A gente começou o negócio nesse momento e a gente foi entendendo depois essas dificuldades
Para quem gosta de ler, passear em livrarias pode ser um programa que dura horas. Por isso, os estabelecimentos de pequeno porte lutam para manter as portas abertas. Em Fortaleza, por exemplo, apesar das dificuldades, as tradicionais livrarias se transformaram em um espaço de cultura e de encontro.
Além dos títulos impostos pelo curso de Ciências Sociais, a universitária Carolina Alves está sempre atrás de uma nova leitura.
"Eu sinto que [a leitura] deixa mais livre a questão da imaginação, porque nos filmes já tem aquilo ali. Nos livros a gente abre mais espaço para a imaginação. Eu gosto muito porque normalmente quando eu estou lendo um livro consigo quase que entrar, e eu acho esse processo muito legal", relata.
A internacionalista Luiza Filizola também integra o time de fanáticos por livros.
"Eu leio muito, acho que desde a pandemia [de covid-19] ainda mais. Mais de um livro por semana, e eu gosto muito de ler ficção, poesia, literatura."
Valentina tem 6 anos e ainda nem aprendeu a ler, mas já encontrou o seu jeitinho de decifrar as histórias dos livros – e explica como vai criando sua própria narrativa.
"A gente vê e vendo a gente lê. A gente faz a imagem, vê a imagem e pensa como é que pode ser", conta enquanto passa as páginas de um livro cheio de ilustrações e bonequinhos soltos, os quais ganham vida nas mãos da pequena. "Ô, dona cientista, por que esse sofá tem aranhas?", encena.
Resistência
Passear por entre as prateleiras, folhear um livro, escolher um título que nem estava na lista de leitura são experiências proporcionadas pela ida a uma livraria. Mas tem sido cada vez mais difícil manter este hábito, já que muitos desses espaços deixaram de existir. Principalmente essas livrarias de rua.
Na Avenida da Universidade, bairro universitário e cultural de Fortaleza, uma charmosa casinha de fachada simples abriga a Lamarca, um dos poucos espaços que ainda nadam contra a corrente para manter suas portas abertas. O espaço é aconchegante e por lá a compra de livros faz parte de uma experiência maior, já que é possível tomar um café, ouvir uma música ou marcar um encontro com os amigos.
Mirelle Costa é jornalista e escritora, e assim como ela muitos escritores independentes têm na Lamarca espaço aberto para expor suas publicações.
"Eu acho que a gente precisa cada vez mais de espaços como este aqui na Lamarca. A gente percebe que não se trata apenas da venda de livros, mas também de um espaço para agregar, de um espaço de convivência, que estimula a formação de um público leitor, então isso é muito importante, principalmente no nosso país", ressalta a jornalista.
Pandemia
A crise que assolou as grandes livrarias reverberou também nos pequenos negócios e a Lamarca surgiu justamente em um momento de forte crise do setor.
Guarany Oliveira, proprietário do estabelecimento, conta como foi difícil nascer em meio a esse contexto.
"A gente começou o negócio nesse momento e a gente foi entendendo depois essas dificuldades, então eu sempre coloquei recursos dentro da livraria e a gente foi sempre jogando xadrez com as contas", explica.
Mas o esforço deu certo, e o público foi chegando e se apropriando do espaço, que no início cabia em 20 metros quadrados. Público que virou fã e ajudou em diversos momentos difíceis da livraria.
"Essa visão do público faz com que a gente sempre, nos momentos de dificuldades, que a gente chega no limite de fechar ou não a livraria, receba ajudas, e ajudas assim: a presença, a compra desses clientes que faz com que a gente supere essas dificuldades momentâneas", celebra Guarany Oliveira.
Seis anos se passaram desde que a ideia de abrir um espaço físico para a venda de livros surgiu. Com o tempo, a estrutura melhorou e hoje a Lamarca conta com mais de 14 mil títulos disponíveis. Mas os desafios de manter uma das últimas livrarias de rua da cidade também acompanharam a história de resistência deste espaço.
"A crise causada pela pandemia para nós, especificamente, fez com que a gente não conseguisse manter a regularidade do pagamento das editoras e da reposição dos livros para os lançamentos. Então hoje, a principal dificuldade é a gente ter um capital para poder regularizar a situação da livraria e conseguir voltar a fazer pedidos mensais de reposição e ter os lançamentos, conseguir ter novamente uma relação comercial saudável com as editoras", revela Guarany.
Esse é também o desejo da comunicadora e frequentadora de livrarias, Yara Moura, que lamenta não ter mais espaços como a Lamarca na cidade.
"Tenho muito pesar que em Fortaleza a gente tenha poucos espaços de livrarias como a Lamarca, que é um espaço de encontro, de passeio, então sempre que eu posso venho aqui e acho que a gente poderia ter mais esses espaços. Enfim, são esses espaços de acolhimento, que você vem e faz um passeio. Comprar um livro faz parte desse passeio, mas não é só isso, é encontrar com a cidade, é estar na cidade. Sinto muita falta, seria ótimo se tivesse mais Lamarcas, uma Lamarca em cada bairro", deseja Yara.
Edição: Daniel Lamir