Análise

Sakamoto: disputa do Turismo tem centrão, religião e bolsonarismo; só não tem turismo

Pior é que, mesmo rifando áreas importantes, não há certeza de que o bloco votará com o governo

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Os que disputam o ministério não têm propostas para melhorar o turismo no país - Pixabay

 

O Brasil era responsável por apenas 2,9% do fluxo global de turistas e míseros 1,8% da receita do turismo internacional em 2019, ou seja, antes do baque trazido pela pandemia de covid, segundo dados das Nações Unidas. Apesar disso, a disputa entre o grupo da atual ministra Daniela Carneiro e o do deputado Celso Sabino, não se deu em cima do projeto que cada um tem para impulsionar o número de turistas circulando pelo Brasil, mas de poder e de dinheiro.

De um lado, o argumento usado foi lembrar que ela é evangélica, grupo em que Lula tenta aumentar sua popularidade, e que o presidente da República tem uma fatura aberta com a ministra e seu marido, Waguinho, prefeito de Belford Roxo, que o apoiaram na eleição em meio uma Baixada Fluminense bolsonarista. Do outro, as intenções não escondidas são as possibilidades que a pasta traz para distribuir emendas e garantir cargos ao centrão.

Uma discussão em cima de propostas de política pública para aumentar visitantes e receita? A disputa pelo Turismo não é para turistas.

A bancada do União Brasil defende que Sabino, que tem o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira, e de líderes do centrão, representaria os parlamentares do partido na Esplanada dos Ministérios, enquanto Carneiro seria cota pessoal de Lula.

Não estou sendo ingênuo de achar que decisões políticas não são tomadas em nome de uma suposta governabilidade. Mas tratar o Ministério do Turismo abertamente como um grande eletrônico que pode receber orçamento para liberar emendas parlamentares é ignorar uma das mais importantes indústrias do mundo.

Enquanto o Brasil recebeu 6,4 milhões de turistas estrangeiros em 2019, a Franca registrou 89,4 milhões, a Espanha, 83,5 milhões, os Estados Unidos, 79,3 milhões, China, 65,7 milhões, Itália, 64,5 milhões, Turquia, 51,2 milhões, México, 45 milhões. O país fica longe dos países que mais fazem turismo? Nossa vizinha Argentina, recebeu 7,4 milhões.

E não é só o Ministério do Turismo que está na mira. A Embratur, agência de promoção do turismo brasileiro hoje nas mãos do ex-deputado federal Marcelo Freixo (PT), não distribui emendas, mas conta com cargos que podem saciar a fome. Também vem sendo reivindicada pelo União Brasil da Câmara, que quer a lojinha com tudo o que tem dentro dela.

Detalhe: a Embratur não tem o histórico de ser entregue necessariamente junto com o ministério. De 2011 a 2014, a agência era comandado pelo hoje ministro da Justiça, Flávio Dino, na época no PC do B, enquanto o Ministério do Turismo estava sob o comando de Gastão Vieira, aliado da família Sarney naquele momento, adversária de Dino no Maranhão.

Mas, há dez anos, vivíamos o Centrão 2.0, pré-Eduardo Cunha. Hoje, é o Centrão 4.0, de Arthur Lira, pós-Bolsonaro.

Substituir técnicos pelas indicações políticas pode reduzir ainda mais a capacidade de a agência ajudar a aumentar as receitas e os visitantes do turismo. Mas quem se importa.

O mais perturbador é que mesmo com a troca de comando no ministério e que a Embratur seja rifada, não é garantia que o União Brasil votará sempre com o governo.

Basicamente, o recado que o centrão vem mandando a Lula é que a entrega de pastas e cargos serve para que eles apoiem pautas com as quais já concordam - como o novo marco fiscal ou o aumento no valor pago do Bolsa Família. Não vale para temas com os quais não concordam e, por isso, chamam de "ideológicos", como meio ambiente e direitos trabalhistas.

Para um apoio mais sólido, reivindicam o controle de áreas maiores do orçamento, repetindo o que ocorreu durante a gestão Jair Bolsonaro. E isso Lula não está disposto a fazer porque acredita que a partir do momento em que ceder, ficará refém do próprio Congresso.

Enquanto isso, o que permanece como refém é um dos setores em que o Brasil teria tudo para ser liderança global, mas segue recebendo menos turistas que países com menos diversidade de atrações como o Uzbequistão, Camboja e Filipinas.