TRÊS POR QUATRO

'Quem manda no Brasil é o poder econômico, não é o fuzil', diz João Pedro Stédile

Por burrice ou vaidade, militares se expuseram e Brasil tem oportunidade de rever o papel deles

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Para a especialista Ana Penido, as Forças Armadas têm como principal característica a vaidade e a impunibilidade - Reprodução/Marcos Corrêa/PR-Divulgação

"Será que os milicos são tão burros? Porque sempre apareceu na sociedade como eles são inteligentes. Apareciam como uma elite da inteligência burguesa brasileira. O que eles fizeram no governo Bolsonaro, pelo menos aqueles 8 mil que foram para lá, eram de uma ignorância e de uma burrice que impressionava. Como é que um general pode se comportar desta maneira?”. O questionamento, no segundo episódio da 3ª temporada do podcast Três por Quatro, veio de João Pedro Stédile, economista e liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), analisando a atuação de militares em altos cargos do Governo Federal, nos últimos quatro anos.

Nesta edição, os jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho também receberam a professora Ana Penido, pesquisadora do Observatório da Defesa e Soberania Nacional do Instituto Tricontinental, que acredita que os militares “não são burros”, mas sim monitoram e se adaptam àquilo que lhes interessa.

“Eu não acho que eles são burros não, não acho mesmo. E acho que eles têm um serviço de inteligência que monitora o que eles entendem como inimigo. Dificilmente eles não sabiam o que estava acontecendo com o Cid e com os outros coronéis. Porque eu acho que a gente ainda nem começou a abrir a caixa de pandora”, analisa a pesquisadora.

Ouça o episódio:

Nos últimos meses, as instituições federais atuaram alinhadas para entender os atos golpistas do dia 8 de janeiro, que depredaram as sedes dos Três Poderes e atentaram contra o Estado Democrático de Direito. Toda essa mobilização abriu caminhos para outras polêmicas envolvendo militares no governo anterior. Como no caso do ex-Ajudante de Ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, investigado no caso da falsificação de dados de vacinação e, também, no caso das joias vindas da Arabia Saudita.

As expectativas estão voltadas para a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) dos Atos Antidemocráticos, ainda sem data para ser instaurada, mas que já causa nervosismo em Brasília. A professora Ana Penido se mostrou confiante ao dizer que, se for o caso, os militares não teriam problema “em rifar o Bolsonaro”. Ela afirmou ainda que a figura do ex-presidente é apenas um “produto” para as Forças Armadas e que a fidelidade dos militares é entre eles, assim como, “a fidelidade de Bolsonaro é a família dele, os filhos”.

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Segundo Ana Penido, uma das táticas das Forças Armadas para manter uma boa imagem perante a população é utilizar pequenos atos concretos para atenuar outros, como se dissessem: “olha como uma parte de nós é legal, como a gente faz coisa boa”.

A especialista apontou que as Forças Armadas têm como principal característica a vaidade e a certeza de impunidade. “Tem duas coisas que militar de forma geral é. A primeira, eles são muito, muito vaidosos. É uma ideia de que sempre tem alguém fazendo algo pra você, quando você chega no topo da carreira. Isso é muito vaidoso. Então, quanto mais alto você está, maior é o seu tombo. E isso é uma característica de forma geral dos militares de alta patente, a vaidade. E uma segunda dimensão é a impunibilidade. Acho que esses dois sentimentos predominam, o da vaidade e o de eu não vou ser punido. E se eu for ser punido, serei punido entre os meus”, explicou.

Durante a conversa, o comentarista João Pedro Stédile questiona a imagem nacionalista criada pelos militares ao longo da história do Brasil. Segundo ele, não é bem assim. “Os fatos demonstram que as Forças Armadas brasileiras sempre estiveram subordinadas aos interesses dos Estados Unidos”, afirma.

A liderança do MST também questionou o autoproclamado poder que os militares brasileiros acreditam ter sobre a política nacional. “Quem manda no Brasil é o poder econômico, não é o fuzil, é a burguesia brasileira. Foram eles que deram o golpe contra a Dilma, não foram os militares. Foram eles que sustentaram o Temer, apesar de ser um governo notoriamente corrupto. Foram eles, a burguesia, que colocou Bolsonaro. Eles apelaram para o Bolsonaro depois que a terceira via fracassou. O ideal para a burguesia era ter um civil, um [João] Dória, um [Eduardo] Leite, alguém mais palatável, que ia aplicar o mesmo projeto ultra neoliberal”.

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Para a professora Ana Penido, independente da opinião da esquerda politizada, a população brasileira, no geral, “sempre achou que as Forças Armadas eram boas". Por isso, ao se colocarem como personagens importantes na gestão de Jair Bolsonaro, "eles foram para a vidraça, começaram a tomar as pedras, algumas pedras são deles próprios, outras são derivadas da associação que eles fizeram com o governo", afirmou.

Conferência de defesa

De olho no futuro da política brasileira, ambos, João Pedro Stédile e Ana Penido, apostam na esperteza da população. Para o líder do MST, “a burguesia brasileira não vai apelar para mais um milico em 2026”.

Segundo a pesquisadora do Observatório da Defesa e Soberania Nacional do Instituto Tricontinental é preciso avançar na criação de uma conferência nacional de defesa na área de segurança pública. “Não é discutir Forças Armadas, é discutir que país a gente quer ser no mundo, qual defesa a gente precisa para ser um país grande no mundo; e aí sim, de que tipo de Forças Armadas a gente precisa nessas características de defesa”, explica.

O podcast Três por Quatro é apresentado por Nara Lacerda e Igor Carvalho, que atuam na equipe de jornalismo do Brasil de Fato. Novos episódios são lançados toda sexta-feira pela manhã.

 

Edição: Rodrigo Gomes