quem mandou matar?

Dor, indignação, saudade e muitas perguntas: morte de Marielle Franco e Anderson completa 5 anos e 6 meses

Seminário Internacional nos dias 20, 21 e 22 de setembro, no Rio, vai retomar caso a partir de novas perspectivas

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Seminário próximo dos 2000 dias do brutal assassinato vai debater ideias e experiências - René Junior

Hoje, 14 de setembro de 2023, completam-se 5 anos e 6 meses desde que Marielle Franco e Anderson Gomes foram assassinados. Nesta data, em 2018, época em que o Estado do Rio de Janeiro estava sob intervenção federal, Marielle estava a caminho de casa quando foi brutalmente executada junto a seu motorista Anderson, no centro da cidade do Rio. Chegamos a esse marco resistindo bravamente com muita dor, indignação, saudade e muitas perguntas que continuam sem respostas: Afinal, quem mandou matar Marielle e por quê? 

Anderson trabalhava para sustentar sua família e deixou um filho, que tinha então um ano e meio de idade. Mari foi uma ativista e intelectual negra, bissexual, mãe, cria da favela da Maré, defensora dos direitos humanos, parlamentar eleita pelo Psol em 2016, e que, ao longo de sua trajetória, lutou contra a violência policial e o genocídio da população negra. 

O crime marcou a história política brasileira e mundial, demonstrando a fragilidade da democracia no nosso país, e levantou a importância do debate da violência política de gênero e raça, da violência letal LGBTfóbica e do ataque a defensores de direitos humanos no Brasil. Como uma resposta ao assassinato de Mari, a família da vereadora criou, em 2019, o Instituto Marielle Franco para inspirar, conectar e potencializar mulheres negras, LBTQIA+ e periféricas a seguirem movendo as estruturas da sociedade por um mundo mais justo e igualitário, e para que mais mulheres negras e faveladas ocupem a política e não sejam interrompidas. 

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Ao longo desses anos, ocorreram inúmeras mudanças no comando das investigações, obstruções e vazamentos de informações. Tal cenário traduz a dificuldade estrutural de acesso à justiça por parte de familiares de mulheres negras e, em especial, defensoras de direitos humanos vítimas da violência do Estado, além da negligência e da impunidade estrutural em casos de crimes contra a vida de defensores de direitos humanos.

Recentemente, temos observado um aumento gradual da representação de mulheres negras, cis e trans, na política institucional. Porém, esse progresso ainda ocorre de forma limitada, e a violência política de gênero e raça, que nos tirou Marielle, é uma das principais razões para essa representatividade ainda insuficiente.

Após a morte de Marielle, houve um crescimento de casos de violência política contra mulheres negras cis e trans e defensoras de direitos humanos, historicamente subrepresentadas, o que mobilizou o Instituto Marielle Franco a organizar a campanha permanente Não Seremos Interrompidas, plataforma através da qual, junto a outras organizações da sociedade civil, lutamos por proteção e segurança para mulheres negras, LBTQIA+ e periféricas que se disponibilizam a ocupar a política. Vale notar ainda que, nos estados do Norte e Nordeste do país, a violência política de gênero e raça que ocorre contra candidatas, militantes e parlamentares recebe ainda menos destaque em âmbito nacional. 

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Temos acompanhado casos de violência política contra mulheres negras, cis, trans e travestis, e levado essas questões a foros nacionais e internacionais. Atuamos para que o que aconteceu com Mari não se repita, afinal alcançar justiça por Marielle significa que o Estado, dentre outras medidas, deve implementar aquelas capazes de alterar as circunstâncias estruturais que promoveram e deixaram de evitar que violações de direitos humanos como esta se concretizasse. Como resultado dessa nossa frente de luta, juntamente a outros esforços da sociedade, em 2021 foi aprovada a primeira Lei de Violência Política, contudo, ainda é necessária a estruturação de uma política pública nacional de prevenção e proteção contra a violência política de gênero e raça.

Também criamos o Comitê Justiça por Marielle e Anderson, articulação das famílias de Marielle e Anderson, liderada pelo Instituto Marielle Franco, com o mandato da vereadora Mônica Benício, e com as organizações Anistia Internacional Brasil, Justiça Global, Coalizão Negra por Direitos e Terra de Direitos, no intuito de lutar por justiça no caso.

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Este ano, este Comitê realizará o Seminário Internacional 5 anos de luta por Justiça por Marielle e Anderson, o qual acontecerá nos dias 20, 21 e 22 de setembro de 2023, próximo à data em que se completam 2000 dias do brutal assassinato de Marielle Franco e tem como objetivo conectar juristas, organizações da sociedade civil, defensores de direitos humanos e outros atores do sistema de justiça nacional e internacional para o compartilhamento de ideias e experiências e debater temas ligados ao caso Marielle e Anderson a partir de perspectivas latinoamericanas e decoloniais, da Criminologia Crítica, do uso emancipatório do Direito e da luta por justiça em casos de crimes contra a vida de defensores de Direitos Humanos na América Latina, estimulando reflexões críticas, estratégias de solidariedade internacional e o  enfrentamento a violência política.

Contaremos com a presença de acadêmicos, juristas, defensores de direitos humanos, organizações da sociedade civil, representantes de autoridades públicas do Brasil e de outros países da América Latina, nomes como Thula Pires, Jurema Werneck, Achille Mbembe, Anielle Franco, Marinete Silva, Agatha Arnaus, Monica Benício e tantos outros que ecoam o nosso grito por justiça.

Queremos destacar ainda que vamos poder ouvir Claudelice da Silva Santos, do Pará, defensora de direitos humanos que luta por justiça após o assassinato de seu irmão, José Claudio Ribeiro dos Santos, e de sua cunhada, Maria do Espírito Santo, em 2011. Claudelice denunciou violações de direitos humanos resultantes de grilagens, exploração ilegal de madeira e crimes contra o meio ambiente. Também participará do evento Mirtes Renata Santana de Souza, que luta por justiça por seu filho Miguel Otávio, e é estudante de Direito, assessora parlamentar e militante da Articulação Negra de Pernambuco-ANEPE.

Contaremos com a presença de Ana Paula Oliveira, mulher negra, cria da favela de Manguinhos, mãe de Johnatha de Oliveira Lima, vítima letal da violência policial no Rio de Janeiro, formada em Pedagogia, Defensora de Direitos Humanos, cofundadora e coordenadora do movimento Mães de Manguinhos. O seu grito inspira muitas Mulheres Negras a se levantaram contra o genocídio do povo negro nas favelas e periferias do Brasil. Também estará conosco Bertha Zúniga, de Honduras, que é uma ativista social, filha da líder social Berta Cáceres, assassinada em 2016. 

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A luta por justiça por Marielle e Anderson se reconhece na dor do luto e na resistência da luta destes e de tantos outros casos de violência política de gênero e raça e crimes contra a vida de defensores de direitos humanos na América Latina. Acreditamos que Marielle deve ser lembrada, principalmente, e acima de tudo, por sua mobilização em prol da dignidade e contra as injustiças. E não por um crime sem respostas. Por isso, convidamos todas as pessoas a se somarem a essa luta. No seminário, ergueremos nossas vozes para que na América Latina nossas trajetórias não sejam interrompidas!

*Ligia Batista é diretora do Instituto Marielle Franco e Brisa Lima é advogada da família e da comissão Justiça por Marielle e Anderson.

**Este é um texto de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Fonte: BdF Rio de Janeiro

Edição: Eduardo Miranda