina é algo que os cubanos repetem sem parar: solidariedade não é dar o que sobra, mas compartilhar o pouco que se tem", diz Osman.

Sanções

Nenhum outro país foi submetido a um bloqueio por tanto tempo quanto Cuba. Sanções que foram amplamente exacerbadas durante a pandemia, durante o governo de Donald Trump, e que continuam até hoje. Apesar do atual presidente dos EUA, Joe Biden, prometer reverter as "políticas fracassadas de Trump que infligiram danos aos cubanos" durante a campanha, não houve uma mudança de curso.

"Cuba é uma sobrevivente. E essa é a chave para entender por que devemos apoiar as lutas do povo cubano. Neste momento, eles estão lutando por suas vidas por causa do bloqueio. E o que temos de levar aos trabalhadores dos EUA é que o bloqueio está tentando sufocar os cubanos. E é o governo dos EUA o responsável por isso", diz Karla Reyes, integrante da coordenação nacional do Party for Socialism and Liberation, para o Brasil de Fato.

Reyes acredita que é importante ampliar o compromisso com essa causa dentro dos EUA. Por isso, seu partido decidiu fazer parte dessa delegação.

"Nós, como jovens que querem aumentar a conscientização nos EUA, precisamos ser capazes de enfrentar o governo e dizer: 'vocês estão assassinando nossa família em Cuba'".

Edição: Thales Schmidt