Minas Gerais

Coluna

BTG, Iguá e Aegea: o que está por trás do mercado da água no Brasil

Imagem de perfil do Colunistaesd
"A financeirização da água tem consequências preocupantes, como a privatização dos serviços e a exclusão de populações vulneráveis do acesso a esse bem essencial. " - Foto: Freepik
A financeirização da água e os ataques às estatais criam um ambiente propício para os monopólios

A financeirização da água representa a transformação desse recurso natural em uma mercadoria financeira, sujeita à especulação e ao controle por parte de investidores e grandes corporações. Esse fenômeno global tem se intensificado, impulsionado pela busca de lucros no setor de saneamento básico.

No entanto, é importante ressaltar que a água é um direito humano fundamental e não deve ser tratada como uma commodity financeira. A financeirização da água tem consequências preocupantes, como a privatização dos serviços e a exclusão de populações vulneráveis do acesso a esse bem essencial.

Isso pode resultar em aumentos abusivos de tarifas e na diminuição da qualidade dos serviços, minando a governança democrática e o controle social sobre a água, como nos casos da Casal (Alagoas), Sanetins (Tocantins) e da Cedae (Rio de Janeiro), para ficar nos exemplos nacionais. Entre os exemplos internacionais, está o da Thames Water, de Londres, onde houve intervenção de várias instâncias políticas e econômicas.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

Sintomas da financeirização

A venda de 11 concessões pela Iguá Saneamento, como parte de sua estratégia de focar em concessões de grande porte, revela uma tendência preocupante de ataque às empresas estatais do setor. Empresas como a Iguá Saneamento buscam concentrar seus esforços em ativos maiores e mais rentáveis, enquanto concessões menores são vendidas, abrindo espaço para a entrada de empresas privadas.

Ao mesmo tempo, as empresas estatais de saneamento, como a Copasa e a Sabesp, são alvo de ataques e pressões para privatização. Esses ataques, muitas vezes mascarados sob a alegação de aumento da eficiência e melhoria dos serviços, têm o objetivo de enfraquecer o papel do Estado no fornecimento de água e abrir caminho para a entrada do setor privado, ampliando o processo de financeirização.

Os movimentos do mercado financeiro, incluindo a participação de gestoras de private equity, desempenham um papel crucial na busca pelo controle das empresas de saneamento. No caso da Iguá Saneamento, a IG4 Water, uma gestora de private equity, juntamente com o Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) e a Alberta Investment Management Corporation (AIMCo), detêm o bloco de controle da empresa.

Essas gestoras de private equity visam obter altos retornos financeiros com os investimentos no setor de saneamento, aproveitando a crescente demanda por serviços de água e esgoto. Nesse processo, utiliza-se de táticas que favorecem a formação de um monopólio privado, minando a competição e concentrando o poder nas mãos de poucas empresas.

Também há indícios de artifícios bancários utilizados pelo BTG Pactual, como coordenador da emissão de debêntures da Iguá Saneamento, para estabelecer sua posição dominante. Esses artifícios podem incluir estratégias de controle do mercado de capitais, visando maximizar seus lucros e estabelecer uma posição privilegiada dentro do setor de saneamento.

A convergência entre a financeirização da água, os ataques às empresas estatais de saneamento e as movimentações do mercado financeiro cria um ambiente propício à formação de um monopólio privado no setor de água no Brasil. Isso representa uma ameaça aos direitos fundamentais da população e ao controle democrático sobre um recurso vital.

Outros sintomas da formação desse monopólio privado seria a compra da Corsan pela Aegea, questionada em diversas instâncias, inclusive no Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, e o recém-leilão de bloco da Sanepar. Essas ações, em sua maioria com alta tendência de financeirização, e a tática da Iguá, assim como da Aegea, é quase a mesma da Equatorial (Grupo 3G).

Ou seja, transformar tudo em demissões, reduções de salários, aumento da conta para a população. Nada de novo no front, além do velho atraso de nossas elites, com o discurso de que para “promover a universalização e a concorrência”, deve-se evitar a concorrência, inclusive do Estado, que é o grande promotor de políticas públicas. Lembremos também que há um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) por aí, e bilhões em saneamento terão que ser investidos.

É crucial que a sociedade e os órgãos reguladores estejam atentos a essas dinâmicas e atuem para preservar o caráter público e universal do acesso à água. A garantia de um saneamento básico de qualidade para todos deve ser prioridade, e é necessário promover uma gestão participativa, transparente e orientada para o interesse coletivo, resistindo à crescente influência do mercado financeiro no setor de água.

 

 

Lucas Tonaco é acadêmico na área de antropologia social e ciências humanas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), secretário de comunicação da Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), diretor de comunicação do Sindágua-MG e membro fundador da Frente de Comunicação Urbanitária.

---

Este é um artigo de opinião e a visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal.

---

 

Leia outros artigos da Coluna Saneamento é Básico no Brasil de Fato MG!

Edição: Larissa Costa