Véspera das Prévias

Movimentos responsabilizam polícia por morte do militante Facundo Molares em protesto em Buenos Aires

Versão oficial diz que o manifestante sofreu parada cardíaca; jornalista foi detido quinta-feira (10) em Buenos Aires

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Morales foi espancado, na última quinta-feira (10), no centro da capital próximo ao monumento Obelisco, durante um ato pacífico - Reprodução/Barricada TV

Organizações de direitos humanos realizaram uma manifestação, nesta sexta-feira (11), pedindo justiça pelo assassinato do militante Facundo Molares Schoenfeld. De acordo com os manifestantes, sua morte foi provocada pela polícia de Buenos Aires, na Argentina.  

Ele foi detido na última quinta-feira (10), no centro da capital do país, próximo ao monumento Obelisco, durante um ato pacífico contra as eleições primárias que ocorrem neste domingo (13) no país. Segundo os movimentos, após a detenção Facundo foi espancado pelos agentes de segurança.

O protesto foi organizado pela Rebelião Popular, organização da qual fazia parte. Os agentes responsáveis pela detenção pertenciam à Divisão de Operações de Contenção Urbana (DOUC) e estavam sob o comando da Esquadra 1-B da Polícia de Buenos Aires.   

Ao final da manifestação, foram registrados confrontos isolados entre manifestantes e os agentes de segurança. "Lembro-me de Facundo e lembro sempre dele como um lutador fervoroso, uma pessoa muito solidária com um povo que precisa de mais pessoas como ele para que isto mude realmente", disse Hernán Loyola, colega ativista de Molares. 

Segundo o Ministério da Saúde, a morte de Molares foi ocasionada por uma parada cardíaca resultado de fatores de risco. Ele chegou a passar por manobras de reanimação por cerca de meia hora, mas não resistiu. A pasta confirmou que o militante morreu uma hora depois de ser detido pela polícia.

"Durante mais de meia hora, foram efetuadas manobras de reanimação até à confirmação do óbito. As causas de morte estão relacionadas com parada cardíaca devido a fatores de risco", disse a pasta em nota. 

Divergências entre as versões 

Há divergências entre a versão oficial e o relato de manifestantes e colegas do jornalista que estavam presentes no momento. Segundo estas versões, a polícia é a principal responsável pela morte. 

Agustin Antoniades, jornalista do veículo independente Barricada TV, afirma que "Facundo Molares estava se manifestando de forma pacífica próximo do Obelisco, no centro de Buenos Aires, com um grupo pequeno de pessoas. Eles não estavam nem na rua, estavam encostados na calçada."

"A polícia avançou de forma muito violenta contra os manifestantes. Um policial tentou agredir uma mulher, e Facundo intercedeu para proteger a amiga. A partir daí os policiais o agrediram de forma muito intensa. Um deles terminou asfixiando-o, e foi aí que ele morreu", conta Antoniades. 

Luciano Lupi, líder do grupo Fogoneros, que estava presente na manifestação também relatou o momento. "Estávamos terminando a manifestação, quando a polícia entrou para nos expulsar. Quando prenderam um camarada, fomos tirá-lo de lá e vieram todos os policiais para nos reprimir. Nesse momento, detiveram mais quatro camaradas e Facundo Molares, que ficou desacordado", disse à agência de notícias Télam. 

:: Protestos são registrados em província rica em lítio na Argentina após mudanças na Constituição ::

A causa da morte vai ser investigada pela Divisão de Intervenção Judicial da Polícia Federal. A polícia afirmou ao jornal El Tiempo que os manifestantes pretendiam colocar fogo em uma urna. Após a atuação da polícia, os manifestantes começaram a reagir e agredir os agentes. Neste momento, Molares teria sido detido. 

De acordo com polícia municipal, os manifestantes teriam agredido os agentes de segurança. Eugenio Burzaco, secretário de Justiça e Segurança da Cidade de Buenos Aires, manifestou-se no mesmo sentido. 

"A certa altura, começaram a queimar uma urna. A polícia avançou e manteve-se à distância. Alguns manifestantes atacaram-nos com paus. Os mais violentos, cinco pessoas, foram detidas. Foram detidos, algemados e levados para fora da manifestação. Passado algum tempo, um dos manifestantes teve um problema cardíaco. A polícia fez-lhe reanimação", disse o funcionário municipal. 

A pré-candidata presidencial do Novo MAS, Manuela Castañeira, falou em "repressão". "Repudiamos a repressão que está ocorrendo neste momento no Obelisco durante uma manifestação em defesa do povo de Jujuy. Responsabilizamos a polícia pela segurança dos manifestantes e defendemos incondicionalmente o direito de protesto", disse Castañeira. 

:: 'A dívida com o FMI explica a crise econômica na Argentina', diz especialista ::

Segundo o Centro de Estudos Jurídicos e Sociais (CELS), os últimos momentos de Molares "permitem-nos vê-lo rodeado de agentes de segurança que também não estavam formados para o ajudar". A organização expressou que "participar num protesto não pode implicar um risco de vida. O Estado tem de cuidar daqueles que protestam porque qualquer outra forma torna a democracia mais frágil".  

Sublinhou ainda que "o governo municipal, antes de qualquer investigação judicial fazer o seu trabalho, veio instalar a versão de que Facundo morreu por razões que nada têm a ver com a operação, e já vimos este tipo de resposta noutras ocasiões", disse a organização ao jornal Pagina12. 

Paso 

Conhecida como Paso (Primárias, Abertas, Simultâneas e Obrigatória), a prévia das eleições na Argentina acontece neste final de semana. A partir desta votação, ficam definidas quais serão as chapas que vão participar da eleição, que ocorre em 22 de outubro. 

Antoniades afirma que, além do posicionamento contrário às prévias, o contexto de violência crescente também foi uma das causas da manifestação desta quinta-feira (10). "Era por conta desse contexto de crescente violência, principalmente no caso da aprovação da Constituição de Jujuy [província argentina], que houve repressão violenta após uma manifestação popular contra o texto por trazer uma série de retrocessos." 

:: Corte argentina suspende eleição em províncias onde peronismo era favorito; Fernández reage ::

No final de junho deste ano, o cenário político na província argentina de Jujuy, quase na fronteira com a Bolívia, passou por uma transformação significativa quando Gerardo Morales, o governador recém reeleito, aprovou uma reforma na constituição provincial através da câmara legislativa local.  

A reforma do governador Gerardo Morales, que também é candidato a vice-presidente nas eleições primárias, alterou um artigo que estabelecia limitações ao exercício do "direito à propriedade privada não pode ser exercido em oposição à função social ou em detrimento da saúde, segurança, liberdade ou dignidade humana". 

A reforma também apontou que "as leis processuais da Província devem incorporar mecanismos e vias rápidas e expeditas para proteger a propriedade privada e restaurar qualquer alteração na posse, uso e gozo dos bens em favor de seu titular". Ainda coloca que "será considerada grave violação do direito de propriedade a ocupação não consensual por parte de uma ou várias pessoas que impeça o titular da propriedade de exercer seus direitos previstos nesta Constituição". 

:: Setores populares na Argentina demandam medidas para enfrentar inflação e informalidade ::

O direito de manifestação também foi impactado ao estabelecer a "proibição de bloqueios de ruas e estradas, bem como de todos os outros distúrbios ao direito de livre circulação de pessoas e a ocupação indevida de edifícios públicos". 

Com a proximidade das prévias e das eleições presidenciais, a reforma desencadeou conflitos regionais que se intensificaram. 

Militância 

Facundo Morales, de 47 anos, iniciou sua militância ainda na década de 1990. Na década seguinte, após a crise de 2001 na Argentina, se mudou para a Colômbia com objetivo de integrar as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Anos depois, deixou o movimento e regressou para a Argentina.  

Em 2019, quando estava na Bolívia, cobriu como jornalista o golpe de Estado contra o ex-presidente Evo Morales. Na ocasião, ele chegou a ser preso, mas foi liberado no ano seguinte, quando retornou para a Argentina. 

:: 'Nunca mais': Argentina marcha contra a ditadura no Dia da Memória, Verdade e Justiça ::

Depois deste episódio, o ativista voltou a ser detido, desta vez por uma ação da Interpol ainda relacionada a sua atuação nas Farc. Por mais de um ano permaneceu preso, em uma negociação para não ser extraditado para Colômbia, que tinha intenções de julgá-lo por conta do sequestro do conselheiro colombiano Armando Acuña, em 2019, do qual Morales teria participado. 

Em entrevista à Revista Crítica, o jornalista negou que tenha participado da ação. "Sou um militante social. Desde muito jovem abracei as ideias da solidariedade e do progresso da sociedade. Na minha juventude, estive militando nas guerrilhas das Farc na Colômbia. Me acusam de ter sequestrado um conselheiro colombiano. Sequestro do qual eu não participei, mas que estive na libertação do conselheiro, o que foi um fato de conhecimento público por ter saído em muitos jornais de todo mundo."

Edição: Thalita Pires