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A colaboração premiada de Mauro Cid: o que esperar?

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A delação de Mauro Cid, segundo divulgado pela imprensa, contém gravíssimos elementos que podem levar Bolsonaro à prisão por diversos crimes - Geraldo Magela / Agência Senado
A prisão de Jair Bolsonaro dever vir com a comprovação do que afirmado por Mauro Cid

Para quem defende o devido processo legal constitucional é importante compreender que o instituto da colaboração premiada, mesmo sendo considerado meio de prova, somente se mostrará hábil à formação do convencimento judicial se vier acompanhado por outros meios idôneos de prova. Ela não substitui a investigação, já que a eficácia do acordo de colaboração está justamente em ser auxílio à investigação e não um fim em si mesmo.

Lembrando que usar a palavra de um delator como prova foi o método corriqueiro na operação Lava Jato, que utilizou o instrumento de forma desvirtuada, abusiva e ilegal, rebaixado a uma forma de vingança e de confirmação das “convicções” dos membros do Ministério Público Federal do Paraná e do então juiz Sergio Moro.

Fundamental entender que o problema não está na colaboração premiada, mas na forma criminosa que os agentes do Estado resolveram utilizá-la.

A colaboração premiada do Tenente Coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, segundo divulgado pela imprensa, contém gravíssimos elementos que podem levar o ex-presidente à prisão por diversos crimes, por ter sido mandante e beneficiário das vendas das joias que pertencem ao Estado, por ter participado do esquema da falsificação dos cartões de vacinação, por ser autor intelectual da tentativa de golpe de Estado, que teve seu ápice no dia 08 de janeiro, com a depredação dos prédios da Praça dos Três Poderes.

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Os novos passos da investigação passam neste momento pela checagem e busca de corroboração das informações prestadas por Cid à polícia, com novas diligências. Verificar os caminhos de provas por ele apresentados.

Esse é o procedimento correto e sem violações da legalidade. 

O desejo da prisão para adversários políticos não é o que deve nortear a posição de quem se situa no campo de defensores do Estado Democrático de Direito. Senão estaremos fadados a respaldar métodos autoritários de que, em regra, somos vítimas, como na Lava Jato. 

A prisão de Jair Bolsonaro dever vir com a comprovação do que afirmado por Mauro Cid, com outros elementos e o trânsito em julgado de uma condenação ou, como é possível em processo penal, pode ser imediata caso ele apresente riscos ao processo, como destruição de provas ou tentativa de fuga.

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Evidente que a conduta de Bolsonaro ao longo dos anos à frente da Presidência da República e sobretudo após perder as eleições encontra diversas ofensas à democracia, à Constituição Federal e às leis penais.

Seu discurso de ódio construído propositadamente como ferramenta de incitação à violência e a um golpe de Estado, a ampliação do armamento da população, a radicalização da massa de apoiadores, o questionamento sobre o sistema eleitoral, o apoio a acampamentos com pedidos golpistas, o silêncio diante do gravíssimo atentado que tentou explodir um caminhão tanque nas imediações do aeroporto internacional de Brasília, a minuta de golpe encontrada na casa do seu ministro da Justiça Anderson Torres, o caso da venda de joias que pertencem ao acervo do Estado, a falsificação de cartões de vacina e, por fim, a fuga do país ainda no exercício do mandato, são fatos que precisam ser desvendados para apurar sua responsabilidade efetiva.

O interesse do ex-presidente no caos social na tentativa de desconsiderar o resultado das urnas evidencia-se em muitas atitudes de ações e omissões, inclusive em nenhum pronunciamento para arrefecer os ânimos de sua base e na ação criminosa da Polícia Rodoviária Federal durante o bloqueio de rodovias por caminhoneiros após o resultado. O silêncio eloquente foi a mensagem mais forte aos que pediam intervenção militar em frente aos quartéis.

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A fala do subprocurador Carlos Frederico Santos, responsável pelos inquéritos no STF, feita há alguns dias, de que o conteúdo da colaboração de Mauro Cid é “fraco” antecipa um juízo de valor para uma apuração que ainda está em andamento. Foi infeliz e inadequada.

Somente a conclusão das investigações da Polícia Federal sobre as informações trazidas por Cid podem mensurar o peso e tamanho da responsabilidade de Bolsonaro sobre os atos cometidos e dar ao Supremo Tribunal Federal o arcabouço para julgá-lo. 

Fundamental também que o Ministério Público se debruce sobre o material disponibilizado no relatório final da CPMI do golpe, que pediu o indiciamento de Bolsonaro e de outras 60 pessoas.

Fato é que se ratificadas as informações as penas para os crimes certamente são de prisão. Quanto a isso não restam dúvidas.

*Tânia Maria de Oliveira é advogada, historiadora e pesquisadora. Membra do Grupo Candango de Criminologia da UnB (GCcrim/UnB). Membra da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Compõe a equipe da Secretaria-Geral da Presidência da República. Confira outros artigos aqui.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo