NOVA ORDEM MUNDIAL

Chanceleres se esquivam de polêmica sobre ida ou não de Putin à cúpula do Brics

Reunidos na África do Sul, eles tentam destacar a importância de reequilibrar as forças na governança global

São Paulo (SP) |
Ministros de Relações Exteriores preferiram concentrar suas atenções na construção de uma nova ordem multipolar - Rodger Bosch/AFP

Ministros de Relações Exteriores dos países do Brics estão reunidos na Cidade do Cabo (África do Sul) para debater as possibilidades de promover um novo equilíbrio da ordem mundial, que dê mais voz e vez aos países do Sul Global. Porém, a pauta principal do encontro sofreu a concorrência, no primeiro dia de conversas, de outro tema: se o presidente da Rússia, Vladimir Putin, vai participar ou não da reunião de cúpula do grupo, marcada para agosto, em Joanesburgo.

A África do Sul convidou Putin em janeiro. Em março, o Tribunal Penal Internacional (TPI) o condenou por crimes de guerra, sob acusação de deportar à força para a Rússia crianças de territórios ocupados na Ucrânia. Como a África do Sul é signatária do TPI, em tese o presidente russo deveria ser preso caso pisasse no país.

"O presidente (Cyril Ramaphosa) vai indicar qual a posição final da África do Sul sobre esse tema", afirmou a ministra sul-africana, Naledi Pandor. "Nós convidamos todos os chefes de Estado do Brics (acrônimo para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)".

Putin ainda não confirmou se estará presente. O Kremlin informou apenas que a Rússia estará representada.

Na coletiva de imprensa que ocorreu em seguida, os ministros procuraram se esquivar de questões sobre esse assunto e se concentrar na construção de uma nova ordem multipolar.

O indiano Subrahmanyam Jaishankar falou sobre a concentração de poder econômico, que "deixa muitas nações à mercê de algumas poucas", e cobrou a reestruturação dos fóruns de tomada de decisão, incluindo o Conselho de Segurança das Nações Unidas. "Velhos métodos não conseguem endereçar novas situações. Somos um símbolo da mudança. Precisamos agir". O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem batido constantemente nessa tecla.

Ampliação

O Brics, que já foi visto como um grupo sem coesão, formado por economias emergentes díspares, hoje é cobiçado por muitos países. Recentemente, Anil Sooklal, representante da África do Sul no grupo, afirmou que mais de vinte nações já manifestaram interesse em aderir. Nessa quinta-feira (1), a ministra Pandor disse que estudos ainda precisam ser feitos sobre a ampliação e que um relatório sobre isso deve ser apresentado na reunião de cúpula.

O vice-ministro de Relações Exteriores da China, Ma Zhaoxu, disse que o crescimento do bloco aumentaria sua influência e poder para servir aos interesses dos países em desenvolvimento. Irã, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Cuba, República Democrática do Congo, Comores, Gabão e Cazaquistão enviaram representantes à Cidade do Cabo para uma reunião apelidada de "Amigos dos Brics", da qual Egito, Argentina, Bangladesh, Guiné-Bissau e Indonésia participaram virtualmente.

O chanceler brasileiro, Mauro Vieira (segundo na foto a partir da esquerda, de terno marrom), descreveu os Brics como um "mecanismo indispensável para a construção de uma ordem multipolar que reflita as necessidades dos países em desenvolvimento".

Brics e G7

O Brics é visto por alguns como um contrapeso ao G7, que reúne as economias mais ricas do Ocidente e o Japão. Sob essa lógica, Rússia e China poderiam estar buscando no Brics um ponto de apoio para contrabalançar a influência do G7, já que a conjuntura atual é de crescente rivalidade entre o Ocidente e esses dois países.

O sul-africano Anil Sooklal diz discordar desse ponto de vista. Para ele, o Brics nunca competiu com outros blocos nem fez contrapeso ao G7. O objetivo principal, segundo ele, é servir aos interesses dos países-membros e do Sul Global.

Os países do Brics têm, juntos, uma população de mais de 3,2 bilhões de pessoas, ou seja, cerca de 40% da população mundial — ante 10% do G7. Quando o assunto é PIB (Produto Interno Bruto), o Brics representa 31,4% e supera o G7, que caiu de 50,4% em 1982 para 30% (dados de 2020).

* Com informações de Reuters, BBC e jornal O Globo.

Edição: Thales Schmidt