Entrevista

Primeira reitora negra toma posse na UFRB, universidade na Bahia com 81% dos estudantes negros

Georgina Gonçalves foi eleita reitora da UFRB em 2019 e não empossada pelo então presidente Jair Bolsonaro

Brasil de Fato | Itaparica (BA) |
Cerimônia de posse da nova reitora aconteceu em Brasília, no último dia 30 - Ascom/UFRB

Nesta quinta-feira (14), aconteceu a cerimônia de transmissão de cargo para a nova reitora da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), professora Georgina Gonçalves. 

A professora Gina Gonçalves tomou posse oficialmente em 30 de agosto, em cerimônia celebrada em Brasília. Ela é graduada em Serviço Social pela Universidade Católica do Salvador, mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia e doutora em Ciências da Educação pela Universidade de Paris VIII. É professora associada do Centro de Artes, Humanidade e Letras (CAHL) da UFRB. Ela foi vice-reitora da universidade de 2015-2019. E em 2019, foi eleita reitora da UFRB e não empossada pelo então presidente Jair Bolsonaro.

Em entrevista ao Brasil de Fato Bahia, a professora fala sobre o simbolismo de se tornar a primeira reitora negra em uma universidade com 81% dos estudantes negros. Georgina Gonçalves fala ainda sobre o papel da universidade no interior do estado e quais seus sonhos para os anos seguintes.

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Brasil de Fato Bahia: A UFRB é uma universidade com maioria de estudantes negros e também com uma grande quantidade de professores e demais servidores negros. Qual a importância de ter agora uma reitora também negra?

Georgina Gonçalves: A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) tem de fato um perfil muito peculiar: 81% dos seus estudantes são negros, é assim também entre os servidores, tanto técnicos quanto docentes. Uma reitora negra marca essa distinção da universidade e marca o quanto o símbolo é importante para instituições federais de ensino, para as instituições de ensino superior, de modo específico, e enquanto símbolo é importante para a luta democrática. Há quatro anos, penso que foram exatamente essas mesmas marcas que trago no meu corpo, na minha biografia, as responsáveis pela minha não nomeação. Hoje participando da conduta democrática e depois sendo nomeada pelo presidente Lula, penso que essas marcas são sinais, símbolos de resistência, potência, de luta.

A UFRB foi criada nesse esforço de interiorização e de popularização da universidade pública na Bahia. Ela tem conseguido atingir a esses objetivos? Quais são os principais desafios para isso?

A Universidade Federal do Recôncavo da Bahia é uma universidade do interior, presente em três territórios de identidade do nosso estado: Recôncavo, Vale do Jiquiriçá e Portal do Sertão. Na nossa universidade, 93% dos estudantes são do estado da Bahia. Desses, 77% são do interior do estado, ou seja, menos de 15% dos nossos estudantes são de Salvador e região metropolitana. Portanto, a UFRB é uma universidade do interior. Nossos resultados relacionados às políticas de ensino, de extensão e de pesquisa se refletem nesses lugares. Os maiores desafios certamente são os relacionados a intensificar políticas de permanência, de assistência estudantil – eu falei na outra questão sobre nosso perfil socioeconômico, né?! Mas sobretudo, de garantir com que essa universidade aprofunde ainda mais suas relações, que a sua função social repercuta em desenvolvimento para os territórios aos quais ela pertence.

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Gina Gonçcalves é a primeira mulher negra a assumir a reitoria da UFRB / Ascom/UFRB

Professora, a senhora foi a mais votada na lista tríplice de 2019, mas não foi nomeada para o cargo pelo então presidente Jair Bolsonaro. Além disso, a UFRB sofreu, assim como as demais universidades federais, cortes de verbas reiterados durante os anos de governo de Bolsonaro. Nesse momento que estamos agora, de reconstrução democrática, qual o papel da universidade nesse processo?

É importante que se diga que desde finais de 2015 e início de 2016, a universidade já vivia em processo de fortes ataques. De 2019 a 2023, o período do antigo governo é marcado por ataques frontais à democracia, à autonomia universitária, mas também a constrangimentos de outras dimensões, que dizem respeito ao ponto de vista material. Se tinha um constrangimento simbólico, que é bastante grave, à autonomia da universidade, porque a autonomia de uma universidade é basilar, mas o constrangimento orçamentário nos obrigou a restringir investimentos, sonhos, proposições que são essenciais para a universidade. Falo de investimentos em pesquisa, em ensino, em extensão, investimentos na área de assistência estudantil. Para se ter uma ideia, de despesas de custeio, em 2015, a universidade recebia R$ 40 milhões. Em 2023, nosso orçamento de custeio foi na ordem de R$ 32,5 milhões. Se a gente tivesse esse orçamento corrigido, ele deveria ser na ordem de R$ 64 milhões. Mas o que é importante destacar na questão que você coloca sobre a reconstrução democrática é que a universidade foi espaço importante de resistência, de enfrentamento, de defesa da democracia. A comunidade universitária deu exemplo de mobilização. E nesse momento de esperança, de reconstrução, do novo governo com viés mais democrático, nós na UFRB temos uma expectativa de avançar no que diz respeito à política de direitos, falando principalmente de assistência, ações de permanência estudantil; de avançar em pesquisa em pós-graduação; avançar em ensino. Eu penso que a instituição universitária tem o papel importante na contribuição para o desenvolvimento e um projeto de nação mais democrática, com justiça, com justiça social, a universidade tem nesse momento o papel de garantidora da educação superior como direito social. Esse é fundamentalmente nosso papel nesse momento. Continuar contribuindo para um projeto nacional justo e inclusivo, que aponte um futuro de esperança.

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Quais são seus sonhos e metas para a UFRB nesses próximos quatro anos?

Nesses próximos quatro anos, acho que a UFRB precisa confirmar o projeto que lhe distingue. A universidade precisa aprofundar as relações no seu território, a universidade precisa garantir resistência e potência de sua comunidade, potência e compromisso com sua gente – e aí estou falando de jovens, de mulheres, de negros, de trabalhadoras e trabalhadores. Garantir permanência dessas pessoas, garantir o sonho, contribuir para a realização do sonho que o acesso e o sucesso no ensino superior representam. Portanto, metas e sonhos nesses quatro anos, se dá pra colocar essas duas palavras na mesma frase, é fazer a universidade plena, potente, cheia, cumprindo sua função social, garantindo o ensino superior para as mais amplas camadas da sociedade brasileira.

Fonte: BdF Bahia

Edição: Alfredo Portugal