Mais 5 anos

Erdogan reeleito: Turquia deve continuar a 'estressar' Oriente e Ocidente, diz pesquisadora

Atual presidente conquista novo mandato apesar de alta da inflação e desvalorização da moeda nacional

São Paulo (SP) |

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Erdogan durante seu discurso da vitória, em Ancara - Adem Altan / AFP

Recep Tayyip Erdogan ganhou mais uma vez. O atual presidente da Turquia foi reeleito neste domingo (28) após derrotar o candidato centrista Kemal Kilicdaroglu com 26,8 milhões de votos, contra 24,7 milhões de seu adversário. Sua coalizão também terá maioria no Parlamento e a nova vitória deve significar uma diminuição das liberdades no país e fortalecer a política externa pouco comum de Erdogan, afirma a pesquisadora Monique Sochaczewski, professora Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP) ao Brasil de Fato.

"O Erdogan desde o primeiro turno ficou tentando impingir algumas marcas na oposição: 'Ah, são terroristas, ou apoiadores de terroristas' porque [a oposição] teria apoio dos curdos. Ou são 'todos gays e LIGBTQIA+'. Isso foi muito usado, ontem no discurso de vitória ele disse que os 'apoiadores do LGBTQIA+ não entendem o que é a família tradicional'", disse Sochaczewski.

Primeiro-ministro entre de 2003 a 2014, Erdogan deixou o cargo de premiê ao ser eleito presidente. Desde então, ganhou três eleições. O pleito deste ano é o primeiro que precisou ir para o segundo turno. A oposição conseguiu costurar uma incomum coalizão de seis partidos, a moeda, a lira turca, despencou sua cotação frente ao dólar, a inflação disparou e um terremoto matou 50 mil pessoas no país no início do ano. Ainda assim, o atual presidente foi reeleito.

Para Sochaczewski, a censura sobre a imprensa ajuda a explicar o resultado e a derrocada econômica teve seu "custo", mas não foi suficiente para mudar o resultado.

"Quando o Erdogan assumiu o poder, foi com a economia em frangalhos e uma péssima gestão de um terremoto. Ele foi eleito em 2002 e assumiu em 2003, e nos anos iniciais o governo dele foi muito bem economicamente: diversificou a economia turca, fez grandes projetos de infraestrutura e isso funcionou durante um tempo. Mas nos últimos cinco anos, a economia vem desandando", diz a professora do IDP. "A gente tem aquela frase: 'é a economia, estúpido', que se falava para explicar eleições e processos políticos mundo afora. No caso da Turquia, não foi. Tem a ver com controle da narrativa e identidade politico-religiosa."

A pesquisadora destaca a perseguição contra a oposição e diz que o carismático prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, pode ser preso no futuro — e essa não seria a primeira detenção de um oposicionista na Turquia. Sochaczewski afirma que Erdogan é um político de extrema direita.

Turquia é país estratégico na geopolítica mundial

Ao mesmo tempo, a Turquia consegue ser um ator relevante da política do Oriente Médio, Europa e da Ásia. O amplo leque de alianças do país mostra parte dessa capacidade: o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o chamou de "querido amigo" em mensagem após a vitória eleitoral e o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou esperar continuar "trabalhando juntos como aliados da Otan".


Em verde, a posição da Turquia no mapa. / Wikimedia Commons

Apesar da Turquia fazer parte da aliança militar liderada pelos EUA, a Otan, o país tem uma usina nuclear - exclusivamente para a produção de energia, não podendo ser convertida para fins militares -  construída pela estatal russa Rosatom e compra o sistema antimísseis russo S-400 de Moscou. Erdogan, inclusive, mediou um acordo junto com a Organização das Nações Unidas (ONU) com a Ucrânia e a Rússia para escoar a produção de grãos ucraniana durante a guerra que o país atravessa.

"Acabada a Guerra Fria, durante muito tempo a narrativa turca era mais ocidental. A estratégia de Erdogan, há muito tempo, tem sido estressar o Ocidente com o Oriente. Ele joga um pouco a Rússia contra os EUA, querendo tirar o máximo de ambos. Isso tinha sido um pouco a estratégia dele desde o começo. Mas eu diria que desde os últimos anos, talvez 2016 quando houve uma tentativa de golpe contra ele, e o Ocidente ao invés de entender que houve uma tentativa de golpe, foi criticá-lo, ele vai se aproximando da Rússia", diz Sochaczewski.

Para o futuro, a professora do IDP acredita que Erdogan deve continuar apostando nos atritos entre Oriente e Ocidente e se aproximar cada vez mais de "uma autocracia nos moldes mais asiáticos".

Edição: Rodrigo Durão Coelho