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Arcabouço define regras e exceções sobre gastos, mas adia decisões para Orçamento

Propostas rejeitadas em tramitação do projeto podem ser reavaliadas durante debate sobre contas de 2024

Brasil de Fato | Curitiba (PR) |

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Deputados aprovaram texto do arcabouço fiscal diferente do apresentado pelo governo ao Congresso - Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

A aprovação do projeto do novo arcabouço fiscal (NAF) na Câmara dos Deputados, na última terça-feira (22), encerrou uma discussão que durou quase cinco meses. O projeto está agora pronto para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já com as devidas regras sobre os gastos públicos e suas exceções.

Isso não significa, porém, que os limites de despesas do governo para o ano que vem já estejam definidos. Parte da discussão do arcabouço foi transferida para o debate sobre o Orçamento de 2024, que começa na semana que vem, mais exatamente na próxima quinta-feira (31).

A data é o prazo limite para o governo enviar ao Congresso Nacional o chamado Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), confirmou na quarta-feira (23) que esse prazo será cumprido. Acrescentou ainda que algumas das discussões que estavam sendo travadas durante a tramitação do NAF passarão a ocorrer agora durante a discussão do Orçamento.

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Um ponto em aberto diz respeito à atualização monetária para cálculo dos limites de despesas do governo. O arcabouço aprovado na Câmara prevê que esse limite seja atualizado anualmente antes da discussão da PLOA com base na inflação de 12 meses encerrados em junho.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder do governo no Congresso Nacional, havia apresentado uma emenda ao projeto do NAF para que o limite de gastos fosse definido posteriormente, baseado na inflação acumulada de dezembro a novembro. Essa emenda chegou a ser aprovada no Senado, mas foi rejeitada na Câmara.

Segundo Haddad, ela será discutida agora junto com o PLOA. "O Congresso decidiu que essa questão [da correção monetária] não vai ficar no marco fiscal, mas isso não impede que ele eventualmente analise essa questão", afirmou ele. "Não vejo isso como um grande problema e penso que o Congresso vai saber acomodar a discussão."

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Segundo Haddad, a ideia de Randolfe já era considerada para discutir o limite de gastos impostos pelo Teto de Gastos, marco fiscal anterior e que será substituído pelo NAF. Especialistas avaliam que a emenda proposta pelo senador poderia abrir um espaço extra de gastos de até R$ 40 bilhões, levando em conta uma inflação mais atual.

Outro ponto a ser discutido ou pelo menos oficializado durante o debate do Orçamento é a meta de resultado primário – déficit ou superávit das contas públicas. O governo já prometeu em abril, quando anunciou o arcabouço fiscal, zerar o déficit público em 2024. Isso, porém, não está previsto no NAF. Terá de ser proposto na PLOA, votado no Congresso e sancionado pelo presidente para que passe a valer.

"É a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) que vai definir a meta de primário para o ano em que ela está especificando e para os três próximos. Isso está além do arcabouço", explicou o economista David Deccache, assessor do PSOL na Câmara dos Deputados e diretor do Instituto de Finanças Funcionais para o Desenvolvimento (IFFD).

Regra e exceção

Haddad, aliás, afirmou que o Congresso precisará discutir formas de o atual governo, presidido por Luiz Inácio Lula da Silva, arque com despesas assumidas pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). São elas: piso nacional da enfermagem, Bolsa Família de R$ 600 e o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Parte dessas despesas entram no limite de gastos previstos no NAF. Parte podem ser realizadas sem que considerar seus limites.

Entram nas regras do arcabouço fiscal:

. Gastos para pagamento do piso nacional da enfermagem;
. Despesas ou investimentos com ciência e tecnologia;

Não entram nos limites do arcabouço:

. transferências a estados e municípios e ao Distrito Federal;
. créditos extraordinários para despesas urgentes, como calamidade pública;
. despesas bancadas por doações, como as do Fundo Amazônia ou obtidas por universidades, e por recursos obtidos em razão de acordos relativos a desastres de qualquer tipo (por exemplo, Brumadinho);
. despesas custeadas com receitas próprias ou convênios obtidas pelas universidades públicas federais, empresas públicas da União que administram hospitais universitários;
. despesas da União com obras e serviços de engenharia custeadas com recursos transferidos por estados e municípios;
. pagamento de precatórios com deságio aceito pelo credor;
. parcelamento de precatórios obtidos por estados e municípios relativos ao antigo Fundef;
. despesas não recorrentes da Justiça Eleitoral com a realização de eleições.
. Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF);
. Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb);
. gastos feitos com recursos obtidos com concessões, com dividendos de empresas públicas ou com a exploração de recursos naturais;
. gastos feitos com recursos de contas PIS/Pasep declaradas abandonados;
. gastos com receitas obtidas com programas de recuperação fiscal (Refis);
. transferência a estados e municípios de parte da outorga pela concessão de florestas ou venda de imóveis federais em seus territórios;
.  despesas para a quitação de precatórios usados pelo credor para quitar débitos ou pagar outorgas de serviços públicos licitados;

Outras exceções:

. O arcabouço fiscal prevê um valor mínimo de investimentos que o governo deve fazer por ano, independentemente dos limites de gastos. Ele gira hoje em torno de R$ 70 bilhões;
. Gasto para reajuste do salário mínimo estará garantido mesmo caso o governo não cumpra as metas fiscais previstas no NAF;
. Gasto para pagamento do Bolsa Família estará garantido mesmo caso o governo não cumpra as metas fiscais previstas no NAF;
. Gastos com Saúde e Educação não levam o NAF em consideração porque estão definidos pela Constituição, na qual o arcabouço não mexe;
. A Constituição também prevê que 2% das receitas líquidas do governo sejam destinadas a pagamento de emendas parlamentares.

Segundo Deccache, da forma como foi aprovado, o NAF chega a ser mais rígido do que o Teto de Gastos, pois tem menos exceções. "Neste aspecto muito específico, o novo arcabouço fiscal é mais duro que o antigo Teto de Gastos. No Teto, havia mais exceções."

Regras gerais

A regra geral do Naf vinculam as despesas com a  arrecadação. O gasto do governo pode aumentar até 70% do ganho com impostos.

Isso significa que, se a União receber R$ 100 milhões em impostos a mais, poderá aumentar seus gastos em R$ 70 milhões no ano seguinte. Os valores são ilustrativos.

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O arcabouço também prevê que o governo apresente metas para as contas públicas anualmente. Se essas metas não forem cumpridas, o crescimento da despesa cai de 70% da arrecadação para 50%; depois para 30%.

Exemplo: se as contas do governo fecharem com déficit de 0,3% do PIB em 2024, quando a meta era zero com tolerância de até déficit de 0,25%, as despesas só poderão aumentar 50% da arrecadação em 2025. Se em 2025, a meta prevista para o ano também não for cumprida dentro da margem de tolerância, o gasto só poderá crescer 30% em 2026.

O Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP) divulgou um informativo sobre o NAF após sua aprovação. Segundo o Made, o NAF favorece investimentos.

Edição: Thalita Pires