REPERAÇÃO HISTÓRICA

Governo retifica elogio de Bolsonaro a major Curió; relembre quem foi o torturador

Três anos após ex-presidente chamar major Curió de "herói", Secom quer "restabelecer a verdade" em respeito a vítimas

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Bolsonaro tinha proximidade com major Curió, réu por tortura, assassinato e ocultação de cadáver - Evaristo Sá/AFP

A Secretaria de Comunicação Social (Secom), ligada à Presidência da República, publicará na tarde desta segunda-feira (12) o direito de resposta a uma publicação feita na gestão de Jair Bolsonaro (PL) que exaltava o coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como major Curió, um dos mais notórios torturadores da ditadura militar. A retificação foi determinada pela 8ª Vara Cível Federal de São Paulo a pedido das famílias das vítimas do militar, que morreu em agosto de 2022.

"É com satisfação que fazemos esta reparação histórica", declarou em nota a Secom, comandada pelo ministro Paulo Pimenta (PT). "O governo federal tem total concordância com a ordem judicial que determinou o restabelecimento da verdade e dignidade das vítimas ao determinar a publicação do desagravo", completou.

:: Os crimes cometidos por Major Curió, torturador recebido por Bolsonaro no Planalto ::

Na postagem feita em 5 de maio de 2020, o perfil oficial da Secom em uma rede social mostra o presidente Bolsonaro sorrindo ao lado de Major Curió. Com o título "Presidente Bolsonaro recebe tenente-coronel que combateu a guerrilha comunista do Araguaia", a publicação diz que "A Guerrilha do Araguaia tentou tomar o Brasil via luta armada". E continua: "A dedicação deste e de outros heróis ajudou a livrar o país de um dos maiores flagelos da História da Humanidade: o totalitarismo socialista, responsável pela morte de aprox. 100 MILHÕES (sic) de pessoas em todo o mundo".

Réu por assassinato, tortura e ocultação de cadáver

O coronel da reserva Sebastião Rodrigues de Moura, mais conhecido como Major Curió, morreu em 17 de agosto de 2022 aos 87 anos. Ex-oficial do Centro de Informações do Exército (CIE) e ex-agente do Serviço Nacional de Informações (SNI), foi um dos principais responsáveis pela repressão à Guerrilha do Araguaia, nos anos 1970, durante a ditadura. Uma de suas últimas aparições públicas foi no Palácio do Planalto. Em 2020, o presidente Jair Bolsonaro, defensor do regime autoritário, o recebeu.

Curió foi o primeiro réu, no Brasil, devido a crimes cometidos por agentes do Estado na ditadura, e respondeu por assassinato, tortura e ocultação de cadáveres na Guerrilha do Araguaia. O Ministério Público Federal apresentou seis denúncias contra ele, mas nenhuma foi adiante. Além disso, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Estado brasileiro, em 2010, por não investigar as responsabilidades no caso Araguaia.

:: O dia em que o Major Curió foi derrotado por agricultores sem-terra durante a ditadura militar ::

Curió revelou ao jornal O Estado de S. Paulo, em 2009, que 41 militantes do Araguaia foram executados quando já estavam presos, sem oferecer perigo. Nos anos 1980, ele foi enviado pelo governo para a região de Serra Pelada, no Pará, no período de intensa exploração do ouro. Foi prefeito de uma cidade que leva o seu nome, Curionópolis (PA), e deputado.

Curió comandou centro de tortura

No relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 2014, há detalhes da mecânica utilizada pelos militares envolvidos em uma série de violações de direitos. Sebastião Moura era um dos militares à frente da Casa Azul, um centro clandestino de tortura, localizado em Marabá, no sudeste do Pará, que hoje abriga a sede do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT).

As torturas seguiam um manual elaborado pelo Centro de Informações do Exército (CIE), intitulado Contraguerrilha na Selva. Segundo o documento, no ato da prisão, o guerrilheiro era obrigatoriamente interrogado e, nesse momento, era também espancado, furado com baionetas e até arrastado pela mata. Depois, era conduzido a uma base distrital para outro interrogatório, em que era novamente torturado e até morto.

Edição: Nicolau Soares