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Como o confito Israel-Palestina está afetando os Estados Unidos

Maioria dos estadunidenses defendem apoio a Israel, mas parcela fundamental da base democrata pensa diferente

Brasil de Fato | Nova York (EUA) |

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Eleitores mais jovens tendem a discordar mais com a linha oficial em relação ao conflito - AFP

O conflito entre Hamas e Israel vem agitando a política nos Estados Unidos. Principal aliado histórico do Estado judeu, o governo estadunidense prontamente se posicionou em defesa de Israel.

Na Casa Branca, Joe Biden disse: “nesse momento precisamos ser claros: nós estamos com Israel”. O presidente caracterizou os ataques do Hamas como de “puro mal” e chegou até a afirmar que o único objetivo do grupo, classificado como terrorista pelos Estados Unidos, seria o de matar judeus.


 

Há quem pense diferente

Nas ruas do país, porém, vozes dissonantes ecoaram nos últimos dias. Em Nova York, manifestações pró-palestina tomaram a Times Square, no coração da cidade. O Brasil de Fato esteve em uma delas, na última sexta-feira, e conversou com alguns dos manifestantes.

“Nós estamos aqui para deixar claro ao nosso governo que a forma com que estão falando sobre os palestinos, a forma com que estão apoiando o genocídio dos palestinos é inaceitável”, disse Wassim Kanaan, um dos organizadores da manifestação.“Nós exigimos justiça. E a justiça é corrigir os 75 anos de crime e de erro colonial sobre o povo palestino. Nós pedimos a liberdade da Palestina."

Agie, um jovem que estava na manifestação, explicou que “não se pode colocar 2 milhões de pessoas em uma área do tamanho do Queens [bairro de Nova York com 280 km² - o equivalente à área da cidade de Santos (SP) -  e esperar que elas não resistam de todas as formas possíveis”. Sobre os comentários de Biden, o jovem progressista afirmou: “na minha geração, todos estão com a Palestina”.

Biden na corda bamba

Na quarta-feira (18), Joe Biden desembarcou na capital israelense Tel-Aviv para uma visita ao primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. A situação é delicada, e Biden parece estar em uma corda bamba. O conflito pode ter consequências reais na eleição do ano que vem.

Jeannie Sowers, professora de relações internacionais da Universidade de New Hampshire, conversou com a reportagem sobre o assunto.

“Existe um apoio muito forte de eleitores democratas, nas grandes cidades dos EUA, para uma espécie de apoio a Israel”, explica Jeannie. "Também existem eleitores democratas que são mais progressistas ou de esquerda que têm criticado o apoio dos EUA a Israel. Então, os democratas têm um desafio para entender esses diferentes eleitores”, avalia.

Desde o início dos bombardeios, o apoio a Israel cresceu nos Estados Unidos. Segundo uma pesquisa YouGov, em março deste ano 31% dos estadunidenses se diziam pró-Israel. Esse número agora subiu para 42%. Do lado palestino, o apoio caiu de 13% para 9%. 

Ainda assim, há quem pense diferente, sobretudo em uma parcela da população importante eleitoralmente para Biden: os mais progressistas e mais jovens. De acordo com a mesma pesquisa, 67% da população com mais de 45 anos acredita que o Hamas está atacando áreas civis deliberadamente, contra 38% daqueles entre 18 e 44 anos.

Atalia Omer, israelense que cresceu em Jerusalém e hoje pesquisa o conflito Israel-Palestina na universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, acredita que a posição do governo é, de certa forma, contraditória. Ela falou com o Brasil de Fato sobre o tema.

“De um lado, você tem os EUA falando: ‘nós damos total apoio, nós estamos com Israel no que Isarel quiser fazer e, sim, nós respeitamos o direito internacional’. E, claro, Israel não tem respeitado o direito internacional em termos de guerras. Porque o direito de se defender não dá o direito de matar uma população de fome, de desligar a água, a eletricidade, os combustíveis. Isso é um crime”, diz Atalia.

Biden foi eleito com a promessa de reverter muitas das políticas polêmicas do governo Trump. Nas relações internacionais, não foi diferente. No caso do Oriente Médio, Trump  autorizou a mudança da embaixada estadunidense em Israel para Jerusalém, se retirou do acordo nuclear do Irã e parou de financiar a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA). Desde que Biden assumiu a presidência, no entanto, pouca coisa mudou.

“A única coisa que o governo Biden fez quando tomou o poder nos EUA, em termos da mudança da embaixada e do acordo do Irã, foi restaurar o apoio à UNRWA”, afirmou Atalia. Ela avalia que, em muitos aspectos, esse é um movimento fácil para o governo estadunidense, "porque coloca os palestinos como uma questão humanitária e não uma questão política”.

Para a especialista, esse é um ponto fundamental para entender o papel dos EUA na resolução do conflito: “uma coisa é falar sobre investir em reconstruir Gaza, que agora está devastada. Isso seria em um nível humanitário de análise. Um discurso de direitos humanos reconheceria as aspirações políticas e o desejo de serem livres [do povo palestino]."

Desafios internos

Dentro dos Estados Unidos, a Casa Branca enfrenta dois problemas principais. Um deles é a dificuldade de aprovar o envio de apoios financeiros, tanto a Israel quanto à Ucrânia. O governo quer atrelar um ao outro em um bolo de US$ 100 bilhões, algo que facilitaria a aprovação entre os republicanos. 

O segundo problema é a crescente onda de xenofobia. No início da semana, um menino de 6 anos, de ascendência  palestina, foi morto em casa com 26 facadas. O assassino, proprietário do apartamento onde a criança vivia com os pais de aluguel, será julgado por crime de ódio.

Além da promessa de autorização da entrada de ajuda humanitária em Gaza, a viagem de Biden a Israel deve ter poucos resultados concretos. Para Jeannie Sowers, o país precisa repensar a tática na região.

“Eu acho os EUA poderiam, de forma mais clara, reconhecer que a situação dos palestinos, particularmente em Gaza, mas também na Cisjordânia, não é uma solução”, afirma a estudiosa. "É o que os Israelenses gostam de chamar de ‘ocupação temporária’ da Cisjordânia, mas o que nós temos visto é uma anexação de fato e uma expansão de assentamentos na área C, a área que o exército israelense controla na Cisjordânia."

Jeannie Sowers conclui que os EUA precisam denunciar essa situação. "Isso debilita qualquer entidade ou Estado Palestino soberano no território, torna isso impossível. É absolutamente claro que a solução de dois Estados seria muito problemática. Então, quais são as nossas alternativas precisa ser uma pergunta de verdade."

Edição: Leandro Melito