CÚPULA DA AMAZÔNIA

Diálogos Amazônicos: evento pré-Cúpula tem otimismo de políticos e advertências de indígenas

Veja como foi o 1º dia do encontro que formulará propostas de políticas públicas para os chefes de Estado da Amazônia

Brasil de Fato | Belém (PA) |
Marina Silva discursa na abertura de evento que precede Cúpula da Amazônia - Murilo Pajolla

Os Diálogos Amazônicos, um megaevento aberto aos movimentos sociais e que antecede a Cúpula da Amazônia em Belém (PA), teve a abertura oficial realizada nesta sexta-feira (4). A cerimônia foi marcada por discursos de lideranças indígenas e de políticos brasileiros, além de danças tradicionais indígenas e quilombolas. 

Autoridades brasileiras, como a ministra Marina Silva e o governador paraense Helder Barbalho (MBD), demonstraram entusiasmo com a perspectiva de construção de políticas públicas participativas, que levem em conta as vozes da Amazônia. Lideranças indígenas, por outro lado, adotaram tom menos triunfal e, dividindo palco com políticos do alto escalão, falaram em tom de cobrança e advertência. 

Precursor da luta pelos direitos indígenas no Brasil, o cacique Raoni Metuktire, do povo Kayapó, foi o primeiro a discursar na abertura dos Diálogos Amazônicos. Ele lembrou que os “brancos” são “inimigos” dos indígenas desde a chegada da esquadra de Pedro Álvares Cabral e disse ter cobrado o presidente a respeito de uma promessa de campanha. 


Cacique Raoni participou da cerimônia de abertura dos 'Diálogos Amazônicos' / Divulgação/Governo Federal

“Eu tenho diálogo com o presidente Lula. Eu pedi pra ele demarcar as terras que não foram demarcadas. Vou reforçar pra ele demarcar algumas terras que não foram demarcadas”, afirmou o histórico líder indígena. 

"A era do desmatamento precisa acabar”, discursou Kleber Karipuna, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). “Estamos em um ponto em que a floresta não vai conseguir se regenerar. Os governos e os países precisam se unificar para não chegarmos ao ponto de não-retorno”, alertou o líder indígena. 

Karipuna criticou ainda a tese jurídica do marco temporal das terras indígenas, que restringe radicalmente a demarcação dos territórios. “É preciso proteger a vida dos povos indígenas. É preciso dar um basta nesse processo de criminalização de povos indígenas”, pediu. 

:: Cúpula da Amazônia: movimentos sociais ocupam Belém e querem influenciar chefes de Estado ::

Diálogos Amazônicos é um megaevento organizado pelo governo federal em parceria com organizações populares da Amazônia. Com base nas discussões que envolvem indígenas, quilombolas, extrativistas e camponeses, o objetivo é elaborar propostas dos movimentos sociais que serão levadas ao chefes de Estado na Cúpula dos Países Amazônicos, que ocorre nos dias 8 e 9 de agosto. 

Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, faltou ao evento por motivos pessoas. No seu lugar, compareceu Joenia Wapichana, presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). 

A primeira das cinco plenárias dos Diálogos Amazônicos, cada uma com capacidade para até 3 mil pessoas, foi realizada nesta sexta-feira (4), antes da cerimônia de abertura. A programação foi concebida em parceria com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e outros movimentos sociais com atuação no bioma. Os encontros abertos aos movimentos sociais ocorrem no Hangar Centro de Eventos, em Belém (PA), até 6 de agosto. 

Marina Silva: tempos difíceis acabaram 

Marina Silva, que enfrenta forte resistência dentro e fora do governo Lula, dividiu o palco da cerimônia com o senador Randolfe Rodrigues, líder do governo no Congresso. O parlamentar deixou a Rede Sustentabilidade, legenda criada pela ministra, após o Ibama negar licença para a Petrobras explorar petróleo na Foz do Amazonas. 

O atrito entre Randolfe e Marina, até então aliados, escancarou o descontentamento de setores de dentro do governo com a “rigidez” da política ambiental do ministério do Meio Ambiente. Em junho, ruralistas do Congresso retiraram da pasta competências sobre o cadastro de propriedades rurais e sobre a gestão de recursos hídricos, enfraquecendo o poder dos ambientalistas no governo.


Auditório lotado com multidão de ativistas indígenas, quilombolas, extrativistas e camponeses / Divulgação/Governo Federal 

Mesmo assim, a ministra falou em tom de otimismo no evento. Ela criticou de forma implícita o governo de Jair Bolsonaro (PL) ao dizer que o Brasil deixou para trás “tempos difíceis”. E pediu que os movimentos se unam no diálogo e apresentem as expectativas às autoridades que participarão da Cúpula de Chefes de Estado. 

“A minha esperança é que a gente possa sair daqui com um mandato pra que os nossos países trabalhem conjuntamente para que possamos ter um modelo de desenvolvimento que propicie um desenvolvimento sustentável em todas as dimensões”, afirmou Marina, em discurso ovacionado pelo público. 

O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), disse que o evento é o pontapé para que em 2025 Belém seja a capital do mundo das discussões das discussões das mudanças climáticas. “A partir deste momento chamamos todos aqueles que debatem a Amazônia a ouvir as vozes do nosso povo”, afirmou. 

Cúpula da Amazônia

Mais de 10 mil pessoas são esperadas em Belém (PA) até a próxima quarta-feira (9), quando termina a Cúpula da Amazônia, evento de dois dias que vai reunir chefes de estado de países situados no bioma.

Além de Lula, participarão os presidentes ou representantes da Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela. Em nome da Guiana Francesa, o presidente da França Emmanuel Macron foi convidado. Devem estar presentes os chefes de Estado de outros três países com florestas tropicais: Congo, República Democrática do Congo e Indonésia. Alemanha e Noruega, os mais antigos financiadores do Fundo Amazônia, também são esperados.

A Cúpula de Chefes de Estado, organizada pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), é vista como um “ensaio” da COP-30, que acontecerá na capital paraense em 2025. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tentará engajar as nações vizinhas no ambicioso compromisso de desmatamento zero até 2030, assumido por ele na última campanha eleitoral. Além de propor esforços pelo desenvolvimento sustentável da região, como metas comuns de redução de desmatamento, o presidente já sinalizou que defenderá o fortalecimento institucional da OTCA. 

Edição: Raquel Setz