Perfil

Maria Corina Machado: quem é a opositora venezuelana convidada por Moro ao Senado

Filha de empresário e ultraliberal, Machado quer ser presidente da Venezuela; passado envolve apoio a golpe e às sanções

Caracas (Venezuela) |
Maria Corina é pré-candidata à Presidência e representa setor extremista da direita venezuelana - Federico Parra/AFP

A convite do ex-juiz e senador Sergio Moro (União Brasil), a opositora venezuelana Maria Corina Machado deve participar de uma audiência da Comissão de Segurança Pública do Senado brasileiro nesta terça-feira (12).

A justificativa do convite, segundo o próprio senador, seria debater "a situação atual do Estado democrático de direito, as liberdades e garantias individuais na Venezuela e o reflexo dessa instabilidade na segurança pública".

::O que está acontecendo na Venezuela::

No entanto, Moro aproveitou a ocasião para criticar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e alegar que "o Brasil está alinhado internacionalmente com as autocracias e ditaduras". Há meses, o ex-juiz vem se utilizando das relações diplomáticas entre Caracas e Brasília - retomadas em maio após anos de rompimento - para atacar o governo brasileiro. Pelas redes sociais, Moro e Maria Corina vêm interagindo publicamente para reafirmar suas visões e tecer comentários negativos sobre os governos de Nicolás Maduro e Lula.

Mas afinal, quem é Maria Corina Machado, a opositora que participará da audiência do Senado nesta terça-feira?

Família rica e ONG financiada pelos EUA

Após entrar para a política, Machado passou a se apresentar como uma engenheira industrial e ativista pela "liberdade" da Venezuela. No entanto, a histórica opositora ao chavismo é filha de Enrique Machado Zuloaga, um dos maiores empresários venezuelanos, falecido em janeiro deste ano. Dono da siderúrgica Sivensa, Zuloaga chegou a construir um império ligado ao ramo de metais pesados e energia que, após sua morte, continua sob o comando da família. O atual presidente da empresa é Oscar Augusto Machado, primo de Maria Corina.

No início dos anos 1990, as empresas da família Machado se converteram no primeiro exportador privado não-petroleiro da Venezuela, mas entraram em choque com o governo do ex-presidente Hugo Chávez. Em 2009, Chávez decretou a expropriação de duas filiais da Sivensa. No ano seguinte, em 2010, após uma greve de trabalhadores de outra subsidiária da Sivensa, a Sidetur, o ex-presidente também nacionalizou a empresa. 

Naquele período, Machado já atuava politicamente no país dirigindo uma organização fundada por ela mesma chamada Súmate, que se classifica como uma ONG para "monitorar eleições na Venezuela". Entretanto, a entidade teve participação ativa nas mobilizações que culminaram no golpe de Estado contra Chávez em 2002 e na campanha para a convocação de um referendo revogatório para encerrar o mandato do ex-presidente em 2004. Após a vitória chavista na votação com quase 60% dos votos, os diretores da Súmate foram acusados de conspiração pela Justiça venezuelana por receberem doações do National Endowment for Democracy (NED), instituição estatal dos EUA criada nos anos 1980 para atuar na política externa.

Golpe contra Chávez e visita a Bush

Além do apoio da Súmate ao golpe que derrubou Chávez por 48 horas em 2002, Maria Corina apoiou pessoalmente o governo golpista que se apoderou do país momentaneamente naquele ano. Na ocasião, o então diretor da principal entidade empresarial do país, Pedro Carmona Estanga, se autoproclamou presidente da Venezuela e assinou um decreto que fechava o Congresso, anulava a Constituição, dissolvia a Suprema Corte e suspendia garantias legais. Maria Corina estava entre as mais de 300 pessoas que fizeram parte do breve governo golpista e assinaram o chamado "decreto Carmona". 


Em 2005, Machado foi recebida pelo então presidente dos EUA George W. Bush / White House

Após o golpe e a derrota no referendo revogatório em 2004, Machado ampliou sua ação e buscou apoio internacional para a Súmate. Em 2005, visitou a Casa Branca e se reuniu com o então presidente dos EUA George W. Bush. O encontro gerou repúdio por parte de Caracas, que alegou que, naquele momento, nem o embaixador venezuelano em Washington conseguia uma reunião com Bush.

Deputada cassada e 'guarimbas'

Em 2010, Machado foi eleita como deputada pelo Estado de Miranda, mas não chegou a terminar o mandato pois foi cassada em 2014, após aceitar um cargo de embaixadora do Panamá na OEA (Organização dos Estados Americanos), violando o artigo 149 da Constituição venezuelana que impede funcionários públicos de aceitar cargos de governos estrangeiros sem a autorização do Parlamento. Segundo ela, o posto oferecido pelo governo panamenho serviria para "denunciar a violência cometida" pelo presidente Nicolás Maduro.

A violência a qual Machado se referia eram as ações policiais contra diversos protestos opositores, que ficaram conhecidos no país como "guarimbas". O estopim das marchas foram as declarações dadas em 2013 pelo então candidato opositor à Presidência, Henrique Capriles, dizendo que não reconheceria a vitória de Maduro e convocaria a população a protestar contra os resultados eleitorais.

No entanto, ao longo dos meses, os protestos foram ganhando amplitude e ficaram marcados pelo alto nível de violência empregado pelos manifestantes que incendiavam prédios públicos, atacavam sedes de partidos de esquerda e agrediam trabalhadores que se recusavam a aderir às marchas. Neste momento, Capriles tentou afastar sua imagem dos distúrbios e enfrentamentos quase diários entre a polícia e os manifestantes. A decisão abriu brecha para que outros líderes opositores assumissem a liderança dos protestos. Entre eles, estava Maria Corina Machado.


'Guarimbas' de 2014 e 2017 foram encorajadas por Maria Corina / Ronaldo Schemidt/AFP

As "guarimbas" voltaram a ocorrer três anos mais tarde, em 2017. Os protestos daquele ano, no entanto, duraram mais tempo e se mostraram ainda mais violentos que os de 2014. Segundo a versão do governo, ao menos seis pessoas foram mortas e 23 foram atacadas durante os atos por serem simpatizantes ou apoiadores do chavismo.

O caso mais emblemático desse tipo de violência ocorreu em maio de 2017, quando o jovem de 22 anos Orlando Figuera foi linchado, esfaqueado e teve seu corpo incendiado após ser acusado de ser chavista durante uma marcha na zona leste de Caracas. Segundo o relato da mãe do rapaz, que o encontrou no hospital ainda com vida, os participantes da marcha perguntaram a Figuera se ele era chavista e o jovem respondeu que sim. "O apunhalaram, lincharam, colocaram gasolina e queimaram. O queimaram vivo porque ele era negro e porque era chavista", disse a mãe em uma entrevista ao jornal Público.

Visita ao Brasil e medida cautelar

Em meio às primeiras “guarimbas” e logo após ser cassada, Maria Corina visitou o Brasil em abril de 2014. A convite do então senador Ricardo Ferraço, hoje vice-governador do Espírito Santo, Machado foi recebida na Comissão de Relações Exteriores do Senado onde foi elogiada pela bancada da então oposição à ex-presidenta Dilma Rousseff e questionada pelos senadores da base governista. Protestos de movimentos populares contra a presença da opositora também foram registrados em Brasília. A passagem pelo país também incluiu uma reunião com o então governador de São Paulo e atual vice-presidente, Geraldo Alckmin, e a participação no programa Roda Viva da TV Cultura.

Em junho daquele ano, após retornar à Venezuela, Maria Corina foi formalmente indiciada pelo Ministério Público por sua participação nos episódios violentos ocorridos durante os protestos opositores. Além disso, ela foi acusada de participar de um plano para concretizar outro golpe de Estado, desta vez, para derrubar Maduro. A denúncia foi acolhida pelo MP após o vazamento de supostos e-mails trocados entre Machado e outros opositores que tratavam de um plano golpista “com apoio de Washington”.


Em 2014, movimentos protestaram contra a presença de Maria Corina no Senado brasileiro / Evaristo Sa/AFP

Durante as investigações, o MP pediu à Justiça uma medida cautelar para impedir que a opositora deixasse o país durante o decorrer do processo. O senador Sergio Moro, ao fazer o convite a Machado nos últimos dias, fez referência à proibição e, por isso, a ex-deputada participará na sessão desta terça-feira (12) de maneira remota, através de uma videoconferência. O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério Público da Venezuela para saber se a medida cautelar ainda está em vigor, mas não obteve resposta até o fechamento desta matéria.

Juan Guaidó e bloqueio

Em 2019, a oposição deu mais um passo no caminho insurrecional para tentar chegar ao poder ao apoiar a autoproclamação do ex-deputado Juan Guaidó como "presidente interino" do país. O plano estava inserido na chamada estratégia de "pressão máxima" elaborada por Donald Trump durante seu período na Casa Branca. Aliado a Guaidó e ao "governo interino", as sanções impostas pelos EUA contra a indústria petroleira tinham a intenção de criar o caos econômico e político e, assim, forçar uma saída de Maduro do poder.

Fora dos holofotes, Maria Corina apoiou Guaidó durante todo o período do "interinato", apesar de nunca ter ocupado nenhum cargo dos que foram criados pelo governo paralelo. Foi também durante esse período que a opositora passou a falar mais abertamente em uma "intervenção militar estrangeira" na Venezuela para que fosse alcançada a derrubada do governo chavista.

::Fim da 'presidência' de Guaidó reflete esgotamento e crise da direita na Venezuela::

"Se a ameaça não for real, o regime não vai ceder", disse Machado à BBC em 2019. No ano seguinte, em 2020, em uma entrevista à agência alemã Deutsche Welle, a ex-deputada chegou a pedir uma "intervenção militar cirúrgica, que retire Maduro do poder".

Apesar da derrota eleitoral de Trump em 2020 e o fim do "governo interino" de Guaidó em 2022, Maria Corina segue apoiando a política de sanções dos EUA contra a Venezuela, que hoje formam um conjunto de mais de 900 medidas tomadas contra instituições, empresas estatais e funcionários públicos.

Presidência e inabilitação

O apoio ao bloqueio dos EUA que, segundo estudos, gerou uma grave crise humanitária na Venezuela nos últimos anos, não parece abalar a confiança da opositora, que agora volta a encarar a via eleitoral como possibilidade de chegar ao poder. Machado figura entre os 14 postulantes que disputarão as eleições primárias opositoras, tentativa da direita de definir uma candidatura única para as próximas eleições presidenciais previstas para 2024.

Apesar de aparecer como favorita em algumas pesquisas, a opositora não deve conseguir se inscrever legalmente como candidata presidencial, já que ela estaria inabilitada de ocupar cargos públicos por 15 anos, em um processo datado do ano de 2015. A decisão, divulgada pela Controladoria-Geral da República em junho, elevou as tensões políticas no país que já vive um clima de campanha eleitoral. A justificativa apresentada pela CGR foi a de que haveria "inconsistência e ocultação" de ativos na declaração de bens que Machado apresentou no período em que foi deputada na Assembleia Nacional (2011-2014).

::O que se sabe sobre a inabilitação da pré-candidata opositora à Presidência da Venezuela::

A opositora, no entanto, nega qualquer irregularidade e acusa o governo de “perseguição política” para evitar sua candidatura. Mesmo com a inabilitação, Machado manteve sua participação nas primárias e disse que não vai abrir mão de concorrer à Presidência, prometendo que irá "até o final" para "varrer o socialismo de uma vez por todas da Venezuela".

No final de agosto, em entrevista ao canal Factores de Poder, controlado por opositores venezuelanos que vivem em Miami, o ex-prefeito de Caracas e assessor internacional da campanha de Machado, Antonio Ledezma, chegou a cogitar um "plano de desobediência civil" caso a opositora seja impedida de concorrer nas eleições presidenciais, mencionando o envolvimento de militares com quem eles estariam "conversando".


Machado voltou a convocar protestos para exigir saída de Maduro em 2017 / Federico Parra/AFP

Ultraliberal e amiga da extrema direita

As posturas de Maria Corina, ao longo dos últimos anos, estiveram marcadas pela oposição ao chavismo e às políticas econômicas dos governos Chávez e Maduro. No entanto, foi só nos últimos meses que suas ideias políticas, econômicas e sociais ganharam mais destaque na imprensa nacional e internacional.

Uma das principais propostas da campanha de Machado é privatizar a maioria dos bens e empresas públicas da Venezuela, inclusive a petroleira PDVSA. A empresa é a principal responsável pela arrecadação de divisas do Estado e, apesar da crise e das sanções, continua sendo o polo mais dinâmico da economia venezuelana. A opositora ainda não apresentou um plano sobre como executaria a venda da estatal.

::'Golpista': exército venezuelano responde ameaça de desobediência civil feita por opositor::

A proposta está baseada em ideias ultraliberais que Machado defende há anos e que, inclusive, estão no estatuto do partido que ela fundou em 2012, o Vente Venezuela: o Estado mínimo, a predominância da propriedade privada e o protagonismo do setor empresarial.

No âmbito social, apesar de se manter neutra em questões como a legalização do aborto e o matrimônio igualitário, Machado adota um discurso conservador que reverbera entre opositores mais radicais ao chavismo, além de estar em sintonia com algumas forças políticas de extrema direita de outros países, como o partido Vox, da Espanha, e com figuras ligadas ao "bolsonarismo" no Brasil.

Prova disso é que a ex-deputada venezuelana é uma das signatárias da Carta de Madri, manifesto criado em 2020 com o apoio de diversas correntes e personagens da ultradireita, como Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente Jair Bolsonaro, Javier Milei, candidato à Presidência argentina, e Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália. 

Edição: Patrícia de Matos