Conflitos no campo

Pelo segundo ano, Bahia segue como terceiro estado com maior registro de conflitos no campo

Houve aumento de mais de 16% de casos registrados pela CPT na Bahia em relação a 2021

Brasil de Fato | Salvador (BA) |
Comunidade de fundo e fecho de pasto do Cupim, em Correntina, foi recorrentemente palco de conflitos em 2022 - Divulgação

A Comissão Pastoral da Terra (CPT) registrou 211 conflitos no campo em toda a Bahia em 2022. O estado segue em terceiro lugar neste ranking e só fica atrás do Maranhão (225) e Pará (236). Além disso, a CPT registrou ainda um aumento de 16,42% no número de conflitos na Bahia, índice bem superior ao nacional (10,39%).

Na última terça (15), a CPT-BA, em parceria com a Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais (AATR) e o Grupo de Pesquisa Geografia dos Assentamentos na Área Rural (Geografar/UFBA), lançou o caderno Conflitos no Campo Brasil 2022, que traz também o levantamento feito na Bahia. No evento, organizações, movimentos e comunidades camponeses de várias partes do estado se reuniram em um momento de denúncia de violências.

No caderno 2022, a CPT registrou também 69 manifestações envolvendo mais de 28 mil pessoas por todo o estado, o que dá a dimensão dos processos de resistência no campo. A CPT registra os conflitos por terra e por água, trabalho análogo à escravidão e ações de ocupações e retomadas de territórios.

Na Bahia, os conflitos por terra representam a grande maioria, com 156 registros e o envolvimento de mais de 8.700 famílias. Nesta categoria são contabilizadas todas as ações de resistência e enfrentamento pela posse, uso e propriedade da terra e também por acesso a recursos naturais.

Em sua análise durante o evento, a advogada Juliana Oliveira, da AATR, destacou que esses conflitos não só aumentaram nos últimos anos, como também se tornaram mais bárbaros. “Cada vez mais, são conflitos que põem em risco a vida de camponeses e camponesas”, ressaltou em sua fala no lançamento do caderno, realizado do auditório da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Salvador.

Os dados sobre ameaças de morte e agressão corroboram o que aponta Juliana. Entre 2021 e 2022 houve um aumento de 175% no número de pessoas agredidas e 170% nas ameaças de morte no estado. A CPT contabilizou ainda o assassinato de três pessoas: Elizeu Barbosa dos Santos e Adnilson Barbosa do Nascimento, sem terra, assassinados em Itaetê, em outubro e novembro de 2022; e Gustavo Pataxó, de apenas 14 anos, morto no município de Prado, em setembro.


Caderno Conflitos no Campo 2022 da CPT foi lançado na última terça (15), na Bahia. Na foto (da esq. para dir.) Roseilda Conceição (CPT), Jeferson Braga (OAB), Guiomar Germani (Geografar) e Jakcson (CPT) / Alfredo Portugal

Comunidades tradicionais

Em todo o Brasil, os povos indígenas são a população que mais sofre com os conflitos no campo, seguido pelos assentados. Na Bahia, no entanto, o cenário é diferente já há alguns anos. Em 2022, as comunidades de fundo e fecho de pasto foram alvo de 43% de todos os conflitos registrados no estado. A seguir, aparecem povos indígenas (16%), quilombolas e sem terra (15% cada), com índices muito parecidos.

As comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto existem, com esta denominação, apenas na Bahia. São formas de ocupação do território típicas do semi-árido baiano, em que comunidades utilizam áreas comunais para criação de gado (bovino, ovino e/ou caprino) à solta, sendo comum também o extrativismo e o cultivo de lavouras em lotes individuais.

A professora Guiomar Germani, uma das coordenadoras do Geografar/UFBA apontou, em sua fala no evento, para a grande diversidade que caracteriza essas comunidades. Durante o lançamento do caderno da CPT, Guiomar explicou que há comunidades de fundo e fecho compostas por pessoas indígenas, quilombolas, ribeirinhos etc., um exemplo da grande diversidade do campesinato na Bahia.


Movimentos e organizações camponeses estiveram presentes no lançamento do caderno de Conflitos no Campo 2022 da CPT / Thomas Bauer/CPT-BA

Agentes causadores

Embora os números de conflitos tenham crescido na Bahia, houve uma curiosa diminuição no número de pessoas envolvidas nesses casos. Roseilda Conceição, da CPT, explica essa alteração pela recorrência de casos de violência em um mesmo território. Em sua apresentação no evento, ela citou o exemplo da comunidade de fundo e fecho do Cupim, no município de Correntina, e do quilombo Fortaleza, em Bom Jesus da Lapa, que foram repetidamente atacados no ano de 2022.

Outro fator, apontado por Juliana Oliveira, da AATR, é a concentração de recursos, que levou a um aumento dos conflitos, com diminuição dos agentes causadores. Ou seja, em diferentes territórios do estado, se repetem os agentes causadores de conflitos no campo.

A pesquisa da CPT aponta que, em 2022, na Bahia, 40% de todos os conflitos foram causados pelo agronegócio e empresas de energia eólica. A seguir, aparecem os fazendeiros (26%) e as mineradoras (6%).

Um dos camponeses* que apresentou depoimento durante o evento exemplifica esses casos. Em sua comunidade, no município de Cordeiros, as ameaças mais constantes são agentes de monocultivo de eucalipto, mineradores e empresas de energia eólica, sempre com ameaças e violências recorrentes.

Ele afirma que, atualmente, há pelo menos três nascentes de água que desapareceram do território por conta da ação dessas empresas. A comunidade, que vive do extrativismo e produção artesanal de rapadura e farinha, se sente acuada e vê minguar suas possibilidades de recursos naturais e econômicos. Para ele, uma saída urgente é a demarcação do território e regularização da posse, em um território composto por indígenas, quilombolas e pescadores artesanais.

Elaine Oliveira, dirigente nacional do MST, também presente no evento, ressaltou a urgência na realização da reforma agrária como saída para resolver esses conflitos. Ela ressaltou que a morosidade em efetivar a reforma agrária no país e em promover a regularização fundiária em territórios tradicionais tem levado a índices tão graves de violência no campo.

* Preservaremos a identidade desta pessoa para não submetê-lo a riscos de represálias.

Fonte: BdF Bahia

Edição: Alfredo Portugal e Patrícia de Matos