CONTROLE ENERGÉTICO

Privatização da Copel: geopolítica energética e o rumo do Brasil na contramão do planeta

A tendência no Brasil continua sendo no sentido de uma completa financeirização do setor elétrico

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Em ato público, entidades questionam leilão da Copel, considerado cheio de incertezas - Manoel Ramires

Enquanto escritor do livro documentário intitulado “A Copel é Nossa”, lançado no dia 15 de agosto de 2022, em audiência pública na Assembleia Legislativa do Paraná, quando nem de longe imaginávamos que o governador do estado desejava desesperadamente reviver os monstros retratados em meu livro.

Chamávamos, em 2001, os políticos privatistas de “vendilhões do Paraná”, afinal de contas, no meu entendimento à época do lançamento do livro, as privatizações do setor elétrico estariam com seus dias contados, seguindo a tendência mundial.

Mas ledo engano de minha parte, pois o monstro maior reside justamente no Palácio Iguaçu e ganhou muita vitalidade ao receber o aval dos eleitores. Com isso, pude reviver toda a luta do povo paranaense em 2001 que relatei em meu livro documentário. “Então tá”, sendo assim, vamos nos preparando para escrever a segunda edição de “A Copel é Nossa”, que espero, possamos vencer tais monstros novamente.

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Tendências

De acordo com as tendências dos últimos anos, podemos afirmar que os países pelo mundo afora estão reestatizando seus setores energéticos. Porém, o Brasil parece estar na contramão dessa tendência mundial, a exemplo da desesperada privatização da Copel tão pretendida pelo governador do Paraná, Ratinho Junior.

O cenário energético é dinâmico e pode mudar rapidamente em função do contexto da interdependência energética entre as nações, a exemplo do que se verificou na guerra da Ucrânia, que nada mais é do que um conflito de disputa de controle da geopolítica energética entre grandes nações.

É importante lembrar que a decisão de reestatizar o setor de energia pode variar significativamente de um país para outro, e as razões para isso podem ser uma combinação de vários fatores, entre os quais podemos indicar os seguintes:

- A Segurança Energética: A energia é um recurso crítico para o bem-estar econômico e social de qualquer nação. A reestatização do setor energético pode ser vista como uma forma de garantir que o país mantenha o controle sobre seus recursos energéticos e reduza a dependência de fornecedores estrangeiros de energia;

- O gerenciamento de crises: Em tempos de crises ou emergências energéticas, como é o caso da guerra da Ucrânia, os governos dos países impactados decidem assumir ou reestatizar o setor de energia para garantir a estabilidade e a continuidade do fornecimento;

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- O lucro e geração de receita: o setor de energia é visto sob a ótica econômica como um empreendimento lucrativo. Ao nacionalizar ou reestatizar ativos de energia, eles podem se beneficiar diretamente dos lucros gerados pelo setor, que podem ser usados ​​para financiar serviços e políticas públicos, além de projetos de desenvolvimento;

- A regulamentação e supervisão: A reestatização pode dar ao governo maior controle sobre a produção, distribuição e preços de energia. Isso permite que eles regulem o setor de forma mais eficaz, imponham padrões ambientais e resolvam falhas de mercado em um setor de energia privatizado;

- Oposição aos monopólios privados pelo poder público: Sempre se verificou que o setor de energia, dominado por empresas privadas poderosas, gera grande descontentamento da população e em especial do setor produtivo, que resulta em pressão pública para o desenvolvimento da indústria, além de combater os monopólios e aumentar a concorrência;

- O desenvolvimento de infraestrutura: reestatizar o setor de energia pode ser um meio para o governo investir e expandir a infraestrutura de energia para alcançar regiões carentes ou promover o uso de fontes de energia renováveis;

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E o Brasil remando contra a maré

Verifica-se no Brasil, ainda que tardiamente o predomínio do entendimento hegemônico do final dos anos 90, quando o mundo e os financistas de plantão determinaram o “fim da guerra fria” e o chamado Consenso de Washington, processo que resultou na privatização dos serviços públicos de um grande número de países, principalmente os países então dependentes do FMI, que impunha essa determinação à época, a pretexto de ser uma receita para obtenção de superavit primário.

No entanto, de forma indiferente à realidade mundial e à qualquer diagnóstico de preocupações, o que se verificou no Brasil e em todos os países que privatizaram seus setores energéticos, foi simplesmente a financeirização de tais setores, o que gerou (e continua a gerar) os seguintes problemas:

1. Maior vulnerabilidade à especulação do mercado: a financeirização refere-se ao crescente domínio de atores financeiros, como bancos, fundos de capitalização e outros investidores, no setor de energia. Quando os motivos financeiros prevalecem sobre a eficiência operacional e a sustentabilidade de longo prazo, o setor se torna mais suscetível à especulação de mercado e à busca de lucros de curto prazo. Isso leva à volatilidade dos preços e à desestabilização do mercado de eletricidade;

2. Manipulação de Mercado: A financeirização cria oportunidades para manipulação de mercado, pois os atores financeiros podem influenciar os preços da eletricidade para maximizar seus lucros, o que impacta negativamente nos consumidores;

3. Preços de eletricidade mais altos: a financeirização leva a preços de eletricidade mais altos, a exemplo do que acontece no setor industrial, cujas tarifas sofreram correções de 140% acima de inflação desde 95, quando se iniciaram as privatizações do setor elétrico até hoje, o que contribuiu pesadamente na desindustrialização do país. Quando os investidores financeiros entram no setor, eles buscam maximizar o retorno de seus investimentos, o que leva a medidas de corte de custos, desemprego ou esforços para aumentar as tarifas de eletricidade com vistas a aumentar os lucros;

4. Mudança de foco do investimento em infraestrutura: a financeirização desvia a atenção dos investimentos necessários de longo prazo em infraestrutura, projetos de energia renovável e pesquisa e desenvolvimento para focar no rendimento do capital com ênfase na engenharia financeira e nos ganhos financeiros de curto prazo;

5. Impacto na Segurança e Estabilidade Energética: A forte dependência do mercado financeiro para a operação e financiamento do setor elétrico pode representar riscos para a segurança e estabilidade energética. Flutuações repentinas nos mercados financeiros podem atrapalhar os planos de investimento e prejudicar a capacidade do setor de fornecer eletricidade de forma confiável;

6. Controle regulatório reduzido: a presença de atores financeiros influencia na supervisão e no controle regulatório no setor elétrico. Instrumentos financeiros complexos e transações são menos transparentes e mais difíceis de regular de forma eficaz, levando potencialmente a brechas e redução das responsabilidades;

7. Desigualdade de riqueza e concentração de poder: a financeirização exacerba a desigualdade de riqueza à medida que os investidores financeiros, que são indivíduos ou instituições ricas, obtêm controle significativo sobre o setor elétrico. Essa concentração de poder limita a competição pretendida por agentes mais inovadores no mercado;

8. É importante observar que algum nível de financeirização é uma parte natural de qualquer economia moderna, pois permite acesso ao capital e gerenciamento de risco. No entanto, a financeirização excessiva sem regulamentação e supervisão adequadas levam aos problemas que indicamos acima. Mas, enfim, o que se verifica no Brasil atualmente, talvez por força da inércia política de um discurso surrado, sem preocupação com as razões e motivos das tendências verificadas no restante do planeta, é que a tendência no Brasil continua sendo no sentido de uma completa financeirização do setor elétrico a despeito de todas preocupações indicadas acima.

De acordo com um ditado que se aplica ao nazismo, mentiras ditas e repetidas mil vezes, tornam-se verdades. Pois bem, tivemos governos negacionistas que eram contra a vacina, contra a ciência e academia. Mas a herança desse período continua presente em muitas outras formas de negacionismo, a exemplo de reafirmar a viabilidade das privatizações por uma centena de dirigentes políticos desse país. Não é mesmo, Rato Jr.


*Sérgio Inácio Gomes é engenheiro eletricista e professor.

**As opiniões expressas nesse texto não representam necessariamente a posição do jornal Brasil de Fato.

 

Fonte: BdF Paraná

Edição: Pedro Carrano