Após o golpe de 2014

Tailândia elege oposição antigoverno militar, que deve enfrentar dificuldades para governar

Partidos oposicionistas conquistam mais de três quintos dos assentos da Câmara dos Deputados

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Pita Limjaroenrat, líder do partido "Avançar" da Tailândia - Reprodução / Partido Move Forward, da Tailândia

O cenário político da Tailândia vive uma mudança profunda após os resultados eleitorais indicarem uma rejeição esmagadora das forças pró-governo e pró-militares. Segundo os resultados preliminares divulgados até o momento, os partidos de oposição, incluindo o partido Move Forward (Avançar, em português), garantiram mais de três quintos dos assentos na Câmara dos Deputados.

No entanto, as forças do establishment parecem estar em melhor posição para formar o governo e por terem controle sobre o Senado. As eleições foram realizadas no domingo (14) e 99,4% das cédulas foram apuradas até esta segunda (15).

Embora os resultados finais ainda não tenham sido divulgados - 100 dos 500 assentos são destinados à votação por lista partidária -, está nítido que os partidos contrários à junta militar possuem uma explícita liderança. O Partido Move Forward, que emergiu como o maior bloco político, deve garantir 152 assentos, seguido pelo Partido Pheu Thai com 141 assentos, sem que nenhum outro partido chegue perto de um número de três dígitos de cadeiras.

Enquanto isso, os partidos pró-junta e conservadores perderam terreno considerável. O Partido da Nação Tailandesa Unida, do atual primeiro-ministro Prayut Chan-o-cha, ficou em um distante terceiro lugar em termos de votos partidários e é apenas o quinto maior partido em número de assentos. Espera-se que ele alcance 36 cadeiras no total.

Além do Bhumjaithai, que está em um distante terceiro lugar, com cerca de 70 cadeiras, nenhum dos outros parceiros da coalizão governista, incluindo o Partido Palang Pracharat e o Partido Democrata, deverá obter um décimo das cadeiras.

É interessante notar que o Pheu Thai, que está associado à proeminente família Shinawatra, não é mais o maior bloco político no parlamento. Desde 2001, o partido e seus antigos avatares, incluindo o Thai Rak Thai e o People's Power Party, venceram completamente ou garantiram o maior número de cadeiras.

O curioso caso do Move Forward

O Move Forward é um partido relativamente recente. Nas eleições gerais de 2019, seu antecessor, o Partido Futuro, sob o comando de Thanathorn Juangroongruangkit, fez uma grande estreia ao conquistar 81 cadeiras.

O Move Forward cresceu e mudou desde então. Apesar de ter sido fundado com um aporte financeiro, como o dado pelo bilionário Thanathorn, o Futuro conseguiu reunir sob sua proteção vários movimentos sociais e organizadores de base. 

Isso mobilizou uma parcela significativa dos apoiadores tradicionais do Pheu Thai, que estavam desiludidos com o domínio da dinastia sobre o partido e com a distância calculada da agremiação em relação às vítimas das violentas consequências dos golpes de 2006 e 2014. 

Em 2023, mesmo que o Move Forward tenha mantido vários de seus planos de campanha originais de 2019, houve uma mudança significativa em seu projeto político. Um exemplo disso é a sua expansão sem precedentes na Grande Bangkok, capital, e na região leste do país, adjacente ao Golfo da Tailândia.

Essas duas regiões - redutos historicamente conservadores e pró-monarquistas - proporcionaram uma vitória inesperada para o Move Forward, que alcançou 79 de 94 distritos eleitorais. Esses locais representam, atualmente, mais da metade da participação total do partido no parlamento, o que indica uma mudança fundamental em seu padrão de atuação.

Além disso, o fato de o partido ter incluído várias figuras dos protestos antigovernamentais como organizadores de campanha e candidatos, e também seu foco na democratização, nas reformas da monarquia e na desmilitarização do governo, criou uma base em sua maioria urbana que não se associa a políticas e organizações de base de longo prazo, mas se envolve com políticas de curto prazo. A posição do Move Forward sobre questões internacionais também não é clara. Observadores especulam que o partido pode adotar uma postura muito mais pró-EUA.

A oposição pode formar o governo?

No entanto, a principal questão continua sendo quem formará o próximo governo. Encorajado pelos resultados das eleições, na segunda-feira (15), o líder do Move Forward e candidato ao cargo de primeiro-ministro, Pita Limjaroenrat, anunciou uma coalizão de oposição com o Pheu Thai para formar o próximo governo. A composição da coalizão foi confirmada por Paethongtarn Shinawatra, do Pheu Thai.

Espera-se que a articulação proposta inclua o Prachachart, um partido proeminente nas províncias do sul dominadas pelos muçulmanos, o Thai Sang Thai, liderado pelo ex-líder do Pheu Thai, Sudarat Keyuraphan, e o Partido Liberal Tailandês. Os cinco partidos juntos têm 308 cadeiras.

Mas a constituição atual, elaborada pela antiga junta militar sob o comando de Prayut Chan-o-cha em 2017, exige que o primeiro-ministro seja eleito em uma sessão conjunta do Congresso Nacional de 250 membros.

O Senado atual é composto inteiramente por pessoas indicadas pelo Conselho Nacional de Paz e Ordem (CNPO), a junta militar que assumiu o poder em 2014, destituindo o governo populista Pheu Thai de Yingluck Shinawatra. Embora o CNPO esteja atualmente extinto, seus senadores nomeados podem ocupar o cargo até 2024.

Em tal situação, qualquer coalizão que espere impedir que o establishment militar decida o próximo governo precisaria de uma supermaioria de 376 assentos na Câmara dos Deputados.

Apesar de sua vitória, os partidos anti-junta militar ainda estão muito aquém dos assentos necessários para formar o próximo governo por conta própria.

Para além disso, os senadores já começaram a fazer declarações públicas indicando sua desaprovação a qualquer futuro governo que pretenda reformar a monarquia. Na última segunda-feira (15), dois senadores deixaram claro que votarão contra a candidatura de Pita ao cargo de primeiro-ministro devido a sua campanha para reformar as rigorosas leis de lesa-majestade do país.

Além disso, mesmo que uma coalizão liderada pelo Move Forward consiga chegar ao poder, sua sustentabilidade no sistema atual é altamente suspeita. As elites governantes conservadoras cívico-militares da Tailândia, auxiliadas pelo judiciário do país, muitas vezes garantiram que a influência política dos militares permanecesse intocada por qualquer governo popular democraticamente eleito.

Governos eleitos foram derrubados e partidos políticos foram dissolvidos à força com base em acusações falsas sempre que pressionaram por reformas políticas.

Muitos se mostraram preocupados com o risco de um novo golpe de Estado, caso Pita, com seu apoio vocal aos protestos democráticos de 2020 e 2021 e promessas de grandes reformas políticas, consiga assumir o cargo de primeiro-ministro.

Qual o destino de Prayut?

Ao mesmo tempo, a coalizão governista está atualmente em crise, embora esteja melhor posicionada institucionalmente para formar um governo. 

Uma coalizão pró-junta militar precisaria apenas de 126 votos na Câmara para eleger um primeiro-ministro. Na situação atual, os partidos pró-governo combinados têm 193 assentos, o que, juntamente com os 250 votos do Senado, poderia facilmente ajudá-los a formar um governo próprio.

Mas a intensa rivalidade política entre as fileiras da coalizão governista, testemunhada nos meses que antecederam a eleição, os impede de avançar com uma coalizão própria.

Prayut, apesar de sua popularidade entre os eleitores conservadores, teve uma votação muito pior do que a de alguns de seus parceiros de coalizão. Além disso, sua desavença pública com o atual líder do Palang Pracharat, Prawit Wongsuwan, e sua dramática saída do partido apenas um mês antes das eleições tornam muito improvável que ele continue como primeiro-ministro ou mesmo faça parte do próximo governo.

* Traduzido por Flávia Chacon