orixá vivo

'A música é o princípio de tudo', diz Mateus Aleluia, do grupo Os Tincoãs

Para o artista que se apresenta em Brasília neste sábado (8), jovens negros são "os novos mensageiros"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
"O que me moveu foi a vida. Essa centelha divina que vem de uma força que a gente não sabe como explicar", afirma Mateus Aleluia sobre os seus mais de 60 anos de carreira - Vinicius Xavier

Antes de tudo, havia a música. É o que afirma Mateus Aleluia, orixá vivo que entoa canções atemporais. O artista baiano se apresenta em Brasília neste sábado (8), no Divino Festival

“[A música] foi a primeira linguagem que o homem conheceu. Tudo que existe foi através da música. Antes de tudo, houve a movimentação dos elementos. E como dizia Xangô, e eu falo de outra forma: nós somos filhos do canto e da dança”, afirmou Aleluia em entrevista ao Brasil de Fato DF

Mestre da afrobrasilidade, o músico recebeu, no dia 1º de julho, a Medalha da Ordem 2 de Julho - Libertadores da Bahia. A data marca a expulsão das tropas portuguesas de Salvador, em 2 de julho de 1823, completando a independência brasileira.

“O 2 de julho é uma luta pela emancipação da liberdade. Então, sobretudo, não tem aprendizado melhor do que isso. [...] É o que eu pretendo ser: livre. Ter liberdade de ação, liberdade de pensamento”, disse o artista. 


Mateus Aleluia fala sobre álbum inédito d'Os Tincoãs, lançado neste ano: "alguns cantos daqueles foram cantados quando as entidades pela primeira vez pisaram aqui na terra" / Vinicius Xavier

Em abril deste ano, Os Tincõas, grupo do qual Mateus Aleluia fez parte, lançou um álbum inédito, o “Canto Coral Afrobrasileiro”, originalmente gravado em 1983. Segundo o artista, algumas das canções da obra foram reconhecidas por Francis Ifá Kaiodê, príncipe nigeriano, “como totalmente fora da nossa época de vida aqui na terra. Segundo a mitologia iorubana, contada por ele, alguns cantos daqueles foram cantados quando as entidades pela primeira vez pisaram aqui na terra".

São cantos atemporais soprados pelos orixás que chegam ao tempo presente guiados pelo fio da ancestralidade afro-brasileira.

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Confira, abaixo, a entrevista completa de Mateus Aleluia para o Brasil de Fato DF.

Brasil de Fato DF - Uma das propostas do Divino Festival, do qual o senhor participa neste sábado (8), é a valorização da cultura e dos saberes afro-brasileiros. Como a música pode ser esse fio condutor de retorno à afrobrasilidade e, consequentemente, a nós mesmos?

Mateus Aleluia - Eu acredito que a música, como eu sempre venho falando e afirmando, eu não canso de repetir, a música é o princípio de tudo. Primeiro pelo caráter totalmente inclusivo da música. Melodia, harmonia e ritmo. É um triângulo realmente harmônico. E foi a primeira linguagem que o homem conheceu. Tudo que existe foi através da música. Antes de tudo, houve a movimentação dos elementos. E como dizia Xangô, e eu falo de outra forma: nós somos filhos do canto e da dança. Toda a cultura que vem d’África é uma cultura que emanou do culto. E todo culto africano tem canto e tem dança. Sobretudo a música.

Nós somos filhos do canto e da dança. Toda a cultura que vem d’África é uma cultura que emanou do culto. E todo culto africano tem canto e tem dança.

Brasil de Fato: No dia 1º de julho, o senhor recebeu a medalha 2 de Julho como reconhecimento da contribuição para a cultura e do legado de luta pelas liberdades públicas. O que moveu o senhor nesses mais de 60 anos de carreira?

Mateus Aleluia - O que me moveu foi a vida. A vida que está dentro de todos nós. Essa centelha divina que vem de uma força que a gente não sabe como explicar. E eu penso que cada um se manifesta de uma forma. Não moveu somente a mim. Eu penso que todo mundo que vive é movido. 

Talvez, pronto, aquilo que a gente vem fazendo saltou mais aos olhos das pessoas. Então, aquilo que a pessoa vê é aquilo que a pessoa comenta. Mas é um trabalho que a gente faz de vários e vários outros trabalhos que já foram feitos antes de nós. Nós demos a nossa leitura, fizemos a nossa visita, digamos assim. Mas, penso que é isso: é a gente ser tão parecido com tudo que existe. Tudo que existiu, a gente não nega que nós somos e viemos disso. É não negar, realmente, as origens.


Cantor e compositor baiano recebeu, no começo do mês, a medalha 2 de Julho - Libertadores da Bahia / Paola Alfamor

Qual o papel das jovens e dos jovens negros de hoje para manter viva a memória e a história afro-brasileiras? O que estes jovens podem aprender com o 2 de julho?

O 2 de julho é uma luta pela emancipação da liberdade. Então, sobretudo, não tem aprendizado melhor do que isso. O que é o 2 de julho para você? É o que eu pretendo ser: livre. Ter liberdade de ação, liberdade de pensamento.

E a juventude é isso: essa impetuosidade que surge para poder não deixar o mundo ficar parado. Tirar um pouco o mundo da prudência que o mundo está. Uma prudência que já está meio viciada, às vezes, em que é preciso alguém com novos propósitos, novas intenções para sacudir a prudência. 

Mesmo que esse imprudente ou esse impetuoso venha com sede demais ao pote, aí entramos nós que estamos aqui há mais tempo, que temos a prudência excessiva, para dizer a ele: “calma”. Mas, também, a gente tem que admitir que se ficar nessa prudência excessiva que nós estamos, não existe o progresso. E essa juventude eu penso que tem um papel importantíssimo, são os novos mensageiros.

Em abril deste ano foi lançado o “Canto Coral Afrobrasileiro”, um álbum inédito dos Tincoãs gravado originalmente em 1983. Em uma entrevista recente, o senhor disse que a música é atemporal, mas o Brasil que recebe este álbum em 2023 é o mesmo da década de 80, quando foi gravado? O que mudou e como isso se relaciona com a música afro-brasileira?

 A música é atemporal porque ela é. Inclusive, ali [no álbum] tem canções que segundo um amigo, o príncipe nigeriano Francis Ifá Kaiodê, herdeiro da mão de Ifá da família dele lá na Nigéria, ele identificou alguns cânticos nossos como totalmente fora da nossa época de vida aqui na terra. 

Segundo a mitologia iorubana contada por ele, alguns cantos daqueles foram cantados quando as entidades pela primeira vez pisaram aqui na terra. Quer dizer, de repentemente um canto “sou de Nanã” foi cantado pela própria Nanã para poder se afirmar: “eu tô aqui para poder mover esses elementos e pronto, vamos começar um trabalho. Eu venho antes de vocês, mas quando vocês vierem milhões de anos depois, já vão encontrar esse canto e isso serve como se fosse uma luz para guiá-los”.

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Fonte: BdF Distrito Federal

Edição: Flávia Quirino