No Rastro das Lutas

No Rastro das Lutas: comunidades quilombolas resistem ao tempo e apontam caminhos para efetivação de direitos

Sétimo episódio da série destaca a luta dos povos quilombolas na efetivação de direitos em todo o país

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Comunidades quilombolas resistem e apontam caminhos para efetivação de direitos - Foto: Márcio Costa/Agência IBGE Notícias

Quilombolas são povos de regiões remanescentes de quilombos, comunidades formadas por pessoas negras que fizeram a resistência à escravização no Brasil de poucos séculos atrás. Atualmente, as comunidades quilombolas estão presentes em todo o território brasileiro e nelas se encontra uma rica cultura, baseada em saberes ancestrais e resistência.

Este sétimo episódio da série No Rastro das Lutas, Movimentos populares abrindo caminhos para a democracia e direitos no Brasil, traz esse longo histórico de luta e resistência dos povos quilombolas no país. Esta produção é uma parceria entre o Brasil de Fato e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), que completa 50 anos de atuação em 2023.

Apesar de essas comunidades tradicionais terem sido reconhecidas pela Constituição de 1988, que previa o direito desses povos a terra e território, apenas em 2003 esse direito foi regulamentado e o governo federal inicia, de fato, os processo de titularização dessas terras.


Maranhã é o estado com segunda maior população quilombola do país, atrás apenas da Bahia / Divulgação

Florisvaldo Rodrigues da Silva, da comunidade quilombola Araçá Cariacá, no município de Bom Jesus da Lapa, é coordenador Geral do Conselho Estadual das Comunidades e Associações Quilombolas do Estado da Bahia (CEAQ-BA), estado com maior população quilombola do país. Ele nos explica em que contexto nasce a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), que esteve envolvida no processo de luta para que os direitos desses povos tradicionais fossem de fato efetivados.

“O surgimento da CONAQ se dá nesse momento que não tinha mais como esperar, a gente olhar para a lagoa sendo envenenada e não poder tirar dali o sustento para nossa subsistência, não poder pegar água, não poder desenvolver as nossas atividades naquele chão que os nossos antepassados pisaram. Não tenho dúvida de que guiados pela ancestralidade vem essa ideia de criar esse espaço de visibilidade, de existência e de resistência”, conta.

E explica que a CONAQ tem sido esse espaço de atuação nacional, ao mesmo tempo em que atua nos estados e territórios. “Tenho certeza de que a criação da CONAQ é esse grito para o Estado brasileiro: não temos mais tempo para esperar. A dívida com a gente continua e é preciso que seja reparada já e agora”, acrescenta.  

Ao longo desse processo de luta, outras organizações estaduais e regionais foram surgindo. Uma delas é o Movimento Social de Articulação e Resistência Quilombola do Maranhão (MOQUIBOM), o estado que tem a segunda maior população quilombola. Emília Costa, coordenadora do MOQUIBOM, retoma como a organização nasceu.

“O MOQUIBOM surge em 2006, na baixada ocidental maranhense, na cidade de Serrando, Maranhão, quando a comunidade de Bacabal resolve não pagar mais foro, o pertenço à pessoa que se dizia dona do território. A partir disso, outras comunidades do município também começaram a não pagar mais essa taxa pelo uso da terra”, lembra.


Florisvaldo Rodrigues, da CEAQ-BA, conta sobre o início das lutas quilombolas organizadas nacionalmente / Arquivo pessoal

Esses espaços de liberdade, esses aquilombamentos que se espalharam por todo o país são numerosos e tentam fazer com que as suas vozes sejam ouvidas. Hoje, centenas de anos depois, essas comunidades quilombolas seculares, herdeiras deste legado de luta, seguem na lida pela reconhecimento e titularização de seus territórios e garantia de direitos.
 
“São mais de 6 mil comunidades quilombolas no país. No nordeste, nós passamos de 2.300 comunidades quilombolas. E na Bahia, a gente passa já de 800 comunidades quilombolas certificadas. Isso é um avanço, sair da invisibilidade”, aponta. No entanto, Florisvaldo lembra que a certificação deve ser apenas o primeiro passo na garantia de direitos.

“O Estado reconhece, mas ainda é muito  triste a realidade das comunidades brasileiras, porque não é apenas a certificação, não é apenas o decreto. A não regularização dos territórios quilombolas aumentam os conflitos. A gente precisa ter como prioridade a regularização dos territórios quilombolas. Esses territórios demarcados nos dá condição de ter um certo domínio do nosso território, para melhorar a qualidade de vida e diminuir os conflitos”, acredita.

Emília Costa, do MOQUIBOM, faz questão de destacar que esse processo de luta e resistência das comunidades quilombolas se dá sempre de forma coletiva, com os pés pisados no chão do território e de mãos dadas com a ancestralidade.


Emília Costa, do MOQUIBOM, ressalta a importância das lutas coletivas / Divulgação

“A gente vai continuar na luta pelo território, sempre de forma coletiva. A gente continua na luta, cobrando do Estado e não se aliando a ele,  porque o Estado é responsável para titular nosso território e implementar políticas públicas que nos contemplem”, defende. Nesse sentido, Florisvaldo aponta a importância da criação e implantação de programas e políticas específicas para a população quilombola.

“É necessário que a gente tenha projetos específicos quilombolas, linha de créditos específicas, quilombolas e tantas outras ações. Assim, não tenho dúvida de que construiremos ações de desenvolvimento, que são fundamentais para uma vida digna em nossos territórios”, diz. E não deixa esquecer o papel do povo negro na construção do país. “A gente mora em um país tão rico, onde as mãos africanas, as mãos quilombolas tanto trabalharam nessa construção e a gente ainda hoje continua dizendo e refletindo porque as mãos que trabalharam, os povos que construíram, ainda são os quem menos tem”.

A série de reportagens e podcasts ''No Rastro das Lutas: Movimentos populares abrindo caminhos para a democracia e direitos no Brasil'' é mais uma iniciativa que se relaciona com as ações dos 50 anos da CESE, trazendo uma abordagem voltada para sensibilização da sociedade acerca da contribuição social, cultural, econômica e política dos movimentos sociais no país. E conta com apoio do programa Doar para Transformar.

Edição: Gabriela Amorim