Avanço

O que falta para que a terapia celular contra o câncer desenvolvida no Brasil chegue ao SUS?

Testes clínicos estão previstos para começar em outubro e precisam passar por três fases e aprovação da Anvisa

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Núcleo de Terapia Avançada em São Paulo; para ampliar acesso ao tratamento, Brasil precisará de investimentos - © Instituto Butantan
Para confirmar eficácia e segurança, precisamos de um estudo controlado

Um dos tratamentos mais avançados da ciência para cânceres no sangue pode ficar mais acessível à população brasileira após resultados positivos de pesquisas feitas por instituições públicas. A terapia celular com células CART-T já é autorizada em diversas nações. No Brasil, uma farmacêutica estrangeira conseguiu registro de um produto com esse fim no mês de março, para tratamento particular. 

O Programa de Terapia Celular - iniciativa do Instituto Butantan, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e da fundação Hemocentro de Ribeirão Preto - seria o primeiro totalmente desenvolvido em solo nacional e o único a pesquisar o tema na América Latina. 

Para chegar ao Sistema Único de Saúde, no entanto, a terapia pioneira no Brasil ainda precisa passar por três fases de testes clínicos, com dezenas de pacientes em cada etapa e aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). São passos importante para confirmação de eficácia e segurança, explica a médica Camila Dermínio Donadel, do Hemocentro de Ribeirão Preto. 

"O nosso tratamento, até o momento, foi feito em caráter compassivo. Significa que foi um uso experimental em pacientes que não tinham outras alternativas terapêuticas. Esses resultados já nos mostram que nosso produto parece ser eficaz e seguro. São resultados impressionantes, mas para confirmar essa eficácia e segurança, precisamos de um estudo controlado."

De acordo com o Instituto Butantan, a primeira fase do estudo clínico deve começar em outubro, com 30 pacientes com linfoma não Hodgkin de células B. Os resultados serão submetidos à Anvisa e somente depois disso serão autorizadas novas etapas para a pesquisa, com maior número de pessoas. 

Custo menor 

A produção nacional por parte das instituições públicas vai baratear o custo da terapia. Hoje, o tratamento importado pode custar mais de R$ 2 milhões e o material coletado em pacientes no Brasil precisa ser enviado a laboratórios estrangeiros antes de voltar para o paciente. Com a iniciativa brasileira, as despesas caem para cerca de 5% do valor praticado internacionalmente. 

No estado de São Paulo já há estrutura criada para ofertar a tecnologia à população, a ser usada se o tratamento nacional for aprovado. O Núcleo de Terapia Avançada (Nutera), em Ribeirão Preto (SP), e o Núcleo de Terapia Celular (Nucel), na capital paulista tem capacidade para atender 300 pessoas por ano. Mas ampliar essa rede nacionalmente demanda investimento, segundo Donadel. 

"Para desenvolver esse produto, contamos com uma equipe extremamente experiente. O hemocentro de Ribeirão Preto já tem uma experiência com hemoterapia e outras terapias celulares. Replicar essa estrutura, a princípio, não é tão fácil quanto parece. Demanda, além de dinheiro, uma estrutura física e técnica muito complexa."

Como funciona 

A CAR-T pode ser indicada para casos de leucemia linfoblástica B, linfoma não Hodgkin de células B e mieloma múltiplo. Ela usa células retiradas dos próprios sistemas imunológicos das pessoas em tratamento, que são modificadas geneticamente em laboratório e passam a produzir uma molécula conhecida como receptor de antígeno quimérico. Isso cria a capacidade de reconhecimento e ataque às células cancerígenas.  

Na prática, quando são aplicadas novamente ao organismo humano, as células modificadas se multiplicam e melhoram a capacidade de resposta à doença. A técnica foi aplicada em pacientes pela primeira vez em 2010 e surgiu nos Estados Unidos. No país norte americano a CAR-T é liberada para o público desde 2017. 

Os testes experimentais no Brasil foram realizados em 14 pacientes. Em todos os casos houve remissão de pelo menos 60% dos tumores.  

Edição: Thalita Pires