Do mato para o prato

Erva daninha? Conheça a caruru, PANC rica em nutrientes que fortalecem a saúde

Também chamada de doce-limão, vai bem na salada, no suco verde, no sanduíche e até como recheio de pizza

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A caruru é uma planta que está diretamente ligada às condições da terra e que é rica em ferro, vitaminas, proteínas, cálcio e fibras - Creative Commons
Ela não é uma salada qualquer, ela é 'a salada'. É uma planta que pode te trazer fonte de ferro

As Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANCs) são espécies vegetais encontradas na natureza que não fazem parte do padrão dominante de alimentação das pessoas, mas que possuem, em muitos casos, um grande potencial nutritivo e culinário. Dentre elas está a caruru (Amaranthus spp.), uma folhinha verde escura semelhante ao espinafre, que pode ser muito facilmente encontrada na América Latina e, sobretudo, nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste do Brasil. 

Por conta do esquecimento coletivo de algumas culturas ancestrais que cultivavam e se alimentavam dessas plantas - que hoje chamamos de PANCs - muitas ainda são chamadas de ervas daninhas, mesmo sem causar nenhum dano à saúde. É o caso da caruru, uma planta que está diretamente ligada às condições da terra e que é rica em ferro, vitaminas, proteínas, cálcio e fibras.

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"O curioso da caruru é que ela tem diversos nomes, como doce-limão e bredo rasteiro, que é bastante consumido como um alimento pelos veganos, por exemplo, por ser rico em proteínas. E o mais interessante é que até pouco tempo atrás ela sempre foi considerada uma erva daninha porque nasce muito fácil, por não precisar de cultivo. Geralmente, onde há uma horta, a caruru floresce", explica a nutricionista Sheila Araújo.

Por conta do seu potencial nutritivo, Sheila fala também sobre a importância de se desmistificar a caruru como erva daninha. "Ela tem vitamina C e A, o precursor do betacaroteno, que ajuda na visão. É rica em cereais, proteínas e, principalmente, é uma fonte rica de cálcio. O que a gente precisa é combater o preconceito. Por isso a gente tem que desmistificar e chamar de PANC, uma planta alimentícia. Ela só não é convencional porque não é vendida da forma como a gente entende, numa feira livre, por exemplo".

Quanto ao preparo da caruru, a nutricionista ensina que, assim como outras plantas que consumimos, é importante sempre cozer ou realizar um processo culinário chamado de branqueamento, que é ferver por três minutos. Esse processo deve ser feito sempre antes da ingestão, para evitar possíveis reações do organismo à planta crua. 

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Feito isso, a caruru pode revolucionar as possibilidades culinárias e nutritivas das famílias, sendo incluída no suco verde, no sanduíche, na salada, na tapioca, pode virar bolinho, ser refogada, ir junto do arroz, do omelete, ser recheio de pastel, de pizza... Enfim, o que a criatividade quiser. Além disso, por conter fibras, a semente da caruru está também sendo usada como cereal, podendo ser adicionada em sucos e iogurtes, por exemplo. 

O parabotânico Jorge Ferreira, que dedica sua vida à pesquisa e socialização de conhecimentos acerca da biodiversidade brasileira, explica que a caruru, além de carregar consigo valores alimentares históricos e ancestrais, tem um ciclo de vida curto, que possui um grande potencial de cura de solos degradados. 

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"Essa planta realmente traz algo histórico, de as pessoas se alimentarem de uma espécie tão espontânea. Ela tem uma resiliência e uma capacidade de cura do solo. Para mim, é muito real que o papel fundamental ecológico dessas espécies é curar a terra. Elas surgem num momento em que o solo está exposto, degradado. E aí quem vem primeiro são essas ervas, que têm um ciclo de vida curto justamente para aproveitar ao máximo a estação, aquela camadinha de nutrientes que existe ali, aquela condição climática e proporcionar uma sequência, até formar uma floresta", ressalta.

Jorge conta que, em geral, a espécie de caruru que surge primeiro na terra é chamada caruru bravo, porque possui alguns espinhos nos caules. Por conta disso, é importante tomar cuidado no momento de colher as folhas. O parabotânico também aponta que a estrutura da caruru pode ser mais fibrosa, principalmente quando a planta não está tão nova. 

"A caruru tem uma fase jovem, que você  pode comer por inteiro, e dá para cortar facilmente. Tem uma técnica que é com a unha. Minha mãe sempre me ensinou isso. Se você consegue cortar com a unha, pode cozinhar, jogar na panela, porque vai virar comida. Agora, se você precisar de uma faca, aí é fibra pura e não vale cozinhar", explica o parabotânico. 

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Em relação às propriedades medicinais da caruru, Jorge aponta que sua riqueza nutricional é importante para promover mais saúde às pessoas. 

"A gente nem fala muito dela como uma planta medicinal, mas tem usos medicinais incríveis. Quando uma planta é muito nutritiva e tem um papel nesse processo de cura, ela vai ser cura para a gente também. Ela é muito rica em ferro, por exemplo. E quando a gente fala de processos de hortas urbanas, é extremamente bacana dizer que é uma erva medicinal também. Ela vai além de uma salada, não é uma salada qualquer, ela é 'a salada', é a planta que pode ser fonte de ferro", acrescenta. 

Tendo em vista que as pessoas estão cada vez mais procurando PANCs para complementar a alimentação e que a caruru é pode ser muito facilmente cultivada, Sheila defende que a planta pode ser pensada também como uma fonte de renda para as famílias. 

"Ela é de muito fácil cultivo. Hoje há restaurantes famosos comprando e utilizando as PANCs como complementos de pratos principais. Outra coisa é pensar em levá-las paras escolas, como hortas educativas, para que a criança aprenda que a planta pode ser consumida, que pode ser usada no dia a dia". 

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Com suas propriedades nutritivas e fácil cultivo, a caruru pode desempenhar um papel vital para famílias onde o acesso à alimentação saudável é limitado. Para a nutricionista, as PANCs devem ser pensadas como uma estratégia de combate à fome e fortalecimento da soberania alimentar.

"A gente pode cultivá-las em hortas comunitárias e dentro de casa, em um vasinho de violeta. A gente tem que ter soberania alimentar e isso é ter o direito de escolher o alimento que você quer consumir, mas com qualidade. Então não é porque estou numa situação de fome, de vulnerabilidade, que eu tenho que comer só o que me é oferecido. Não! Eu tenho o poder da escolha", afirma Sheila. 

"Os movimentos sociais e o poder público têm de estar atentos a esse olhar. E aí a PANC é uma alternativa que a gente deve começar a olhar mais e dizer ‘é uma estratégia de baixo custo e que tem um valor nutricional enorme’", conclui. 

Edição: Douglas Matos