As eleições presidenciais entraram em pauta na política ucraniana. Ou, pelo menos, a discussão sobre a realização ou não do pleito, marcado a princípio para o final de março de 2024. Inicialmente, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitry Kuleba, afirmou que o presidente estava considerando realizar eleições no segundo trimestre do ano que vem. No entanto, dias depois, na última segunda-feira (6), o presidente Volodymyr Zelensky fez um pronunciamento rechaçando a possibilidade de realizar eleições em tempos de guerra.
“Devemos determinar que agora é a hora da defesa, a hora da batalha, da qual depende o destino do Estado e do povo, e não a hora de demandas que só a Rússia espera da Ucrânia. Acredito que agora não é hora para eleições”, afirmou.
O líder ucraniano observou que, em tempos de guerra, existem "muitos desafios", e por isso, segundo ele, agora "é absolutamente irresponsável lançar o tema das eleições na sociedade".
De acordo com a constituição ucraniana, a realização de eleições, tanto parlamentares quanto presidenciais, é proibida no caso de um estado de guerra, que está em vigor desde fevereiro de 2022. Na última quarta-feira (8), o parlamento da Ucrânia aprovou a prorrogação da lei marcial até 14 de fevereiro de 2024, o que impede legalmente o início dos processos de campanha eleitoral dentro dos prazos estabelecidos.
No entanto, a posição do presidente Volodymyr Zelensky sobre a possibilidade de realizar eleições oscilou nos últimos meses. Em outubro, ele afirmou que o pleito poderia ser realizado mesmo durante a lei marcial, caso o parlamento e o governo “conseguissem encontrar respostas para todos os desafios”.
Uma das respostas para a recente determinação de recusar a realização de eleições está no aumento da rejeição da sociedade a essa ideia. Uma pesquisa do Instituto Internacional de Sociologia de Kiev (KIIS) mostrou que 81% da população acredita que as eleições deveriam ser realizadas depois da guerra. Apenas 16% se manifestaram a favor da ideia de realizar eleições com a guerra em curso. Em setembro, outro estudo feito pelo Centro Razumkov, mostrou que 64% dos ucranianos eram contra a realização de eleições durante a guerra.
:: Para 78% dos ucranianos, Zelensky tem responsabilidade por corrupção no país ::
Em entrevista ao Brasil de Fato, o diretor do Instituto Ucraniano de Política, Ruslan Bortnik, afirmou que a reserva do governo em realizar as eleições está mais ligada ao temor de uma instabilidade institucional do que os possíveis desdobramentos da votação em si.
“Quando na Ucrânia se fala em eleições, não necessariamente está se falando de eleições, e isso não é muito bem compreendido por parte da imprensa internacional. Todos acham que há uma discussão sobre as eleições, se vão ocorrer ou não, se o governo não quer, se a oposição insiste, etc. Na verdade não é bem assim. Hoje o governo não teme tanto a própria eleição, já que a popularidade de Zelensky é alta, ele pode ganhar novamente nas eleições. O governo teme mais a instabilidade do processo eleitoral”, argumenta.
De acordo com Bortnik, o estado de guerra que o país se encontra implica em uma série de restrições que são um obstáculo para a plena realização de eleições democráticas.
“É preciso permitir eventos políticos, manifestações e comícios, e o governo teme que se for realizado o processo eleitoral democrático, o país ficará desestabilizado internamente por protestos, com duras retóricas e críticas de canais oposicionistas, isso é o que o governo teme, e não a própria votação”, explica.
A guerra também suscitou e deu margem a medidas antidemocráticas de Zelensky que inviabilizam um processo eleitoral adequado. Em março de 2022, o presidente ucraniano determinou a proibição dos principais partidos políticos de oposição, argumentando suposta ligação com a Rússia. Além disso, o país passou por um processo de fusão de canais de TV adotando uma “política de informação unificada”.
Como afirma o professor de Ciência Política na Universidade de Rhode Island, Nikolai Petro, citado pela agência russa Ria Novosti, debates políticos sérios são impossíveis na Ucrânia, uma vez que Kiev exige que os canais de televisão transmitam uma “versão única das notícias”.
Zelensky tem popularidade alta, mas rejeição aumenta
Apesar do presidente ucraniano manter altos índices de aprovação no país, as pesquisas de opinião pública mostram que Volodymyr Zelensky sofre um acentuado aumento nas taxas de rejeição entre a população ucraniana.
“Se um ano atrás a desaprovação e desconfiança em relação a Zelensky era de 5-6%, hoje esse índice é de 22%, aumentou a impopularidade, isso é um ponto. Em segundo lugar, o nível de aprovação caiu de cerca de 90% para 70-75%, dependendo da pesquisa de opinião. Mas o índice de uma aprovação absoluta, ou seja, as pessoas que confiam plenamente no presidente, hoje está abaixo de 50%”, explica o cientista político Ruslan Bortnik.
De acordo com um estudo feito pelo Instituto de Política Ucraniano, o índice de confiança em Volodymyr Zelensky, se compararmos maio de 2022 e outubro de 2023, caiu de 74% para 39%. Já a confiança da população no parlamento do país caiu de 58% para 21% no mesmo período.
Paralelamente, a discussão em si sobre as eleições criou uma plataforma para adversários se movimentarem. Em particular, o ex-conselheiro do chefe de gabinete do presidente ucraniano, Aleksey Arestovich, anunciou planos de concorrer à presidência e, em seu programa político, prometeu alcançar a paz com a Rússia.
Com duras críticas ao atual presidente, Arestovich chegou a declarar que o sistema governamental ucraniano atingiu o limite da sua competência e que a sua política interna, externa e militar estão "matando a Ucrânia". Em seu programa político, o ex-membro do governo de Zelensky firmou que, sob sua liderança, Kiev irá se comprometer a não recapturar os territórios ocupados pela Rússia militarmente, mas buscará retomar as regiões apenas através de meios políticos.
Ao mesmo tempo, crescem os rumores na Ucrânia sobre um possível racha entre Zelensky e comandante-em-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Valery Zaluzhny, também especulado como alguém que pode ameaçar o poder do atual presidente e se colocar como um candidato. As especulações surgiram depois que o presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, contestou publicamente declarações de Zaluzhny. Em particular, em entrevista ao The Economist, o comandante-chefe das Forças Armadas Ucranianas disse que a guerra com a Rússia “chegou a um beco sem saída” e que a ofensiva ucraniana corre o risco de dar lugar a uma guerra de trincheiras que poderia se arrastar por anos.
O cientista político Ruslan Bortnik afirma que os resultados de possíveis eleições serão determinados apenas pelo curso da guerra. “Se houver um congelamento condicional da guerra, o apoio ao campo da esquerda aumentará significativamente, favorecendo Arestovich, por exemplo. E, inversamente, o apoio ao setor militar e ao atual governo diminuirá. O curso da guerra determinará a arquitetura dos candidatos. Portanto, só poderemos determinar pelo menos algo quando a campanha eleitoral começar”, completa.
Rússia acusará ‘crise de legitimidade’ da Ucrânia
Ao comentar as movimentações na política interna da Ucrânia, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, declarou na última quinta-feira, dia 8, que a Rússia está acompanhando a situação, mas ressaltou que é uma questão interna da Ucrânia.
Ao mesmo tempo, ele destacou que para Moscou é importante que o regime de Kiev compreenda “que é absurdo falar de expectativas de vitória sobre a Rússia no campo de batalha”.
Para Ruslan Bortnik, a questão sobre as eleições ucranianas será usada em uma campanha informacional pela Rússia, que também tem eleições presidenciais marcadas para março de 2024. De acordo com ele, o paralelo com a Rússia cria uma crise de legitimidade para a Ucrânia.
“Do ponto de vista legal, de acordo com a letra da lei, na Ucrânia está tudo certo, não se pode realizar eleições agora, nem parlamentares nem presidenciais, mas do ponto de vista da legitimidade, acredito que após março do próximo ano, a Rússia buscará promover uma campanha informacional contra a Ucrânia no mundo, afirmando que a Ucrânia não possui órgãos de governo legítimos, que a autoridade do presidente da Ucrânia e do parlamento se esgotaram, e que a Ucrânia tem um regime autoritário que se recusa a realizar eleições, portanto teria um problema de legitimidade. Isso acontecerá sem dúvida nenhuma”, completa o analista.
Edição: Leandro Melito