Paralisação

'Unificar a luta contra a exploração': entregadores convocam breque para 1 e 2 de julho

Enquanto em Brasília um grupo de trabalho debate a regulamentação do trabalho em apps, entregadores convocam greve

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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Entregadores fazem panfletagem e convocam paralisação no bolsão do Shopping Morumbi, na zona sul da capital paulista - Gabriela Moncau

"Posso botar na sua bag?". Depois de fazer o convite para o ato e a greve nos próximos 1 e 2 de julho, Renato Assad, entregador em São Paulo, cola os cartazes nas mochilas dos trabalhadores com motos estacionadas no bolsão do shopping Morumbi, na zona sul da cidade. A panfletagem foi uma das ações, como são os cafés da manhã coletivos, que há meses preparam o breque nacional convocado pelo grupo Entregadores Unidos pela Base.

A reivindicação, diz o panfleto, é por um "Projeto de Lei popular que obrigue as empresas de app a garantir", entre outros itens, a taxa mínima de R$ 10 por entrega, um piso mínimo de remuneração para a categoria, o fim dos bloqueios sem justificativa, idade reduzida para aposentadoria e um limite para a jornada de trabalho, com pagamento de horas extras.

Na capital paulista, de onde surgiu o chamado para a paralisação, a intenção é também fazer um ato no próximo sábado (1). O ponto de encontro é às 9h na frente do estádio do Pacaembu. De acordo com o Entregadores Unidos pela Base, mobilizações estão confirmadas ao menos nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Piauí, Maranhão e Rio Grande do Sul.


Nas bags e de mão em mão, os panfletos do breque estão sendo distribuídos em pontos de coleta de delivery / Gabriela Moncau

Na capital gaúcha, conta o entregador Ângel Rosseti, "a gente está planejando fechar os hubs e os maiores pontos de coleta de Porto Alegre. O iFood começou a dar promoção para desmobilizar nosso movimento. Mas a gente está construindo o breque, mostrando que é só artimanha como o iFood sempre faz".

Conhecido como Mister, o presidente da Associação União Motoboy e Bike de São Gonçalo e Niterói expõe que a organização no estado do Rio de Janeiro vem acontecendo, principalmente, por grupos de whatsapp. "Temos tido apoio, pois todo mundo sabe do sucateamento e desvalorização da nossa categoria", relata.

"A categoria é vitrine da precarização"

"Esse breque está sendo pensado como parte daquilo que começou a nascer em 2020, na época da pandemia. Acho que ficou evidente para toda a população o grau de exploração da categoria, que é vitrine desse processo de precarização que não se limita só aos entregadores", avalia Renato. "Os entregadores cumprem um papel fundamental para mostrar à sociedade a urgência e também a possibilidade dessa luta", defende.

Altemício Nascimento, que já era motoboy antes da chegada das plataformas, também participa da mobilização de entregadores desde o impactante #BrequeDosApps de 2020, que completa três anos exatamente na data em que a mobilização de agora é convocada. "Está muito difícil trabalhar com os apps. Entrega de R$ 6, entrega dupla, bloqueios, acidentes. Então nós queremos o quê? Um trabalho digno", resume.

"E outra, o score também. Meu amigo, pelo amor de Deus", se queixa. Nascimento se refere a um sistema implantado pelo iFood desde o fim do ano passado, que vem se expandindo por todo o país e dá notas semanais de 1 a 3 aos trabalhadores. Quanto menor a pontuação, menos pedidos a pessoa recebe e, consequentemente, mais baixa sua remuneração.

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"Se você não trabalha sábado e domingo, no meio da semana pode ir fazer outra coisa, porque não toca o aplicativo. O cara fica 12h na rua e só faz uma ou duas entregas. Como é que um pai de família vai sustentar uma família?", questiona Nascimento.

"Estamos tentando pressionar tanto o poder público quanto as empresas. E dizer para a sociedade que nós, hoje, sofremos uma exploração desumana. O modelo de trabalho se assemelha muito àquele do final do século 19, começo do século 20. Ou seja, jornada de 12h, 13h, 14h diárias e uma subsistência precária. Que cria uma categoria que quase não consegue subsistir", descreve Renato.

Breques nas ruas, reuniões em Brasília

Sob o mote "Unificar a luta contra a exploração", a greve dos dias 1 e 2 de julho acontece menos de um mês depois de outra mobilização nacional. No último 9 de junho, em meio ao feriado prolongado de Corpus Christi, houve paralisação da categoria em todas as macrorregiões do país, com pautas similares.

Tudo isso acontece simultaneamente a reuniões de um Grupo de Trabalho (GT) instalado pelo governo federal em Brasília que, de acordo com decreto presidencial assinado em 1º de maio, tem até 28 de setembro para elaborar uma proposta de regulamentação do trabalho em aplicativo no país.

O grupo é composto por 15 membros do governo federal, 15 das empresas e 15 dos trabalhadores. Estes últimos, com exceção de quatro integrantes da Aliança Nacional dos Entregadores (ANEA) que não são sindicalizados, estão sendo representado por centrais sindicais. As próximas reuniões serão nos dias 4, 5, 18 e 19 de julho.

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Durante a panfletagem nos bolsões do Shopping Morumbi, boa parte dos entregadores botou o cartaz na bag e confirmou presença no Pacaembu. Alguns, no entanto, viam a mobilização com desconfiança ou descrença. A reunião em Brasília era citada recorrentemente, como um exemplo de que alguns poucos trabalhadores acabam querendo falar ou decidir em nome de todos, em gabinetes e reuniões restritas.

A avaliação não é tão diferente daquela feita pelos que estão convocando o breque, apesar de defenderem que haja uma regulamentação por meio de um PL. "Esse GT em Brasília está acontecendo a portas fechadas. Para nós, dos Entregadores Unidos pela Base, aquilo é um teatro. Vão jogar migalhas", opina Renato Assad.

Na sua visão, tem "caído por terra" a ideia de que trabalhadores de plataformas digitais são autônomos. "Não somos autônomos. Queremos manter o trabalho flexível, mas precisamos de uma jurisdição que nos proteja e garanta direitos mínimos", opina Assad.

Segundo ele, reuniões semanais online do seu coletivo – com participação que varia entre 20 e 50 entregadores de diferentes partes do país – estão discutindo os pontos que devem conter numa regulamentação.  

"A gente está formulando, pediu ajuda para professores do Direito do Trabalho da Faculdade de São Francisco da USP. As reivindicações que foram construídas em plenárias online vão ser transcritas numa linguagem técnica para serem transformadas num PL", diz Renato.

"Mas ter um PL não significa nada porque lá no Congresso a única coisa que acontece é lobby. O que prevalece lá é o interesse dos poderosos", pondera o entregador. "Então a gente entende que mesclar a mobilização na rua e o PL vai ser fundamental para a gente enquadrar não só o poder público, mas as empresas. E também ganhar apoio da sociedade", completa.

Edição: Nicolau Soares