Em Santiago

'Nunca houve presença tão forte de países do Sul na economia global', afirma cientista política

Ativistas de 23 países se reúnem na Conferência Dilemas da Humanidade para debater alternativas ao capitalismo

Brasil de Fato | Santiago, Chile |
Reunindo ativistas, políticos e intelectuais, a Conferência Regional Dilemas da Humanidade no Chile vai até segunda (4) - Gabriela Moncau

“Estamos em um momento de mudanças profundas. Em que nossa região latino-americana e caribenha, de novo, enfrenta o grande dilema de dois projetos políticos”. Assim a cientista política peruana Mónica Bruckmann começou o painel que deu início, neste sábado (2), à Conferência Regional Dilemas da Humanidade, na comuna de Recoleta, região metropolitana de Santiago, no Chile. 

“O da soberania, da possibilidade de pensar o futuro a partir das nossas próprias visões e projetos de desenvolvimento. E o da ameaça de movimentos de extrema-direita, profundamente violentos, retrógrados e reacionários”, introduziu Bruckmann. 

Em sua visão, o planeta passa pelo maior reordenamento econômico desde a Segunda Guerra Mundial. “Nunca houve uma presença tão forte dos países do Sul na economia mundial. E neste momento estão em condições de não se submeter à dinâmica da acumulação do capital organizada pelo Norte”, afirmou Mónica Bruckmann, mencionando o aumento dos países que passarão a integrar o Brics.  

Dilemas da Humanidade 

Organizada pela Alba Movimentos e pela Assembleia Internacional dos Povos (AIP), essa é a etapa latino-americana e caribenha que, somada a outras conferências na África, Ásia, Europa e América do Norte, faz parte do processo preparatório para a III Conferência Internacional Dilemas da Humanidade. O evento mundial será em outubro em Joanesburgo, na África do Sul.  

A conferência regional em Santiago segue até a próxima segunda-feira (4) e reúne cerca de 170 pessoas de movimentos populares, sindicatos e partidos políticos de 23 países. Entre eles, Brasil, Argentina, Colômbia, Trinidade e Tobago, São Vicente e Granadinas, Jamaica, Chile, Costa Rica, México, Panamá, Peru, Bolívia, El Salvador, Guatemala, Honduras, Cuba e Venezuela.  

Por meio de atividades como debates, grupos de discussão e lançamento de livros, o evento tem como objetivo discutir os atuais desafios para a organização e as lutas emancipatórias dos povos e trocar sobre experiências socialistas concretas. 

“Talvez tenhamos dado muito espaço a discursos conciliadores, de centro e que não tensionam, acreditando que isso pode permitir um acúmulo de forças. Mas a história mostra o contrário”, avalia Laura Capote, da secretaria da Alba Movimentos e da Marcha Patriótica da Colômbia.  

“Estamos vivendo um momento em que neofascismos e novas direitas estão radicalizando. E nós, então, temos que estar à disposição da radicalização do nosso projeto, um projeto humanista, transformador, que supere a crise civilizatória em que estamos”, afirma Capote.  

“Nossa América hoje” 

“Recordemos Allende”, introduziu o escritor e sociólogo Héctor Béjar, também do Peru, no painel sobre a conjuntura política no continente. “Recordemos o estádio”, disse, já que a conferência acontece no marco dos 50 anos do golpe militar chileno. Foi ali, no Estádio Nacional do Chile, que a ditadura de Pinochet prendeu cerca de 40 mil pessoas e executou aproximadamente 400.  

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“Por volta dos anos 1970, o governo dos EUA e as oligarquias latino-americanas tentaram nos exterminar. E estamos aqui. Estão aqui os filhos, os netos. As novas gerações. E isso mostra que a política de extermínio fracassou. Nesse 11 de setembro celebraremos o fracasso da política de extermínio”, afirmou Béjar. 

“Mas isso não significa que isso tenha terminado. Temos ainda algumas tarefas”, completou. O pensador peruano defendeu que não apenas sejam denunciadas as violências e torturas praticadas sistematicamente por forças de segurança estatais em todos os países da região, como sejam investigados os protocolos e os mandantes desta técnica. “É uma tarefa nossa descobrir e desarmar esse mundo”, argumentou. 

Citando principalmente os governos progressistas e revolucionários do continente, Héctor Béjar listou o que considera agendas pendentes: o enfrentamento do racismo, as reformas agrária e urbana e a soberania alimentar.   

“Temos que ter em conta as grandes mudanças sociais. A grande classe trabalhadora do século 19 foi substituída. Agora o proletariado mundial é composto por migrantes, exilados, refugiados, despejados e precarizados”, avaliou, citando entregadores que trabalham com delivery 12h por dia em cima de uma moto. “Temos que conversar e nos articular com esse gigantesco precariado. É um dos nossos grandes desafios”, constatou. 

Edição: Raquel Setz