De olho em Curitiba

Cassação e afastamento: Lava Jato perde poder político, mas recupera força na Justiça

Uma semana depois da cassação de mandato de Dallagnol, Tribunal afasta juiz que apurava crimes da Lava Jato

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Juiz federal Eduardo Appio foi afastado da vara em que tramitam processos da Lava Jato - Divulgação/Justiça Federal do Paraná

Os últimos dez dias foram de reviravoltas para os integrantes da chamada "República de Curitiba". Na terça-feira passada (16), o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) cassou o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), que chefiou a operação Lava Jato antes de entrar oficialmente na política. Já nesta segunda-feira (22), o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) afastou cautelarmente o juiz Eduardo Appio de suas funções na 13ª Vara Criminal de Curitiba, onde tramitam os processos da operação.

As duas decisões reposicionaram o lavajatismo no cenário nacional. Com Dallagnol fora do Congresso, a operação perdeu força na política institucional – área em que ela oficialmente entrou em 2022, com a eleição do próprio ex-procurador e também do ex-juiz Sergio Moro (União-PR) para o Senado. Em compensação, a Lava Jato retomou espaço no Judiciário após o afastamento de Appio e blindou-se, por ora, de suspeitas sobre ela.

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Appio assumiu a 13ª Vara de Curitiba em fevereiro deste ano. Desde então, mostrou-se disposto a ouvir investigados pela Lava Jato que sempre reclamaram estarem sendo vítimas de perseguição ou de abusos da operação. Convocou a prestar depoimento, por exemplo, o advogado Rodrigo Tacla Duran, que diz ter sido extorquido pela operação.

As acusações de Tacla contra a Lava Jato foram encaminhadas por Appio para apuração no Supremo Tribunal Federal (STF), pois citavam o senador Moro e Dallagnol, que era deputado e tinha direito a foro privilegiado. Com isso, reforçaram a necessidade de apuração de eventuais crimes cometidos pelos então membros da Lava Jato.

Appio, porém, foi afastado cautelarmente. Ele é suspeito de acessar o sistema de Justiça Federal para obter o telefone de um advogado que é filho de um desembargador do TRF-4 e questioná-lo sobre impostos numa chamada. O telefonema foi visto como uma ameaça.

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Sem Appio na 13ª Vara, quem reassumiu a condução dos processos da Lava Jato foi a juíza substituta Gabriela Hardt, que trabalhou com Moro. Hardt já julgou processos reforçando entendimentos do ex-colega. Condenou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) transcrevendo trechos de decisão escrita por Moro. Por seu histórico profissional, ninguém acredita que ela continuará dando vozes a críticos da operação. Tacla, aliás, lamentou e criticou o afastamento de Appio em entrevista ao UOL.

O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também criticou a decisão do TRF-4, em nota. Ele denuncia abusos da Lava Jato há anos. Segundo Kakay, o afastamento de Appio demonstra que a Lava Jato segue ativa nos bastidores.

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"Afastar o juiz de sua jurisdição por um ato que, ao que tudo indica, não tenha gravidade suficiente para tal, é um abuso inominável. É o judiciário desdenhando do judiciário", disse. "É lamentável que essa discussão sobre o poder da ainda existente Lava Jato, pois essa decisão demonstra claramente que a Lava Jato ainda está viva, possa de certa forma fazer as pessoas duvidarem da seriedade do Poder Judiciário."

Tânia Mandarino, integrante do coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (Caad), também acredita que a Lava Jato segue viva, apesar das suspeitas contra a operação e da cassação de Dallagnol. Ela reforçou que o afastamento de Appio e sua substituição por Hardt devem reduzir a pressão sobre a operação temporariamente.

"A Lava Jato recuperou poder [na Justiça], mas na minha avaliação essa situação é temporária", disse ela, em entrevista ao Brasil de Fato.

Tânia também afirmou que, apesar do desgaste, o poder da Lava Jato ainda é considerável. Pode, portanto, causar problemas a seus adversários.

"A Lava Jato é um monstro, um dragão morrendo. Ele está abanando o rabo. Ainda pode destruir bastante coisa no caminho", disse.

A Justiça Federal do Paraná, onde trabalha Appio, não comentou seu afastamento. Appio já declarou que confia que seu caso será revertido.

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Dallagnol já participou de atos em Curitiba realizados em seu apoio. Ele já declarou estar indignado com a cassação de seu mandato e que vai "lutar pelo meu propósito de vida de servir a Deus e ao povo brasileiro".

Moro tem demonstrado apoio a Dallagnol e criticado Eduardo Appio.

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Edição: Nicolau Soares