ENERGIA PRIVADA

Privatizada por Bolsonaro, Eletrobras volta ao foco após apagão

Governo diz que falha no sistema elétrico começou em linha de ex-estatal; eletricitários indicam precarização na empresa

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |
Governo reduziu sua participação na Eletrobras de cerca de 65% para 43% com capitalização da companhia - Foto: Fernando Frazão/ Agência Brasil

O ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), declarou na quarta-feira (16) que o apagão que deixou 25 estados sem energia na terça-feira começou com uma falha numa linha de transmissão controlada pela Eletrobras, que foi privatizada nos últimos meses do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Segundo Silveira, a falha –ocorrida na linha entre Quixadá e Fortaleza, no Ceará–, isoladamente, não seria suficiente para causar uma pane tão grande ao sistema elétrico nacional. Por isso, pediu a abertura de uma investigação para identificar quais outros problemas levaram ao apagão.

O fato de a falha originária ter ocorrido numa linha da Eletrobras, porém, recolocou a empresa sob escrutínio. Eletricitários reclamam que, desde de que a empresa teve seu controle vendido, ela tem feito demissões em massa, abrindo mão de 1.500 funcionários.

Para eles, isso reduz sua capacidade de manter suas linhas de transmissão –45% do total das linhas do país– e, em tese, aumenta o risco de falhas.

“A Eletrobras mandou embora praticamente todo o quadro técnico experiente e conhecedor do Sistema Interligado Nacional”, afirmou Fabíola Antezana, diretora do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF) e integrante do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE). “A partir do momento em que você tem uma intercorrência e não tem pessoas, em quantidade e em qualidade, você tem uma demora maior no restabelecimento da energia.”

Segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), no caso do apagão de terça, a energia só foi totalmente restabelecida seis horas após a queda, registrada às 8h31.

De acordo com Antezana, a Eletrobras passa atualmente por um processo de centralização dos seus centros de operação –locais em que é monitorada a situação dos sistemas da empresa. Antezana explicou que boa parte do trabalho é feito longe dos equipamentos. O problema é que comandos à distância nem sempre funcionam.

“Não é sempre que o sistema responde a comandos digitais. Tem que ter o trabalhador na ponta, e isso está faltando”, afirmou.

O relato de Antezana é corroborado por outros eletricitários, que preferem não se identificar. A Eletrobras recentemente tentou demitir por justa causa o engenheiro Ikaro Chaves por críticas à sua privatização.

‘Anarquia do mercado’

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) divulgou um comunicado sobre o apagão na quarta. Nele, o MAB destaca que não falta energia no país –isso ocorreu em 2001, quando o país teve outro apagão–, mas que o sistema elétrico está entregue à “anarquia do mercado”.

“Cada usina e cada trecho de linhas de transmissão virou um negócio particular de cada empresário. O setor não tem mais uma liderança estatal que coordene e lidere. O setor está sob a dominação dos agentes privados”, informou o MAB.

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O MAB cita a Eletrobras. “A única empresa estatal que vinha cumprindo um papel estratégico foi privatizada, promoveu demissões em massa de trabalhadores e passou a operar suas estruturas com reduzida força de trabalho, principalmente em função da lógica rentista.”

“O que está acontecendo é resultado da completa destruição da segurança e soberania neste setor”, acrescentou. “Essa é a realidade que precisa ser confrontada para evitar novos apagões e chantagens do ‘mercado’.”

Privatização contestada

A Eletrobras foi privatizada em junho de 2022. O governo de Bolsonaro colocou ações da empresa à venda e reduziu sua participação nela de 65% para 42%. Com isso, deixou de ser acionista majoritário e perdeu o controle da companhia.

Por isso, o governo recebeu cerca de R$ 30 bilhões. O valor abriu espaço para que o governo reduzisse os impostos federais sobre combustíveis às vésperas da eleição presidencial.

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Sindicatos e movimentos populares se manifestaram contra a privatização da Eletrobras. Uma série de ações foram protocoladas para tentar evitar a venda do controle da empresa, a maior do setor de energia de toda a América Latina. Nenhuma delas prosperou.

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contestou no Supremo Tribunal Federal (STF) um aspecto da privatização da Eletrobras que reduz o poder de voto da União na empresa a 10% –ou seja, bem abaixo da atual participação societária federal. A ação até agora não foi julgada na Suprema Corte.

Nesta quinta-feira (17), o governo retirou do Programa de Desestatização a previsão para a venda de ações da Eletrobras que ele ainda detém.

Eletrobras responde

A Eletrobras confirmou em nota o desligamento de uma de suas linhas de transmissão no momento inicial do apagão de terça, mas destacou que "a manutenção dessa linha de transmissão está em conformidade com as normas técnicas associadas".

A empresa informou também que abriu processos para contratação de mais de 600 novos funcionários desde sua privatização.

 

Edição: Vivian Virissimo