ELEIÇÃO NA ARGENTINA

Patricia Bullrich aposta em gestão responsável na economia e linha dura na segurança para levar direita de volta ao poder na Argentina

Candidata conservadora tenta mostrar que sua base política é diferencial para aprovar as mudanças que o país precisa

Brasil de Fato | Botucatu (SP) |
Bullrich (com a mão cobrindo o rosto do padrinho político Macri) faz as promessas finais de campanha e garante que a economia vai melhorar se ela vencer - Juan Mabromata/AFP

Os conservadores de direita, chamados na Argentina de radicais, apostam em Patricia Bullrich para tentar voltar ao poder, quatro anos após o fim do governo de Mauricio Macri (2015-2019), que contraiu uma dívida externa bilionária e deixou a Casa Rosada mal avaliado. Para superar essa herança política desfavorável e tirar o país da crise em que chafurda atualmente, ela busca se posicionar como a representante de uma mudança responsável e previsível, composta por medidas liberalizantes na economia, linha dura na segurança e consistência na articulação política para executar suas propostas.

"Estou propondo uma mudança verdadeira, definitiva, para devolver ao país o que nos foi roubado. Para que o dinheiro valha e valha a pena viver na Argentina", afirmou durante o ato de encerrramento da campanha, nesta quinta-feira (19), na cidade Lomas de Zamora, província de Buenos Aires. Na ocasião, ela afirmou que representa uma mudança "sem saltos no escuro", com "10 governadores, 500 prefeitos, deputados, senadores para aprovar as leis que a mudança precisa", em referência ao apoio que teria de seus correligionários nos poderes Executivo e Legislativo.

Mencionar a base de apoio e falar em mudança sem salto no escuro é uma forma de se diferenciar do candidato ultraliberal Javier Milei, que disputa com ela votos do eleitorado de direita. Ao longo da campanha, ela teceu duras críticas a ele e também ao outro concorrente principal, o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, a quem chamou de "o pior ministro da Economia" da história.

Ao longo da campanha, Bullrich acabou ficando no meio de uma disputa polarizada entre Massa e Milei. Um ano atrás, quando Milei ainda parecia um candidato pouco expressivo e a crise socioeconômica já abalava o governo de Alberto Fernández e Sergio Massa, a coalizão Juntos pela Mudança, de Bullrich, parecia favorita para vencer a eleição. Mas as primárias de agosto e as pesquisas de intenção de voto divulgadas desde então mostram que, ainda que todas as possibilidades de resultados estejam em aberto, existe uma possibilidade de Bullrich ficar fora do segundo turno.

Dificuldades internas também enfraqueceram sua campanha. Após uma disputa interna muito acirrada pela cabeça de chapa com o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, apenas recentemente sua coalizão conseguiu dar uma demonstração de união, apresentando Larreta como futuro chefe de gabinete da candidata. São tentativas de reta final de campanha.

Paridade peso-dólar

Diferentemente de Milei, que propõe acabar com o peso e adotar o dólar como moeda corrente, Bullrich propõe um esquema econômico bimonetário, pelo qual seria legalizada a circulação do dólar em paridade com o peso e os argentinos poderiam realizar contratos com qualquer uma das moedas. O objetivo seria aumentar o fluxo de investimentos, mantendo a existência e a autonomia do Banco Central, e não sua extinção, como gostaria Milei.

“A proposta de um esquema econômico bimonetário me lembra o período da conversibilidade, da paridade peso-dólar dos anos (Carlos) Menem (1989-1999)”, analisa o professor Carlos Vidigal, doutor em Relações Internacionais e especialista em Argentina. “À época, as transações imobiliárias e do mercado de automóveis (pelo menos) eram feitas em dólares, o que era devidamente registrado em contratos. Ademais, em alguns períodos os argentinos puderam manter contas bancárias em pesos ou em dólares, sendo que informalmente os dólares já circulavam (e circulam) paralelamente ao peso”.

Na opinião dele, o que Bullrich propõe é uma tentativa de dar status oficial ao que já ocorre no país. “Porém, explicitar a circulação do dólar lado a lado com o peso traz algumas implicações interessantes. Por um lado, se houver um período de adaptação, como a URV antes do real, pode estabilizar a economia. Por outro, traz dois problemas que foram relevantes na crise do final dos anos Menem: diminui a possibilidade de o governo administrar o câmbio por meio de desvalorizações e onera as importações, o que pode criar dificuldades para a indústria local e pode elevar as importações de bens de consumo leve, agravando o desemprego”.

Linha dura

Outro assunto prioritário para a candidata é a segurança, tema com o qual tem familiaridade desde que integrou o governo Fernando de la Rúa (1999-2001) e, mais recentemente, como ministra de Segurança do governo Macri. Com seu estilo “linha dura”, ela se fortaleceu na coalizão Juntos Pela Mudança e derrotou o prefeito de Buenos Aires, Horacio Rodríguez Larreta, de perfil mais moderado, na disputa pela candidatura. Isso num momento em que a Argentina vivia uma série de atos de vandalismo e roubos a supermercados e empresas, o que deixou ainda mais dramático o cenário de crise social e econômica.

No encerramento da campanha, ela afirmou que, se vencer as eleições, "aquele que rouba irá para a prisão". E, se depender da vontade dela, isso valerá também para menores de idade, porque pretende reduzir a maioridade penal para 14 anos. Outras propostas são aplicar um ajuste econômico logo no início do mandato, envolver as Forças Armadas no combate ao narcotráfico e declarar a educação como um serviço essencial para impedir greves de professores. No âmbito externo, disse que retiraria o país do Brics — a Argentina foi convidada a integrar o grupo recentemente, por sugestão do Brasil, um dos membros fundadores.

"Se chegarmos ao segundo turno, a economia se acalma", prometeu.

O passado da candidata

Patricia Bullrich, de 67 anos, é oriunda de uma família tradicional e com vínculos na política, mas optou por integrar o peronismo quando entrou para política. Defendeu inclusive que a luta armada seria a alternativa para as aspirações da juventude revolucionária. “Na década de 1970, muitos de nós pensamos que a forma de mudar o mundo era por meio da violência. E foi um erro”, disse recentemente ao jornal La Nación.

Ela nega participação em ações armadas, mas ficou marcada pela proximidade com Rodolfo Galimberti, líder dos Montoneros, braço armado do peronismo, que foi casado com a irmã de Bullrich. Durante a campanha, particularmente nos debates televisivos, Javier Milei usou esse tema para tentar colar na rival a pecha de terrorista. Acusou-a de colocar bombas em jardim de infância. Bullrich alegou ser mentira e o acionou judicialmente.

Em 1976, depois do golpe militar que inaugurou o período mais repressivo da ditadura argentina, Bullrich se exilou no Brasil e em outros países. Voltou à Argentina com a redemocratização, em 1986, ainda como militante peronista. Na década seguinte, rompeu com o movimento por causa de escândalos de corrupção e adotou a cartilha liberal como resposta à inflação que assolava o país na época. Apoiou Fernando de la Rúa para a sucessão de Menem e, com a vitória, assumiu a Secretaria de Política Criminal e Assuntos Penitenciários. Foi a partir daí que ficou conhecida pelo perfil “linha dura” contra a criminalidade.

Com a queda do governo De La Rúa, em 2001, ela criou o próprio partido e caminhou cada vez mais em direção ao conservadorismo. Em 2015, entrou no governo Macri como ministra da Segurança.

*Com informações do El País, Página 12, CNN Brasil e Estadão

Edição: Leandro Melito