mobilidade urbana

Autor descarta tecnologias 'mágicas' e reforça importância de bicicletas e transporte público

Peter Norton, historiador focado na indústria automobilística, critica carros 'inteligentes' em seu novo livro

Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ) |
Peter Norton esteve recentemente no Brasil para divulgação de seu livro - Reprodução

"Um absurdo inventado pelo marketing." Assim o autor Peter Norton, um dos principais historiadores da indústria automobilística no planeta, avalia a afirmação de que carros "inteligentes", sem motoristas, podem ajudar a solucionar problemas climáticos e de transporte. Norton acaba de lançar Autonorama, seu mais recente livro, que chegou ao Brasil em coedição da Fundação Rosa Luxemburgo e da editora Autonomia Literária.

No livro, Norton trata de promessas e anúncios da indústria automobilística ao longo dos anos e apresenta uma crítica às "soluções" tecnológicas propostas pelo setor. Ao Brasil de Fato, o autor estadunidense defendeu que, por mais avançada, a tecnologia ainda depende do componente humano.

"A tecnologia não pode resolver nada. Nunca resolveu nada. São as pessoas que resolvem as coisas. Quando resolvemos coisas, normalmente resolvemos com a ajuda de tecnologias. Mas é muito importante reconhecer que, quando um ser humano resolve um problema com uma tecnologia, é o ser humano capacitado pela tecnologia que resolve o problema. Não é a tecnologia que resolve o problema", destacou.

Norton questiona os vultosos investimentos da indústria automobilística em busca de ferramentas como os carros sem motorista, e defende mais investimentos em transporte público e mobilidade ativa (caminhadas e pedaladas, por exemplo).

"Temos bicicletas, bicicletas convencionais, bicicletas elétricas. Temos trens elétricos que não precisam de baterias porque recebem energia des cabos aéreos ou de um terceiro trilho. Temos bondes. Os ônibus não são perfeitos, mas são úteis. Podemos melhorar os pontos de ônibus", apontou.

Os esforços dos departamentos de marketing das indústrias para definição de conceitos também são alvo das críticas contundentes do autor. Ele afirma que não é correto chamar um veículo de "inteligente", e prefere termos como "carros robóticos" ou "automatizados". Também questiona a expressão "autônomo", já que esses veículos não têm qualquer vontade própria – são, afinal, programados por engenheiros.

Coordenador da Fundação Rosa Luxemburgo, o pesquisador Daniel Santini, especialista em mobilidade, é o responsável pela apresentação do livro no Brasil. Em entrevista ao BdF, disse que o mérito do autor é mostrar "por A mais B" que não faz sentido seguir investindo tempo, energia e recursos públicos tentando viabilizar algo que não é viável.

"O grande mérito do Peter é desmontar um pouco o discurso e todas as promessas de que agora, com 'carros robôs' – que é como ele chama o que é anunciado como 'carro inteligente' – ou a eletrificação total de todos os automóveis, a gente vai ter uma solução para problemas como congestionamentos, poluição, todo o desastre climático que se desenha. Ele desmonta com argumentos muito contundentes, concretos e reais", pontua.

Professor de história da tecnologia na Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, Norton afirma que os países do Sul Global têm ainda mais a perder em meio a um cenário em que as grandes indústrias se esforçam para vender uma ideia de futuro com respostas tecnológicas que, na prática, são inviáveis.

"Na verdade, este é um tipo de perspectiva neocolonialista, porque as pessoas que vendem essas tecnologias enxergam o Sul Global como fornecedor de minerais. Do cobalto, do lítio, do níquel, do manganês, do cobre que vão tornar tudo isso possível. Cada um desses minerais tem efeitos devastadores e não há quantidade suficiente deles, mesmo que a gente ignore os efeitos humanos e ecológicos devastadores de fornecer esses minerais na quantidade em que serão demandados", complementa.

Edição: Nicolau Soares