Geopolítica

China e países da Ásia Central estreitam laços em primeira cúpula presencial em trinta anos

C+C5 foi o "primeiro grande evento diplomático" de 2023 para a China e amplia diálogo na região

Pequim|China |

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Presidente chinês, Xi Jinping, preside a primeira cúpula presencial China-Ásia Central, em Xi'an, província de Shaanxi, no noroeste da China, 19 de maio de 2023 - Ding Haitao - Xinhua

A China foi um dos primeiros países a estabelecer relações diplomáticas com as cinco repúblicas da Ásia Central em 1992. Trinta e um anos depois, os presidentes do Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão e China realizaram sua primeira cúpula presencial. 

A cúpula foi realizada em Xi'an, capital da província de Shaanxi, nos dias 18 e 19 de maio. Antes chamada de Chang'an, a cidade foi o ponto de partida da antiga Rota da Seda, uma rede de trajetos que conectava os povos da região euroasiática há mais de 2 mil anos. Já a Nova Rota da Seda, que completará 10 anos em setembro deste ano, foi inaugurada no Cazaquistão, a maior economia da Ásia Central. 

O comércio da China com os cinco países da região atingiu o equivalente a quase R$ 350 bilhões em 2022, e já no primeiro trimestre deste ano registrou uma expansão de 22%. Um dos resultados da reunião foi a criação do Mecanismo da Cúpula China-Ásia Central, que será bienal, e terá o Cazaquistão como sede em 2025.

Para o professor da Escola de Política e Relações Internacionais da Universidade de Lanzhou, Zhu Yongbiao, o espaço criado era uma necessidade nas relações entre as seis nações. “Nunca houve tal mecanismo antes para tratar conjuntamente a relação entre a China e os cinco países da Ásia Central. Embora exista a Organização de Cooperação de Xangai, o Turquemenistão, por exemplo, não é membro dela. E a Organização de Cooperação de Xangai também está em um processo de expansão contínua. Assim, se a China e a Ásia Central realizam esse tipo de cooperação multilateral no âmbito dessa organização, a importância da Ásia Central, pode ficar  até certo ponto diluída.”

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Wang Wenbin, afirmou que a cúpula seria o "primeiro grande evento diplomático” que a China sediaria este ano, em coletiva de imprensa no dia 8 de maio, e que inauguraria uma “nova era de cooperação” entre os países. 

“A Ásia Central desempenha uma posição muito importante na Nova Rota da Seda, seja como parte fundamental para a conexão entre Europa e Ásia ou pelo conjunto de políticas econômicas ou sociais coordenadas entre a China e a região”, avalia Zhang Xin, vice-diretor do Centro de Estudos da Rússia da Universidade Normal do Leste da China. 

Segundo um relatório elaborado pelo Banco Mundial, até 2030, a Nova Rota da Seda pode contribuir para tirar 7,6 milhões de pessoas da extrema pobreza e 32 milhões de pessoas da pobreza moderada. Na cúpula, Xi Jinping afirmou que a China fornecerá 26 bilhões de yuans (cerca de R$ 18,4 bi) em ajuda financeira aos países da Ásia Central para apoiar sua cooperação e desenvolvimento.

Em 2022, o investimento direto da China nos países da Ásia Central atingiu o equivalente a quase R$ 74,5 bilhões. As exportações chinesas na região atingiram uma média mensal de R$ 49,6 bilhões, o que quase triplica as cifras do período anterior à pandemia.

O presidente do Cazaquistão, Kassym-Jomart Tokayev, afirmou que há condições para que o comércio entre a região e o gigante asiático aumente para quase R$ 500 bilhões até 2030. 

A importância econômica e comercial da Ásia Central

Fatores como a crise na Ucrânia e as sanções econômicas impostas à Rússia, que têm impactado nas cadeias de abastecimento, são algumas das razões pelas quais a região da Ásia Central vem adquirindo uma importância crescente. A realização da cúpula deverá dar um impulso ainda maior, por exemplo, ao projeto da ferrovia China-Quirguistão-Uzbequistão. 

O projeto vem sendo debatido desde a década de 1990 entre os três países, mas voltou realmente ao debate no ano passado, com um Acordo de Cooperação trilateral na 22ª Cúpula da Organização de Cooperação de Xangai, realizada em setembro.

Um eixo da relação econômica entre os países é o energético. Em 2022, dois terços das importações que a China fez de gás via gasodutos vieram da Ásia Central. O gasoduto China-Ásia Central foi inaugurado em 2009, e é composto por três linhas de 1.833 km de extensão que vão do Turcomenistão até a Região Autônoma de Xinjiang, na China. Em um de seus oito pontos para fortalecer os laços econômicos, Xi Jinping defendeu que a construção da Linha D desse gasoduto, já em andamento, seja acelerada. 

O presidente chinês também defendeu a diversificação na cooperação energética, incluindo novas energias e o uso pacífico da energia nuclear. Para o vice-diretor do Centro de Estudos da Rússia da Universidade Normal do Leste da China (UNLC), Zhang Xin, esse foi um aspecto importante da reunião. “Como resultado desta cúpula, foram incluídos muito mais novos setores e esferas econômicas, particularmente aquelas que podem ser chamadas de verdes ou digitais. Portanto: digital e verde. Esses adjetivos agora estão sendo adicionados a muitos dos setores econômicos em que China e Ásia Central colaboram”. 

O analista Zhu Yongbiao considerou essa dimensão inovadora e um dos motivos que explicam porque as relações entre esses países entraram em uma “nova era”: “As principais áreas de comércio entre a China e a Ásia Central estavam de fato concentradas no campo dos recursos de petróleo e gás. Mesmo no campo da energia, foi claramente proposto construir uma cooperação em toda a cadeia industrial. Os dois lados podem estar mais conectados não apenas nos recursos de petróleo e gás, mas também na utilização de energia solar e eólica, e o desenvolvimento de energia nuclear e recursos hidrelétricos”.

O professor de Política e Relações Internacionais da UNLC, Josef Gregory Mahoney, também destacou a ênfase dada ao desenvolvimento do corredor de transporte internacional transcáspio, entre outras iniciativas que podem impulsionar a conectividade e o comércio entre Ocidente e Oriente. “Em termos de desenvolvimento de infraestrutura adicional, o presidente Xi afirmou que a China apoia a construção de um Corredor de Transporte Internacional do Mar Cáspio, e que trabalhará para melhorar a construção de centros e serviços de trem de carga China-Europa. Esses desenvolvimentos provavelmente complementarão os novos esforços para atualizar os portos existentes que atendem ao comércio entre a China e a Ásia Central, com a China também incentivando as empresas a construir mais armazéns nos países da Ásia Central”, explicou o acadêmico. 


A rota de transporte transcáspio começa no sudeste da Ásia e na China, atravessa o Cazaquistão, o mar Cáspio, o Azerbaijão, a Geórgia e outros países europeus / Middle Corridor

Segurança regional e global

O presidente chinês propôs quatro princípios para a construção das relações entre a região da Ásia Central e a China, sendo um deles a segurança universal. Xi Jinping defendeu que os países se mantenham firmes contra tentativas externas de interferência nos assuntos internos dos países da região, assim como as de provocar “revoluções coloridas”.

A China vem adquirindo um papel cada vez mais ativo no diálogo sobre paz e estabilidade, tanto na Ásia como no Oriente Médio. Em março, um acordo mediado pela China levou à retomada dos laços diplomáticos entre a Arábia Saudita e o Irã, em um movimento bastante inesperado. Recentemente, ao retomar o mecanismo de cooperação tripartite com Afeganistão e Paquistão, a China pediu compromisso para combater o terrorismo na região.

“Há muito tempo a China se preocupa com a segurança ou a estabilidade na Rússia. Era assim com a União Soviética. Em 1956, Mao Zedong previu que a União Soviética entraria em colapso, ele explicou o porquê, e estava amplamente correto. Na década de 1980, antes da URSS entrar em colapso, os planejadores estratégicos chineses estavam muito preocupados com a possível queda da base soviética na Síria, que impedia a entrada do Ocidente na Ásia Central”, explica Mahoney.  

O pesquisador afirma que esse contexto, somado à presença dos EUA na Síria e no Paquistão (com a invasão ao Iraque e ao Afeganistão), permite entender a China trabalhando muito próxima à Rússia, em espaços como a Organização de Cooperação de Xangai (OCX), para “expulsar o poder dos EUA, para empurrar as bases aéreas adicionais que os EUA construíram em algumas das ex-repúblicas soviéticas, e então iniciar mais projetos de desenvolvimento e, neste caso, a China promovendo a iniciativa da Nova Rota da Seda como forma de trazer paz, trazer segurança”. 

A cúpula foi realizada quase ao mesmo tempo que a reunião do G7, cuja declaração final conteve diversas acusações contra Pequim, incluída a de “coerção econômica”. O grupo também pediu que a China pressione a Rússia para “parar sua agressão militar e retirar imediatamente, completa e incondicionalmente suas tropas da Ucrânia”. 

Em resposta, a China disse que o G7 está “dificultando a paz internacional, minando a estabilidade regional e restringindo o desenvolvimento de outros países”. Sobre a acusação de "coerção econômica", o ministério das Relações Exteriores da China afirmou que “as sanções massivas unilaterais e os atos de "dissociação" e interrupção das cadeias industriais e de suprimentos fazem dos EUA o verdadeiro coator que politiza e utiliza as relações econômicas e comerciais como arma”. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho