Rio Grande do Sul

CINEMA

Longa de Dom Pedrito abre competição gaúcha no Festival de Gramado

Abordando o cotidiano rural da Campanha, 'Céu Aberto' foi exibido nesta segunda-feira (14)

Brasil de Fato | Gramado |
Elisa Pessoa, elenco e equipe apresentaram seu filme no palco do Palácio dos Festivais - Foto: Ticiane da Silva/Agência Pressphoto

A Mostra Gaúcha de Longas do 51º Festival de Cinema de Gramado iniciou reforçando, mais uma vez, a marca desta edição: visibilidade feminina. Foi exibido na tarde desta segunda-feira (14), no Palácio dos Festivais, “Céu Aberto”, filmado e produzido em Dom Pedrito, na região da Campanha gaúcha.

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Após a sessão, no final da tarde, ocorreu o debate sobre a obra, com a maioria de mulheres sentadas à mesa representando a equipe do filme. Entre elas, a diretora, roteirista, fotógrafa e montadora Elisa Pessoa; a produtora Lisiane Cohen; Rita Zart, autora da trilha ao lado de Bruno Mad; a protagonista Andriele Rodrigues Soares e sua mãe, Sandra Mara Gularte Rodrigues, que é coadjuvante no longa.

A carioca Elisa Pessoa vive e trabalha em Dom Pedrito (RS) há sete anos. Ela é formada em Ciências da Educação e em Artes Visuais na Univesité de Paris VIII. Em 2009, foi residente no Centre International Les Recollets em Paris. Em 2013, ganhou bolsa Funarte de estímulo Pa criação artística.

Através do registro do cotidiano de Andriele (uma adolescente criada na zona rural do município da Campanha gaúcha, filha de pequenos proprietários rurais), o filme acompanha e explora as mudanças de comportamento da personagem, seus desejos e aspirações, dos 13 aos 17 anos. As filmagens ocorreram entre 2016 e 2021, no lugarejo afastado e na cidade.

Seguindo os passos da garota, e através das conversas íntimas com ela, “Céu Aberto” atravessa temas como ameaça ao bioma Pampa, o avanço das plantações de soja exterminando criadores de gado, consequências econômicas e psicológicas do isolamento social imposto pela pandemia, patriarcado, machismo e indústria cultural. “Diferente do que ainda ocorria nas filmagens, hoje não se compra mais lã em nenhum lugar. O gado também está evaporando, é mais plantação do que gado”, comenta a atriz protagonista.

Além de Andriele, a paisagem local é outra personagem deste longa, sendo a entrada e a saída do espectador nele. E daí vem o título do filme, conforme explica a diretora: “Dizem que carioca não pode sair do Rio de Janeiro porque não consegue ficar sem ver o mar, já eu não consigo mais sair do Pampa pois não consigo parar de ver o Pampa. Sou apaixonada por aquele céu, suas cores. E também tem a profundidade do horizonte e uma melancolia do frio, não é uma tristeza, é um sentimento interior, é uma coisa pra dentro”.


Cineasta carioca mora há sete anos no Pampa e já não consegue ficar sem admirar seu horizonte / Foto: Elisa Pessoa / Divulgação

Durante quatro anos de filmagens, Elisa ia e voltava para Dom Pedrito, realizando trabalhos em Artes Visuais. “Foi uma coincidência, fui começando a pensar em projetos que eram lá, aquilo virou meu terreiro: além do filme, fiz também exposições. E durante esse tempo fui filmando, registrando esse cotidiano. E, hoje em dia, eu moro lá, já faz sete anos”, complementa a artista.

Andriele se torna objeto da obra quando a cineasta descobre que a menina nasceu na casa em que ela própria reside hoje, “que é uma casa simples, não de fazenda, de peão mesmo, de quem cuida do gado”. Sua família tem um pedaço de terra ao lado da casa da família da protagonista.

Um dia em que passou lá para conversar com os vizinhos, ficou sabendo do fato. “Eles moravam lá e trabalhavam para uma outra pessoa que não era da minha família. Compraram uma casa muito perto depois, e são meus vizinhos, por isso a relação de proximidade e intimidade para fazer o filme.”

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Elisa faz uma reflexão um pouco mais profunda sobre ter se dedicado a “Céu Aberto”: “Tem uma outra questão minha, originalmente sou pedagoga. Também tinha uma questão social que vinha me interessando, mas não sou acadêmica. Eu leio muito Antropologia, mas não é uma pesquisa formal. Tinha muita curiosidade em entender o que faria uma pessoa da Campanha querer sair, migrar. A matéria de Êxodo Rural me marcou durante a infância. Esbarrei com isso e fiquei tentando entender quais eram as motivações”.

A realizadora confessa que olhava para a família de vizinhos de uma forma bastante ingênua: “Achava que eram anarquistas maravilhosos que viviam super bem, por que queriam sair daqui? Por que ela quer ir embora? Na verdade, ela queria viver a vida”. A garota que cresceu brincando com os bichos e queria fazer Zootecnia para prevenir as doenças deles, e depois sonhou ser Jovem Aprendiz na cidade e ainda tentou ser maquiadora, agora está fazendo faculdade de Agronegócio e vivendo no mesmo local.

O título deve seguir por um circuito de festivais, incluindo o Internacional da Fronteira, em Bagé, em novembro de 2023, e depois deve ter estreia em Porto Alegre.


Edição: Katia Marko