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Tarcísio ignorou PF e Funai ao acionar apenas PM em ato de indígenas, aponta Defensoria

Polícia Militar não tem competência para atuar dentro de TI; SSP alega que há previsão constitucional para atuação

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Polícia Militar entra em aldeia Guarani Mbya sem mandado judicial na madrugada desta quarta (31) - Divulgação

O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (NCDH) questionou o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) sobre o uso da Polícia Militar (PM) em território indígena, sem o acionamento da Polícia Federal e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

Em um ofício enviado em conjunto com organizações da sociedade civil ao secretário de Estado da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, e ao procurador-geral de Justiça do estado, Mário Luiz Sarrubbo, o núcleo solicitou, em 1º de junho, informações sobre a atuação das forças de segurança contra o povo Guarani Mbya, da Terra Indígena Jaraguá, nos dias 30 e 31 de maio de 2023. 

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Os indígenas Guarani foram reprimidos com gás lacrimogêneo, jatos de água e tiros de balas de borracha pela Polícia Militar de São Paulo (PMSP) enquanto protestavam contra a aprovação do Projeto de Lei (PL) 490/07, que estabelece a tese do Marco Temporal, na Rodovia dos Bandeirantes. 


Os parlamentares também pedem a responsabilização “dos policiais militares, pela aplicação do uso excessivo de sua força" / Allison Sales/AFP

No ofício, a defensoria destaca que a PM não tem competência para entrar em território indígena, cuja atribuição é somente da Polícia Federal (PF). Também frisa que qualquer contato com os indígenas deve ser realizado com a mediação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). No ofício, a defensoria questiona por que não houve o acionamento da PF. 

“A Funai foi acionada, considerando tratar-se de protesto organizado por comunidades indígenas? Houve ingresso da PM na Terra Indígena Jaraguá? Se sim, houve autorização da Funai e de qual autoridade judicial? Se não, qual a justificativa para ingresso na Terra Indígena?”, questiona o Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos no ofício.  

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A defensoria também pediu informações sobre o protocolo de uso de helicópteros em áreas indígenas, “às quais a Polícia Militar não tem autorização regular de entrada”. Ainda assim, “filmagens realizadas no local apontaram sobrevoos bem próximos às pessoas e áreas do Território Guarani do Jaraguá, sendo percebido, inclusive, que galhos de árvores se soltaram”. 

De acordo com o documento enviado ao governo paulista, há relatos de que a “polícia acompanhou as pessoas manifestantes, com ameaças e rasantes de helicóptero, até a entrada da aldeia. Bombas de gás foram jogadas por cima do muro, ao lado de uma escola infantil na Aldeia”. Viaturas também permaneceram “estacionadas nos arredores e entradas das aldeias, abordando moradores, apoiadores e jornalistas. Além disso, durante a madrugada do dia 31/05, uma viatura da Polícia Militar teria entrado na aldeia, sem apresentar mandado judicial, justificando uma ação ‘preventiva’”. 

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O ofício foi despachado depois que três parlamentares do PSOL pediram a responsabilização do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, pela repressão ao protesto dos indígenas. A deputada federal Luciene Cavalcante, o deputado estadual Carlos Giannazi e o vereador Celso Giannazi protocolaram uma representação na Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo (MPSP) e outra no Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (DPESP).  

No documento, os três também pedem a responsabilização “dos policiais militares, pela aplicação do uso excessivo de sua força” e que “o direito à liberdade de expressão e ao protesto dos povos indígenas guaranis seja devidamente respeitado em manifestações que futuramente venham a ocorrer”. 

Durante a manifestação contra o PL, os parlamentares afirmam que a PM “se valeu do uso desproporcional da sua força para reprimir a ação, afrontando os direitos constitucionais à liberdade de expressão e ao protesto dos povos indígenas Guarani”.  

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“Não há dúvidas que a repressão violenta e injustificada cometida pela Tropa de Choque da Polícia Militar do Estado de São Paulo à manifestação dos povos indígenas Guarani nesta manhã constitui violação ao direito à liberdade de expressão e de protesto não somente dos manifestantes, mas de toda a nossa sociedade democrática.” 

Em nota enviada à imprensa logo após a repressão, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) informou que “a Polícia Militar esclarece que tem previsão constitucional para o patrulhamento ostensivo e rotineiro, inclusive no interior das comunidades indígenas, e atua em conjunto com as lideranças para o planejamento operacional em prol da prevenção de crimes”. 

O Brasil de Fato também solicitou um posicionamento da SSP acerca do ofício encaminhado pelo Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (NCDH). A assessoria informou que recebeu o ofício citado pela reportagem no dia 2 deste mês e irá responder no prazo estabelecido.

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A reportagem foi atualizada às 14h35 de 7 de junho de 2023 para a inclusão do posicionamento da SSP.

Edição: Vivian Virissimo