MARCO NA GUERRA

Ataque a hospital mobilizou população árabe e mudou a face da guerra na Palestina; ouça análise em podcast

Manifestações populares e o apoio dos países islâmicos alteram a geopolítica do conflito

Ouça o áudio:

Registro dos escombros de um prédio atacado por Israel em Khan Yunis, na Faixa de Gaza, em 17 de outubro de 2023. - Mahmud Hams/AFP
Em todos esses conflitos sempre há algum fato que é um divisor de águas

"Em todos esses conflitos sempre há algum fato que é um divisor de águas", afirmou Reginaldo Nasser, professor de Relações Internacionais da PUC-SP. Ao podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, o especialista faz referência ao míssil que atingiu o hospital Al-Ahli, na Faixa de Gaza, na última terça-feira (17).

De acordo com dados do Ministério da Saúde de Gaza, o número de vítimas fatais do ataque é superior a 500. O exército israelense negou o ataque, apontando para um possível acidente com um míssil palestino.

"Eu não sei se o que é mais chocante para o senso comum democrático, que defende o direito do povo palestino de ter seu o Estado, seu território e a sua nação: a farsa da mentira de culpar os palestinos pela bomba no hospital ou jogar a bomba no hospital como um direito de defesa de Israel", comentou o ex-presidente do PT, José Genoíno. 

Ouça o episódio completo:

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Ao desembarcar em Israel na última quarta-feira (18), Joe Biden, presidente dos Estados Unidos (EUA), disse que a explosão do hospital Ahli Arab, em Gaza, parece ter sido "obra do outro lado", declaração que Genoíno classificou como  "medíocre" e "vergonhosa". "Ele está tratando o ataque a um hospital, morte de 500 pessoas, como outro lado. Os seres humanos viraram coisa, esse é o problema grave do nível de radicalidade que está esse confronto."

Segundo ele, com o míssil que atingiu o Hospital Al-Ahli, na Faixa de Gaza, a guerra alcançou um novo patamar. "Ela se regionalizou" com ajuda da mobilização popular, acredita.

Logo que a notícia do ataque ao hospital se espalhou, a população de Ramallah, a capital da Autoridade Nacional Palestina, na Cisjordânia, foi às ruas para protestar e entraram em choque com a polícia palestina.

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"A pressão das ruas funcionam em dois sentidos: Primeiro, porque se os governos de centro e direita não olharam para o povo palestino, vem manifestação contra ele. Segundo, ao olharem, eles se distanciam dos Estados Unidos. Então há uma regionalização", explica Genoíno. 

O professor Reginaldo Nasser concorda. "É fato que os governos árabes, realmente, nunca levaram a fundo a questão Palestina. Era só retórica, porque eles têm medo da rua. A rua árabe pressiona. Então eles têm mudado e com esse evento não tem como eles voltarem atrás."

Os especialistas lembraram que esta regionalização também diz respeito à questão do petróleo no Oriente Médio. "Uma área que ainda é muito estratégica e rica pela sua posição no mundo e pelo petróleo. Nós não estamos falando de qualquer coisa, é a Arábia Saudita, é o Irã e, hoje, a antiga União Soviética, pois a Rússia tem uma situação de melhores relações lá do que quando era a União Soviética", afirma Genoíno. 

Para Nasser, a questão do petróleo é o que está segurando o exército israelense em engajar com mais força no conflito contra o grupo Hamas. O especialista afirma que países árabes, como os Emirados Árabes e a Arábia Saudita, têm se aproximado cada vez mais da Rússia, e se afastando dos Estados Unidos. "Os dois têm base militar americana, Emirados e Arábia Saudita, ambos recebem bilhões de dólares em armas, mas não estão seguindo os Estados Unidos. E agora se distanciaram mais ainda."

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Neste contexto, como presidente rotativo do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil havia elaborado uma resolução que seria a primeira manifestação formal do órgão sobre o conflito. Mas os EUA votaram contra a proposta e o texto foi integralmente reprovado. 

"O mundo multipolar exige do governo democrático, do governo Lula, um posicionamento. [...] o Brasil achou que com boas maneiras, com boas declarações, ia abrir aquela fronteira do Egito com Israel, no chamado corredor humanitário", criticou Genoíno. 

Nasser comparou o discurso de Lula com outros líderes, como o russo Vladimir Putin e o chinês Xi Jinping. "O Putin deu uma declaração dura contra Israel e ligou para o Netanyahu, isso é política internacional. Então a China e a Rússia, eles vão querer proveito sim. [...] Se a China, se a Rússia, conseguirem articular isso, eles saem maior".

José Genoíno foi claro ao afirmar que os conflitos só deverão terminar se um dos lados sentir que pode perder. "Se a comunidade internacional não impuser uma derrota para o Estado de Israel, vai prosseguir um massacre. Essa é a grande ameaça que nós estamos correndo sobre o futuro da humanidade. Ou contém a violência, o direitismo, a arrogância, ou então, nós vamos ver fatos mais graves."

O podcast Três por Quatro é apresentado por Nara Lacerda e Igor Carvalho, agora em temporada fixa no Brasil de Fato. Nesta nova fase, além dos comentários do João Pedro Stédile, liderança do MST, a equipe também conta com a presença do ex-presidente do PT, José Genoíno.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país. 

Edição: Rodrigo Durão Coelho